Bons Hábitos, Maus Hábitos - Liderança (2024)

Liderança

UFRA

Yuri Batista 13/10/2024

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A Editora Sextante agradece a sua escolha.Agora, você tem em mãos um dos nossos livrose pode ficar por dentro dos nossos lançamentos,ofertas, dicas de leitura e muito mais!https://especial.sextante.com.br/cadastroebooks-sextanteTítulo original: Good Habits, Bad HabitsCopyright © 2019 por Wendy WoodCopyright da tradução © 2021 por GMT Editores Ltda.Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sobquaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores.Nota do Editor: As notas e a bibliogra�a referentes a esta obra estão disponíveis para download napágina deste livro no site da Editora Sextante.tradução: Claudio Carinapreparo de originais: Olga de Mello e Suelen Lopesrevisão: Ana Grillo e Midori Hataidiagramação: Valéria Teixeiracapa: Pan Macmillan Art Departmentadaptação de capa: Miriam Lerner | Equatorium Designe-book: HondanaCIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJW853bWood, WendyBons hábitos, maus hábitos [recurso eletrônico] / Wendy Wood; [tradução de ClaudioCarina]. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Sextante, 2021.recurso digital: il.Tradução de: Good habits, bad habitsFormato: epubRequisitos do sistema: adobe digital editionsModo de acesso: world wide webISBN 978-65-5564-130-1 (recurso eletrônico)1. Mudança de hábitos. 2. Comportamento. 3. Mudança (Psicologia). 4. Livroseletrônicos. I. Carina, Claudio. II. Título.21-68748 CDD: 152.33CDU: 159.947Leandra Felix da Cruz Candido - Bibliotecária - CRB-7/6135http://www.hondana.com.br/Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.Rua Voluntários da Pátria, 45 – Gr. 1.404 – Botafogo22270-000 – Rio de Janeiro – RJTel.: (21) 2538-4100 – Fax: (21) 2286-9244E-mail: atendimento@sextante.com.brwww.sextante.com.brmailto:atendimento@sextante.com.brhttp://www.sextante.com.br/Para Steve, que torna tudo possível –até escrever um livro.SUMÁRIOPARTEICOMO NÓS REALMENTE SOMOS1 Persistência e mudança2 As profundezas interiores3 Apresentando seu segundo eu4 E o conhecimento?5 E o autocontrole?PARTEIIAS TRÊS BASES DA FORMAÇÃO DE HÁBITOS6 Contexto7 Repetição8 Recompensa9 Coerência é para os mais íntimos10 Controle totalPARTE III CASOS ESPECIAIS, GRANDES OPORTUNIDADES E O MUNDO AO NOSSOREDOR11 Pulando pelas janelas12 A especial resiliência do hábito13 Contextos do vício14 Feliz com o hábito15 Você não está sozinhoEPÍLOGOCOMO DEIXAR DE OLHAR TANTO O CELULARAGRADECIMENTOSCRÉDITOS DAS IMAGENSPARTE ICOMO NÓSREALMENTESOMOS1PERSISTÊNCIA E MUDANÇA“O hábito é, por assim dizer,uma segunda natureza.”– CÍCERODe vez em quando, minha prima entra no Facebook e proclama que vaimudar de vida. No caso dela, isso signi�ca emagrecer. Sempre começa domesmo jeito: ela �ca a�ita porque seu peso está mais alto do que gostaria esente dores nas costas, intensi�cadas pelos quilos a mais. Depois, resume asituação de uma forma que todos podemos entender. Diz que se senteimpotente. Incapaz de mudar. Por �m, pede ajuda aos amigos da rede social.O mundo virtual (pelo menos uma pequena parcela dele) é bemencorajador:“Você consegue! Se alguém é capaz disso, é você.”“Não há nada que você não consiga fazer.”“Você é uma das mulheres mais fortes que eu conheço.”“Você pode vencer esse desa�o.”Os amigos a incentivam. Desempenham bem seu papel nesse so�sticadoprocesso social ao qual minha prima deu início: primeiro, seucomprometimento é compartilhado, portanto torna-se mais forte e real paraela. Mas há um segundo passo, menos óbvio: ela aumentou o risco em casode fracasso. Suas declarações públicas a tornam responsável pelo sucesso.Comparada a uma simples resolução de emagrecer que não é compartilhada,sua exposição aumenta o custo de uma decepção. É isso que confere umacaracterística dramática a essas postagens. Ela não apenas está contando quegostaria de emagrecer, mas, na verdade, está prometendo que desta vez issovai acontecer. As amigas dão conselhos mais apropriados a uma heroínaprestes a começar sua jornada: “Nunca permita que digam que você não vaiconseguir.” Minha prima não só vai emagrecer 7 quilos: vai começar umanova vida. Sua determinação é clara e forte, e ela tornou essa resoluçãopública.Ainda assim... todos sabemos aonde isso vai dar.A economia clássica nos oferece uma visão do dilema da minha prima. Oconceito de Homo economicus, ou “homem econômico”, refere-se ao interessehumano supostamente imutável e racional por si mesmo, algo que tornariaseu comportamento tão previsível quanto uma conta de matemática. Comobons exemplares de Homo economicus, somos considerados maximizadoresde utilidade – ou seja, espera-se que estejamos sempre deliberadamente embusca de objetivos bené�cos. Essa noção de racionalidade ganhou destaquecerca de 200 anos atrás, no trabalho do teórico político John Stuart Mill.Porém, mesmo naquela época, suas ideias foram motivo de crítica e desdém.Aliás, os primeiros críticos de Mill sobre nossa racionalidade coletivacunharam o termo Homo economicus para ironizar sua análise. Desde então,o campo da economia desenvolveu uma compreensão mais realista ecomplexa da natureza humana. Por �m, mesmo seus princípios maisfundamentais foram ajustados à luz de nossas teimosas irracionalidades.Nem o pai da economia moderna foi poupado. Pode até ser verdade, comoa�rmou Adam Smith, que todos agimos “movidos pelo nosso própriointeresse”, mas esse interesse pode ser de�nido de inúmeras e variadasformas.Não pude deixar de pensar no Homo economicus quando vi a postagemda minha prima. Se ela fosse uma criatura puramente racional, regida porintenções claras, poderia mudar seu estilo de vida de um jeito simples ereservado. Não seria necessário anunciar nada.Quão difícil é realmente mudar a nós mesmos?Como a maioria de nós, minha prima intuitivamente sabia a resposta: émuito difícil.Foi aí que ela descobriu como se comprometer com a mudança demaneira proativa. Comprometeu-se com seus planos e aumentou os custosdo fracasso. Foi além de simplesmente optar por mudar. Começou atransformar seu ambiente social num contexto que tornava custoso nãoemagrecer. Isso deveria ter funcionado.1E funcionou. Duas semanas após a primeira postagem, ela fez umaatualização contando que havia perdido 1 quilo. “É um ótimo começo.”Em seguida, silêncio.Um mês depois, explicou que continuava tentando, mas sem muitosucesso. “Nenhum avanço para contar.” E essa foi a última postagem delasobre o assunto por algum tempo.Seis meses depois, ela não tinha feito mais nenhum progresso. Naverdade, a única mudança era que agora minha prima tinha mais uma razãopara se sentir mal. Um fracasso público. O resultado, assim como ocorre comtantas pessoas que tentam mudar algum comportamento, foi que a mudançasimplesmente não aconteceu. Ela tinha força de vontade, determinação eapoio. Devia ter sido o su�ciente, mas não foi.O primeiro passo para solucionar esse problema é reconhecer que nãosomos totalmente racionais. Nossas ações podem ser motivadas por razõesobscuras. As coisas em que nos baseamos podem ser surpreendentes. Nosúltimos anos os cientistas começaram a desvendar nossa naturezamultifacetada e a identi�car os preconceitos e as preferências decorrentesdela. Segundo esse entendimento, nunca conseguiremos anular totalmenteessas in�uências, mas podemos levá-las em conta quando agimos. Nossocomportamento tem origem em algumas das mais misteriosas, ocultas e (atérecentemente) não reconhecidas fontes de irracionalidade.O que está inviabilizando as tentativas de mudança da minha prima? Oque está atrapalhando todos nós? A resposta é que, na verdade, nãoentendemos o que de fato motiva nosso comportamento. E o problema éainda mais complexo. Precisamos parar de superestimar nosso eu racional ecompreender que também somos constituídospor partes mais profundas.Podemos pensar nessas outras partes de nós como pessoas que esperamnosso reconhecimento – e aguardam nossas ordens para agir.A ciência en�m vem revelando por que somos incapazes de mudar nossopróprio comportamento. Além disso, está mostrando como aproveitar essenovo conhecimento e formular um plano para efetuar mudanças duradourasna nossa vida.Talvez você já tenha tentado economizar organizando seu orçamento. Outenha tentado aprender um novo idioma num curso on-line. Talvez seuobjetivo tenha sido sair mais e conhecer pessoas. No começo, suas intençõesforam fortes, apaixonadas, resolutas. Mas, com o passar do tempo, você nãoconseguiu manter esse compromisso. E o resultado desejado simplesmentenão aconteceu.Essa é uma experiência humana muito comum: queremos realizar umamudança e estabelecemos fortes intenções. Deveria ser o su�ciente. Bastalembrar quanto é unânime o senso comum sobre esse assunto: “Ela não teveforça de vontade...” Ou: “Você está fazendo o melhor que pode?” Esseraciocínio simplista começa na primeira infância (“O céu é o limite!”) epersiste até o �m, até aquele estágio da vida em que muitos de nós(infelizmente) teremos que “lutar” contra doenças como o câncer. O que estáimplícito é que tudo depende da sua força de vontade. Assim, a mudançapessoal torna-se uma espécie de teste de personalidade – ou pelo menos danossa parte consciente. O famoso slogan da Nike pode ter começado comcerta ironia, mas o tom determinado da mensagem – e da nossareceptividade a ela – transformou-o num mandamento secular: Just do it.[1]O corolário é o seguinte: se não estamos fazendo algo, é porque optamos pornão fazer.Aposto que isso seria uma novidade para minha prima e seus amigos. Elaoptou por fazer uma coisa, e de fato tentou realizá-la. Mas não conseguiu.Infelizmente, nessas condições, o fracasso é desanimador. A comparaçãocom pessoas mais bem-sucedidas torna-se dolorosa. É difícil deixar decomparar nossa incapacidade de mudar com as realizações de quem persistiuem seus objetivos: atletas que treinam por horas todos os dias; músicos quepassam meses se preparando para uma apresentação; escritores famosos queescrevem páginas e mais páginas sem parar até concluir um projeto.Olhamos para esses grandes pro�ssionais e só conseguimos interpretar seumisterioso e invejável sucesso pela perspectiva da força de vontade: eles estãofazendo. Então, por que nós não conseguimos também? Por que nossasrealizações parecem insigni�cantes quando comparadas às deles?E assim nos sentimos pequenos.É fácil concluir que não estamos à altura, que também conseguiríamos senos comprometêssemos com �rmeza. Contudo, não tivemos tamanha forçade vontade. Simplesmente não conseguimos fazer.Nos Estados Unidos, isso se tornou um fenômeno nacional. Quandoentrevistados sobre a maior di�culdade para os obesos emagrecerem, a faltade força de vontade foi a razão mais citada.2 Três quartos dos entrevistadosacreditam que a obesidade resulta da falta de controle sobre a própriaalimentação.Até as pessoas obesas a�rmam que a falta de força de vontade é o maiorobstáculo à perda de peso. Oitenta e um por cento responderam que a faltade autocontrole era sua ruína.3 Não surpreende que quase todos osentrevistados estivessem tentando mudar. Eles adotaram dietas e �zeramexercícios, mas não obtiveram resultados positivos. Alguns tentaram perderpeso mais de 20 vezes! Mesmo assim, continuavam acreditando que faltavaforça de vontade.Três quartos é uma parcela considerável, ou seja, a maioria. Atualmente,cerca de 75% dos americanos acreditam que a Terra gira em torno do Sol.Em outras palavras, é um fato estabelecido. Da mesma forma, a falta de forçade vontade é o problema.A história da minha prima não tem nada de original. Nós mesmos játivemos uma experiência semelhante. Todos já pusemos a culpa na falta deforça de vontade. E continuamos a acreditar nisso. Atribuímos a esse fator ocaráter de uma autoridade astronômica, quando na verdade seus resultadosseriam mais de ordem astrológica. O que está faltando para possibilitarmudanças verdadeiras e duradouras?Este é o enigma que me atraiu para o estudo sobre a mudança decomportamento: por que é fácil tomar a decisão inicial de mudar, inclusivefazer algumas coisas certas, mas tão difícil persistir a longo prazo? Quandoeu era estudante de pós-graduação e jovem professora, vi alguns dos meuscolegas mais motivados e talentosos sofrerem com esse dilema. Eles queriamconquistar seus objetivos e, para isso, começaram projetos interessantes, masnão conseguiram enfrentar o desa�o de se manterem produtivos noambiente universitário altamente desestruturado.No começo da minha carreira, um brilhante aluno de pós-graduaçãocom problemas para cumprir prazos veio trabalhar no meu laboratório. Elese destacava na sala de aula, mas parecia perdido ao trabalhar em projetos depesquisa independentes. Tentei ajudá-lo estabelecendo horários regulares epequenas etapas até a conclusão. Por �m, ele se viu diante de um prazoinadiável na universidade. Para continuar os estudos, teria que enviar aproposta de sua tese até determinada data. Na manhã desse dia, cheguei cedoao escritório na expectativa de ler seu trabalho, mas fui recebida pelaimagem de uma lápide que ele tinha pendurado na minha porta. Eu entendina hora: ele não conseguira cumprir o prazo e abandonara o sonho de umacarreira acadêmica.Se você já frequentou uma universidade, deve ter percebido queinteligência e motivação têm pouco a ver com o cumprimento regular detarefas. O que fazer, então?Na minha opinião, a hipótese da força de vontade deriva de um erroinicial – ainda que racional. Quando minha prima resolveu emagrecer ouquando alguém decide mudar de carreira, a sensação é de que a atitude maisimportante para a mudança já foi tomada. O mundo é um lugar caótico eruidoso, que nos desestimula a tomar decisões cruciais. A maioria daspessoas evita tomar essas decisões até ser estritamente necessário. Assim,quando a�nal nos decidimos, mais parece uma vitória. Emagrecemos algunsquilos, trocamos de emprego... mas aí as coisas começam a desacelerar. Oproblema não é a força de vontade. Se você perguntasse à minha prima se elaainda gostaria de alcançar sua meta algumas semanas depois da primeirapostagem, tenho certeza de que ela diria que sim (embora com um pouco dehesitação).A ciência tem demonstrado que, independentemente dos anúncios da Nike edo senso comum, não somos um todo uni�cado. Em termos psicológicos,não temos uma única mente. Nossa mente é composta por múltiplosmecanismos separados mas interconectados que guiam nossocomportamento. Alguns desses mecanismos são adequados para lidar com asmudanças. São recursos que conhecemos – nossa capacidade de tomada dedecisão e nossa força de vontade – porque os vivenciamos conscientemente.Quando tomamos decisões, avaliamos de modo consciente as informaçõesrelevantes e geramos soluções. Quando exercemos nossa força de vontade,envolvemos ativamente esforço mental e energia. As decisões e a força devontade se baseiam no que chamamos de funções de controle executivo damente e do cérebro, que são processos cognitivos do pensamento paraselecionar e monitorar ações. Em geral, temos consciência desses processos.Eles são a nossa realidade subjetiva ou o que reconhecemos como “eu”. Assimcomo sentimos o esforço de exercer a força física, estamos cientes da carga deexercer a força mental.O controle executivo tem seu preço. Muitos dos desa�os da vida nãoexigem nada além disso. A decisão de pedir um aumento de salário começacom o agendamento de uma reunião com seu chefe. Você formula seupedido com todos os detalhes e descreve suas razões. Você também podedecidir embarcar num novo romance e convidar aquela pessoa atraente daacademia para tomar um café. Depois de algumas deliberações, vocêencontra uma maneira apropriadamente casual de fazer isso. A decisãofunciona nesses eventos pontuais. Tomamos a decisão, fortalecemos nossadeterminação e reunimos nossas forças para seguir adiante.Outras áreas da vida, contudo, teimam em resistir ao controle executivo.E, seja qual for o caso, pesar os prós e contras toda vez que agimos é umamaneira tremendamente ine�caz de conduzir nossa vida. Retomarei esseponto mais adiante, mas você consegue se imaginar tentando “tomar adecisão” de ir à academia toda vez que for à academia? Você estaria secondenando a reavivar todos os dias o entusiasmo inicial. Estaria forçandosua mente a passar pelo exaustivo processo de analisar todas as razões que olevaram a ir à academia na primeira vez – e, como nossa mente émaravilhosa e irracionalmente contraditória, você também teria que lidarcom as razões para não ir. Isso aconteceria toda vez. Todos os dias. Pois éassim que funciona a tomada de decisão. Você viveria nas garras de umlevantamento de peso mental, com pouco tempo para pensar em outrascoisas.O que vamos descobrir neste livro é que existem partes da nossa menteespeci�camente adequadas para estabelecer padrões repetitivos decomportamento. São os nossos hábitos – mais propícios a funcionar de modoautomático do que a enfrentar o barulhento e combativo debate que costumaacompanhar nossas tomadas de decisão. O que veremos também é quegrande parte da vida já está contida nesses setores automatizados – as partessimples e frequentes de nós mesmos às quais podemos atribuir uma tarefa. Oque poderia ser melhor para realizar objetivos importantes e de longo prazo?Ignorar os debates e começar a trabalhar. É exatamente para isso que servemos hábitos.A ciência e nossa própria experiência já demonstraram que a menteforma hábitos naturalmente, tanto os inócuos quanto os que têmconsequências mais sérias. Aposto que seus primeiros 15 minutos apósdespertar são exatamente iguais todas as manhãs. Isso é natural. Mas, paraperseverar, nossa mente precisa constantemente criar e recriar tendênciasativas e deliberadas. É fácil acreditar que a persistência vem de esforçosrepetidos e conscientes que moldam nossas ações para atingir nossosobjetivos. Se nossos padrões de comportamento fossem resultado do Just doit, do “Faça logo”, como muitos de nós acreditamos, então a mente conscientedeveria optar por continuar realizando as coisas que faz todos os dias...certo?Isso seria possível se conseguíssemos controlar nossa mente. Mas a menteconsciente tem pouca relação com as diversas coisas que fazemos – emespecial as que fazemos pela força do hábito. O que acontece é que há emfuncionamento um vasto maquinário inconsciente e parcialmente oculto quepodemos orientar com sinais e sugestões da nossa mente consciente, mas queno �m das contas funciona por conta própria, sem muita interferência docontrole executivo. Essas partes de nós são muito diferentes do eu conscienteque conhecemos e podem ser utilizadas de maneiras muito diversas.O eu que conhecemos se preocupa com aumentos salariais erelacionamentos amorosos. Nosso eu inconsciente forma hábitos que nospermitem repetir o que �zemos no passado. Temos pouca experiênciaconsciente sobre como formar um hábito ou agir por hábito. Nãocontrolamos nossos hábitos da mesma forma que controlamos nossasdecisões conscientes. Essa é a natureza oculta e subjacente do hábito, o queexplica por que as conversas casuais sobre essa questão são marcadas poruma estranha submissão: “Ah, bem, é o hábito.” É como se os hábitosexistissem à parte de nós ou funcionassem em paralelo ao eu quevivenciamos. Hábitos sempre foram um mistério; estão há décadas atreladosà noção de que eliminar os maus hábitos ou formar hábitos novos e bené�cosé só uma questão de intenção e força de vontade.Antes de seguir em frente, é importante ressaltar que os mesmosmecanismos de aprendizado são responsáveis tanto pelos bons hábitos, ouseja, aqueles alinhados aos nossos objetivos, quanto pelos maus hábitos, osque se opõem a eles. Bons ou maus, os hábitos têm as mesmas origens eresultam em experiências bem diferentes, é claro, mas não se deixein�uenciar por isso quando pensar neles. Nesse sentido, frequentar aacademia com regularidade e fumar alguns cigarros por dia são a mesmacoisa. São resultados dos mesmos mecanismos em funcionamento.Porém, para ter uma vida saudável, fazer exercícios e fumar são açõesopostas. Este livro pretende mostrar como podemos usar a compreensãoconsciente de nossos objetivos para orientar nosso eu habitual, movido pelohábito. Podemos de�nir um plano; podemos direcioná-lo. Se soubermoscomo os hábitos funcionam, podemos criar pontos de contato entre eles enossos objetivos, além de sincronizá-los de maneiras surpreendentementevantajosas. Como veremos, isso já acontece em certos casos.Durante minha pós-graduação, estudei num dos melhores laboratórios depesquisa de comportamento do mundo. Apresentávamos às pessoasinformações sobre um tópico especí�co e veri�cávamos se isso in�uenciavaseus julgamentos e opiniões. Desenvolvemos modelos sobre como as pessoasmudam atitudes e comportamentos. O foco eram os estágios iniciais damudança – como in�uenciar as pessoas a adotarem novas visões de mundo.Estudamos, por exemplo, como recursos persuasivos geram apoio a políticasambientais. Foi um trabalho importante e valioso. Como já mencionei,muitas decisões na vida estão sujeitas ao controle executivo, o centro decomando para mudanças iniciais.No entanto, algumas situações exigem mais do que vontade e tomada dedecisão inicial: tornar-se um pai melhor, um cônjuge mais receptivo, umfuncionário mais produtivo, um aluno mais diligente ou um consumidormais cauteloso. Essas mudanças não acontecem ao mesmo tempo; precisamser praticadas por longos períodos – anos – com atitudes que devem serconstantemente mantidas. Se seu objetivo é reduzir o impacto no meioambiente, não adianta voltar para casa de ônibus apenas hoje. Você tem quefazer isso hoje, amanhã e no futuro. Para se manter em boa condição�nanceira e pagar suas dívidas, não basta deixar de comprar aquele par desapatos ou um celular novo. Você precisa resistir a várias compras, pelomenos até suas contas estarem no azul. Para construir um novorelacionamento, você deve persistir, mesmo que a pessoa que você convidoupara tomar um café rejeite seu convite. Precisa conhecer mais pessoas dequem você goste e fazer repetidas propostas para se conectar a elas. Precisaencontrar um jeito de se comprometer com os procedimentos coerentes aofazer as coisas.Quando comecei minha pesquisa, logo percebi que a persistência eramuito importante. Na verdade, não me propus a estudar hábitos; eu queriaentender como as pessoas persistem. O senso comum era de que apersistência exigia atitudes fortes – fortes o bastante para que as pessoasefetuassem uma mudança e a mantivessem a longo prazo. Percebi que erapossível testar essa ideia em grande escala, revendo todas as pesquisas quemensuravam o que as pessoas queriam, o que pretendiam fazer – matricular-se em algum curso, tomar vacina contra a gripe, reciclar, andar de ônibus –, edepois veri�car o que elas realmente �zeram. Será que mantiveram suasintenções e se inscreveram em algum curso, tomaram a vacina, reciclaram ouandaram de ônibus? Parecia uma pergunta simples e óbvia, que deveria teruma resposta direta.Com uma de minhas alunas, Judy Ouellette, �z uma revisão sistemáticade 64 estudos, em que mais de 5 mil participantes foram entrevistados. O quedescobrimos foi surpreendente. Em alguns comportamentos, as pessoasagiram como esperado. Se relataram que pretendiam se matricular em algumcurso ou tomar vacina contra a gripe, em geral �zeram isso. Nessescomportamentos pontuais, ocasionais, prevaleceram as decisões conscientes,e pessoas com atitudes fortes cumpriram o prometido. Quantomais �rmesos planos, maior a probabilidade de executarem a ação. Porém, outroscomportamentos se mostraram intrigantes. Em atitudes que deveriam serrepetidas com frequência, como reciclar ou andar de ônibus, as intençõesnão faziam muita diferença. As pessoas podiam querer reciclar seu lixo ou irde ônibus para o trabalho, mas esses comportamentos não se tornarampermanentes. Aquelas que jogavam todos os dejetos no lixo comumcontinuaram fazendo isso, independentemente de suas intenções de reciclar.As que costumavam ir de carro para o trabalho continuaram usando omesmo meio de transporte, apesar da intenção de pegar ônibus. Em algunscomportamentos, as atitudes e o planejamento tiveram pouco impacto sobrea ação.Esses resultados foram inesperados. Uma vez que tivessem decidido agire assumissem uma forte intenção, as pessoas deviam apenas ter agido deacordo. Quando tentei publicar meus resultados, o editor da revista pediuque eu re�zesse as análises, mas cheguei às mesmas conclusões. Entãoencomendaram um novo estudo para validar os resultados. Mais uma vez,descobrimos que as ações repetitivas eram diferentes. As pessoas podiamestabelecer atitudes e planos mais �rmes de forma consciente, mascontinuavam a se comportar como antes. A pesquisa foi en�m publicada, edesde então repetida centenas de vezes. Obviamente, nem todos os cientistasse convenceram. Alguns contra-argumentaram veementemente, acreditandoque as atitudes e intenções conscientes são o su�ciente para explicar ocomportamento.4Essa pesquisa inicial mostrou-se fundamental na identi�cação danatureza especí�ca da persistência. Por “especí�ca”, quero dizer que apersistência não estava relacionada com o que tínhamos imaginadoanteriormente. Não parecia estar relacionada a nenhum aspecto dos modelosaceitos e não seguia a fórmula sugerida pelo senso comum. A persistênciaparecia ser mais do que pensávamos ser, além de mais estranha. Ficou claroque não conseguíamos evocar a persistência pedindo às pessoas quedeclarassem suas intenções. Atitudes e planos �rmes não se traduziam empersistência.Mas os críticos estavam certos de alguma forma, pois minha pesquisainicial não explicou o que levava as pessoas a persistirem. Sabíamos que eraalgo especial, mas não sabíamos como a persistência poderia serdesenvolvida. Décadas depois, essas críticas foram �nalmente analisadas.Agora compreendemos que é o hábito que cria a persistência. E este livroexplica o que aprendemos sobre como criar hábitos.Há muito tempo tem prevalecido o mito de que a mudança comportamentalenvolve pouco mais do que fortes intenções e a força de vontade paraimplementá-la. Portanto, é válido pensar sobre isso de forma crítica.Exatamente de que modo o controle executivo funcionaria naimplementação de mudanças duradouras?Sabemos que quando as pessoas estão realmente decididas ecomprometidas em emagrecer de forma saudável é possível que elas percam7 ou 10 quilos. Esse é o peso que uma pessoa obesa pode perder ao longo deum programa de seis meses.5 Já é alguma coisa.Mas sabemos mais do que isso. Em determinado momento, a maioria dosparticipantes desses programas de emagrecimento retoma os antigos hábitosalimentares e o sedentarismo. Cinco anos depois, apenas cerca de 15% delescontinuaram 5 quilos mais magros.6 O resto voltou ao peso original ou até oultrapassou.Os programas de controle de peso conhecem esses dados. Conversei comDavid Kirchhoff,7 ex-presidente e CEO do Vigilantes do Peso, sobre osucesso de seus participantes a longo prazo. “Na maioria dos casos, ao seesforçarem para mudar, as pessoas não conseguem cumprir a meta. Todomundo sabe que quem segue as regras do Vigilantes do Peso por temposu�ciente consegue bons resultados, mas isso se realmente cumprir oprograma. O que notamos é que a maioria não cumpre. Esse é o outro ladodo Vigilantes do Peso”, admitiu ele.Manter-se em um programa como o Vigilantes do Peso envolve uma lutaconstante. “Eu penso o seguinte”, continuou Kirchhoff. “Se você tem umproblema de peso, sempre terá um problema com o seu peso. Se você tem ocostume de comer de forma exagerada, se encara a comida de determinadaforma, se luta contra a comida porque seu metabolismo é de�nido de certamaneira, trata-se de uma condição crônica que nunca desaparece. Não hácura para a obesidade. Isso signi�ca que de vez em quando você terárecaídas. Então é preciso colocar as coisas nos eixos. Não dá para passar peloVigilantes do Peso, emagrecer, sair... e pronto.”É uma maneira difícil de viver. Como Kirchhoff explicou: “Nas muitasreuniões do Vigilantes do Peso, você presencia essa luta e essa dor. Vêpessoas que perderam 50 quilos e depois engordaram tudo de novo. Vê oimpacto que isso teve nelas. Elas se sentem horríveis. Elas se sentem umfracasso. A con�ança delas é abalada até o último �o de cabelo.”O controle de peso é apenas um exemplo útil, pois pode ser quanti�cadoe já foi amplamente estudado. Mas a mesma dinâmica está em jogo se vocêestiver tentando passar mais tempo com os �lhos, economizar dinheiro oumanter o foco no trabalho.O problema é que a teoria das fortes intenções de mudança e da força devontade subestima drasticamente a probabilidade de recaída. Vamosconsiderar que minha prima persistisse em emagrecer só com a força de suasdecisões, sem desenvolver novos hábitos.A decisão por si só teria sido tomada num ambiente hostil, pois elacostuma comprar comidas pouco saudáveis para os �lhos adolescentes. Oresultado são biscoitos, salgadinhos, refrigerantes, sorvete espalhados portoda parte – nas bancadas, nos armários e na geladeira. Nesse ambiente, aolado dos �lhos sempre beliscando alguma coisa, ela come enquanto assiste àTV, fala ao telefone e curte a família. Ela gosta de ir ao shopping, entãosempre passa em algum restaurante fast-food. A vida dela gira em torno decomer.Vale a pena notar que o ambiente em si não é inerentemente hostil.Nossos ancestrais se surpreenderiam com a ideia de que a comida não maisseria escassa e de que um dia seríamos atormentados pela suasuperabundância. Mas o problema não é só esse. Segundo David Kessler, ex-dirigente da FDA – agência reguladora de medicamentos e alimentos nosEstados Unidos –, a indústria alimentícia não visa apenas saciar seusclientes.8 A indústria, incluindo produtores, fabricantes, degustadores,embaladores, comerciantes, distribuidores e varejistas, investe em alimentoshiperestimulantes, que nos fazem comer constantemente. Neste exatomomento, cientistas se dedicam a desenvolver maneiras de fazer você comermais do que naturalmente deseja. É importante saber disso, não para geraruma sensação de impotência, mas para preservar nosso senso de identidade,apesar das repetidas recaídas. O ambiente atual representa um grandedesa�o, e só vamos enfrentá-lo e vencê-lo se conseguirmos entendê-lo porcompleto.Para piorar, minha prima mora em um bairro que não facilita a práticade exercícios. A cidade foi construída para automóveis, não para pedestres.Ela tem três carros na garagem, a poucos passos da sala, e sua casa não émuito grande, portanto não tem espaço para equipamentos de ginástica.Para manter suas intenções nesse ambiente, ela teria que resistir à atraçãodo consumo excessivo e do sedentarismo. Sua vida se tornaria uma decisãodifícil atrás da outra. Todos os dias seriam semelhantes ao primeiro, como no�lme Feitiço do tempo: sempre resistindo aos mesmos confortos econveniências, sempre resistindo à sua fraqueza subjacente, numa constanteprova de resistência.Decisão e vontade não são as ferramentas apropriadas para fazersacrifícios constantes, para persistir em nossos novos objetivos. Trata-se deum esforço muito grande, que nos deixa sem tempo para nos concentrar emoutras coisas. Além do mais, o melodrama dessa abnegação contínua écontraproducente.O psicólogo Daniel Wegner e seus colegas criaram umexperimento parademonstrar o efeito irônico de inibir nossos desejos. Os participantesreceberam uma tarefa simples: não pensar em um urso-polar. A�nal, quemcostuma pensar em ursos-polares? Os participantes �caram sozinhos numasala do laboratório por cinco minutos e tocavam uma campainha sempre quenão conseguiam reprimir esse pensamento. Em média, eles tocaram acampainha cerca de cinco vezes, quase uma vez por minuto.9 Não énenhuma surpresa que nossos pensamentos vagueiem, até mesmo portópicos proibidos, quando estamos sozinhos e entediados. O interessante foio que aconteceu depois, quando os mesmos participantes tiveram que �carcinco minutos tentando pensar em um urso-polar. Depois da tarefa derepressão do pensamento, eles tocaram a campainha quase oito vezes. Emcomparação, participantes instruídos a �car cinco minutos tentando pensarem um urso-polar, mas que não haviam passado pelo experimento inicial dereprimir o pensamento, tocaram a campainha menos de cinco vezes. Foicomo se o ato de tentar reprimir um pensamento lhe desse uma energiaespecial para reaparecer mais tarde. Para os participantes que tentaram nãopensar em ursos-polares, o pensamento retornou várias vezes. Ao avaliar aexperiência, aqueles que inicialmente reprimiram o pensamento nos ursos-polares a�rmaram que se sentiram preocupados com eles.Trata-se de uma distorção irônica do desejo. Tentar reprimir um desejosabota as melhores intenções e di�culta os objetivos. Isso confunde nossobom comportamento, transformando-o em tortura. Como explicou Wegner:“Nós �camos acordados preocupados por não conseguirmos dormir oupassamos o dia todo indo à geladeira quando queremos fazer dieta.”10Exercer controle tem uma “característica de oposição que sempre pareceatormentar as tentativas de direcionar nossa mente”.Nesse ponto, quando os desejos não satisfeitos se avolumam e amotivação está em baixa, nosso eu pensante e consciente entra em cena. Aconsciência é maleável e arranja justi�cativas para desistir. Criar desculpas éum grande talento da nossa mente consciente. Nesse momento, você poderacionalizar o fato de ter comido pizza na noite anterior (não tinhaalmoçado) ou o de deixar de ir à academia (seus joelhos estão doendo). Essetalento nos permite parar de lutar contra nós mesmos e o ambiente em queestamos inseridos. Estamos de volta ao ponto de partida.A vida poderia ser muito diferente se aproveitássemos as descobertascientí�cas sobre como, quando e por que os hábitos funcionam. Emborasejam essenciais para a condição humana, nossos hábitos sãoparadoxalmente contraintuitivos. Como veremos, a incapacidade decompreensão é um dos aspectos que de�nem os hábitos, algo que os ajuda acontinuar fazendo o que fazem: persistir apesar de nossas intençõesconscientes de fazer o contrário.Nosso eu consciente, alerta, a parte que vive cada segundo das decisõesque tomamos, das emoções que expressamos e da força de vontade queexercemos, é a parte com que convivemos todos os dias. Temos a capacidadeda introspecção, mas nos deparamos com o dilema �losó�co de aplicar nossoaparato perceptivo e cognitivo para entender a nós mesmos. Só podemosconhecer as partes conhecíveis da nossa experiência.Os hábitos funcionam de forma tão harmoniosa que quase nuncapensamos neles. O mundo dos hábitos é autônomo e faz sentido pensar nelecomo uma espécie de segundo eu – um lado nosso que vive na sombraprojetada pela mente pensante que conhecemos muito bem. Entender comoisso funciona requer todos os recursos da psicologia e da neurociência.É claro que em certas ocasiões nossos hábitos evocam pensamentosconscientes. Quando tomamos a decisão consciente de conversarpessoalmente com os colegas de trabalho em vez de enviar um e-mail,descartamos mensagens furiosas que poderíamos escrever de modoautomático. Quando pensamos em economizar água, fechamos o chuveiro.Lembramo-nos de desligar o celular durante o jantar com os �lhos. Estamosexercendo o controle executivo, ou o processamento de cima para baixo,usando nossas melhores intenções para controlar hábitos indesejados.É assim que muitos de nós vivemos. Com o eu consciente da tomada dedecisões em confronto com as respostas automáticas habituais. Somosrepetidamente arrastados pelos maus hábitos, numa espécie de guerrainterna.Mas existe outro caminho.Podemos mudar hábitos indesejados e desenvolver bons hábitos quesejam coerentes com nossos objetivos. Quando nossa resposta automática é adesejada, nossos hábitos e objetivos estão em harmonia. Não precisamosmais con�ar na força de vontade. Este é o ensinamento deste livro: entendercomo estabelecer bons hábitos em meio às armadilhas da vida cotidiana.Podemos aprender a construir hábitos que funcionem a nosso favor, nãocontra nós.Muitas de suas virtudes pessoais são fruto do hábito. Você trancaautomaticamente a porta quando sai de casa, aciona a seta do carro quandoestá prestes a mudar de faixa ou fazer uma curva e beija seus �lhos todos osdias quando eles saem para a escola. Você pode pensar que faz essas coisasporque quer. Mas o mais provável é que essas respostas regularmenterepetidas sejam hábitos. Os hábitos são tão e�cientes e silenciosos queacreditamos que os praticamos em decorrência de uma decisão consciente.Quando estão alinhados, hábitos e objetivos integram-se perfeitamentepara orientar nossas ações. Na maioria das vezes, nem sabemos que isso estáacontecendo. Agimos por hábito, sem ter que tomar uma decisão.Como veremos, em muitos aspectos a mente habitual é menosimpressionante do que nosso eu pensante e consciente. E decerto atrai menosatenção. Mas funciona com bastante e�ciência. Respondemosautomaticamente a estímulos ambientais, num processamento de baixo paracima do mundo em que vivemos. Você entra no escritório e veri�ca as tarefasdo dia. Se estiver com uma garrafa vazia na mão, você a joga no lixo. Abre aporta quando ouve a campainha tocar. Essa é a maneira de usar os hábitospara persistir e atingir os objetivos sem esforço.Quais comportamentos você deseja mudar? Talvez queira jantar maisvezes com a família? Estabelecer canais de comunicação mais abertos comseus funcionários na empresa? Economizar para a aposentadoria ou para ofuturo dos �lhos? Dedicar-se mais a atividades culturais? Tudo isso pode serintegrado na parte da sua vida orientada pelo comportamento habitual. Podese tornar algo que você faz sem pensar. Os hábitos trabalham para nós demaneiras que nossa mente consciente jamais será capaz.2AS PROFUNDEZAS INTERIORES“As diminutas correntes do hábito raramente são pesadas o bastantepara serem sentidas, até se tornarem fortes demais para seremrompidas.”– SAMUEL JOHNSONA�nal, o que são hábitos?Grande parte de minha pesquisa tem abordado exatamente essa questão.Antes de aprender a promover bons hábitos e a desfazer os maus, precisamosentender como eles funcionam na nossa vida.Comecei a me interessar por hábitos quando estabeleci a naturezaespecí�ca da persistência. Só que é difícil estudá-los por sereminerentemente incognoscíveis para quem os pratica. Como podemos tercerteza de que receberemos informações claras e convincentes dosparticipantes sobre algo cuja utilidade envolve o fato de se manter ocultopara nossa mente consciente?Depois de muitas tentativas, ouvi falar de uma técnica de pesquisachamada amostragem por experiência, em que os participantes relatam o queestão fazendo no exato momento em que fazem algo. Era uma nova maneirade coletar dados. A característica imediata dessa abordagem sugeria que elapoderia captar a experiência de agir por hábito, supondo que talcomportamento realmente existisse.Começamos com um pequeno grupo de estudantes da UniversidadeA&M do Texas.1 Cada um recebeu vários caderninhos e canetas, quedeveriam estar sempre com eles. Também receberam um relógio de pulsoprogramado para emitir um sinalsonoro a cada hora. Ao ouvirem o sinal, osestudantes precisavam parar e anotar o que estavam fazendo e pensando. Umdeles relatou, por exemplo: “Estou assistindo a um programa de perguntas erespostas, então estou pensando nas respostas.” Outros informaram queestavam na sala de aula, pensando: “Eu estou muito cansado.” Tambémavaliaram numa escala a frequência com que já tinham exercido essecomportamento no passado naquele contexto – na mesma hora e no mesmolugar.Com a tecnologia de hoje, só teríamos que programar os celulares dosparticipantes para fazer as perguntas. Nosso alarme criava di�culdadesespecí�cas, como o que fazer com eles enquanto dormiam. Muitosparticipantes acabaram enfurnando os relógios numa gaveta da cômoda paranão serem incomodados pelo sinal sonoro a cada hora.Dois dias depois, eles devolveram os caderninhos.Trinta e cinco por cento dos comportamentos relatados foram realizadosquase diariamente e no mesmo lugar. Eram ações rotineiras, mas será quefazia sentido chamá-las de “hábitos”? Será que poderíamos dizer que comer,praticar atividade física ou trabalhar no computador eram hábitos? Nossapremissa era de que um verdadeiro hábito precisava ser exercidoautomaticamente, sem uma orientação consciente. Para fazer essa avaliação,pedimos aos participantes que anotassem o que pensavam enquanto agiam.Muito do que os participantes relataram foi corriqueiro. Alguém envolvidono ato de cozinhar estava pensando “Será que eu já pus pimenta?” ou “Estoucom muita fome”. Esses pensamentos correspondiam diretamente às ações.Os participantes monitoravam suas ações enquanto as exerciam ouexplicavam a si mesmos por que as exerciam. Por outro lado, se alguémdissesse que estava pensando em algo como “Ih, Seinfeld vai começar daqui ameia hora” enquanto cozinhava, nós codi�cávamos essa ação como sendoexecutada de modo automático, sem orientação consciente.Essa abordagem combinada – registrar comportamentos rotineiros epensamentos concomitantes – revelou como os participantes executavam oscomportamentos que repetiam rotineiramente. Os resultados nossurpreenderam. Em 60% das ações, os participantes não estavam pensandoem algo relacionado às suas ações. Estavam devaneando, re�etindo,planejando. Por exemplo, enquanto praticava exercícios, um dos estudantesfez a anotação mental “Aonde eu gostaria de ir nas férias?”. Talvez imaginar osol e um mojito à beira da piscina fosse um analgésico para a dor daatividade do momento. Mas não estar pensando no exercício em si indicouum vínculo não consciente. O mecanismo da ação não estava ocupandoespaço na mente consciente. Esta não é uma versão freudiana doinconsciente reprimido, e sim outra maneira pela qual a mente funcionaalheia à consciência.Isso não quer dizer que as pessoas nunca pensem em seuscomportamentos habituais. Embora poucos pensem muito em escovar osdentes, às vezes fazemos isso de modo consciente (antes de ir a uma reuniãoimportante ou quando �camos sem a pasta). E descobrimos um gatilhocomum particularmente interessante que torna os hábitos autoconscientes:estar com outras pessoas. Só o fato de estar perto de alguém é su�ciente paradirecionar os holofotes para nosso interior e começar a monitorar o quenormalmente faríamos sem atenção. Sair em público é bem útil se você senteque não está muito consciente de seu eu habitual (e gostaria de estar). Empouco tempo, você vai ter uma noção melhor de si mesmo.Voltando ao estudo: como era de esperar, os hábitos mais comuns foramtomar banho, escovar os dentes, vestir-se, ir dormir e acordar. Esses foram osacontecimentos mais frequentes enquanto os participantes pensavam emoutras coisas. Isso não calibrou muito o entendimento cientí�co. Porém,outras descobertas, sim. Esperávamos que as pessoas diferissem em relação aquanto de seu comportamento era regido por hábitos. Algumas poderiam termuitos hábitos, com os dias estruturados em torno de trabalho, alimentação,socialização e exercícios. Outras, imaginamos, seriam espíritos livres, comuma rotina menos estruturada. Isso não se originou apenas da nossaexperiência; é uma convicção cultural bem estabelecida e serve de base parahistórias clássicas. É possível encontrar polos opostos, como os personagensPhileas Fogg de Jules Verne – cuja rotina é minuciosamente cronometrada –e Scarlett O’Hara de Margaret Mitchell, cuja capacidade de improvisação amantém na crista da onda mesmo depois de uma série de catástrofes.Esperávamos encontrar tipos como Phileas Fogg e Scarlett O’Hara, com umespectro intermediário.Não foi o que aconteceu. Nenhuma diferença de personalidade explicou aparcela da vida dos participantes que era orientada pelo hábito. Apersonalidade de cada um não fez diferença. Todos pareciam con�ar nohábito quase no mesmo nível. Foi quando descartamos essa expectativa.Outra descoberta interessante foi a de que quase tudo estava sujeito aohábito: 88% da higiene diária, como tomar banho e se vestir, era realizadapor hábito. Das tarefas no trabalho, 55% eram cumpridos por hábito.Levantar peso, correr, praticar esportes – cerca de 44% dessas atividadesfaziam parte do hábito. Descansar, relaxar, se acomodar num sofá – cerca de48%.Até o entretenimento podia ser desfrutado de modo automático: quandoos participantes assistiam à TV repetidamente no mesmo contexto, tendiama pensar em algo que não estava relacionado ao programa. Pelo que parece,não precisamos prestar atenção em algo para nos divertir. Para programas deTV e músicas que se repetiam, bastava apenas uma atenção esporádica. Issopode parecer óbvio ou senso comum, mas percebi que sugeria umacaracterística que ainda não tínhamos estudado profundamente: os hábitossão incansáveis. Os programas de TV são produzidos por roteiristas, atores eanunciantes pro�ssionais, que focam em captar e prender nossa atenção. Atelevisão moderna representa a vanguarda do entretenimento criativohumano. No entanto, mesmo essa habilidosa atração acaba sendo superadapela força do hábito, que libera sua mente consciente para pensar sobreaquela reunião na quarta-feira à tarde que o está deixando ansioso.Em um segundo estudo, pedimos aos participantes que listassem nãoapenas uma única ação e pensamento, mas tudo que estivessem fazendo epensando a cada sinal sonoro. Eles poderiam informar, por exemplo, queestavam falando ao telefone enquanto trabalhavam no computador e ouviammúsica. Com esses relatórios mais completos, a estimativa do hábito foi umpouco maior: 43% dos comportamentos foram realizados por hábito.Foi a primeira pesquisa realizada sobre o hábito na experiência diária, equeríamos que estivesse correta. Tivemos a preocupação com o fato de essasdescobertas re�etirem especi�cidades de nossos participantes, pois ocotidiano dos estudantes universitários é organizado pelos horários das aulas.Aventamos a possibilidade de que essa estrutura criasse arti�cialmentepadrões de hábito. Decidimos, então, realizar o estudo mais uma vez compessoas de todas as idades. Poderíamos veri�car se as pessoas dependiammais ou menos dos hábitos ao longo do ciclo da vida. Para isso, fomos a umaacademia e recrutamos os participantes em aulas de ginástica.2 Foramselecionadas pessoas de 17 a 79 anos. Todas passaram pelo mesmoprocedimento: caderninhos, relógios com bipes a cada hora e dois dias derelatórios. Fizemos testes especí�cos quanto às diferenças de idade, mas nãoencontramos resultados signi�cativos. Também comparamos diferenças depersonalidade, o que tampouco in�uenciava o hábito.Algumas ideias surgiram disso. Pessoas que trabalhavam em períodointegral tinham dias um pouco mais estruturados. Uma porcentagem maiorde suas ações ocorria por hábito. Trabalhar muitas horas criava maisrepetição em contextos recorrentes. Participantes que moravam com outraspessoas, principalmente crianças, tinham menos hábitos. Ao que parecia, ain�uênciade terceiros mantinha as pessoas mais �exíveis. Isso faz sentido. Apresença de outras pessoas na nossa vida aumenta a proporção do caos. Elas�cam doentes, são promovidas, tiram férias, fazem bagunça e podeminterromper nossa rotina. No entanto, quando pessoas com todos essesdiferentes estilos de vida foram incluídas na estimativa, o percentual total deações regidas pelo hábito �cou um pouco acima de 43%, o que basicamentereplicava a pesquisa com os universitários.Esse estudo foi amplamente divulgado pela imprensa, em blogs e livros.Na verdade, a mídia ressaltou uma característica do trabalho que nãoesperávamos ser a parte mais emocionante: a frequência do papel dos hábitosno cotidiano. E esse número era extraordinário. Em 43% das vezes nossasações são realizadas por hábito, sem pensamento consciente. Tínhamosapresentado a primeira estimativa cientí�ca de quantas vezes as pessoasagem por hábito, uma porcentagem que se mostrou muito maior do que aciência supunha na época.Entretanto, �quei com uma sensação incômoda de que meu trabalhoainda não havia terminado. Esperávamos lançar luz sobre a consciência erevelar a mecânica por trás de ações repetidas. O que aconteceu, no entanto,é que aprendemos mais sobre o que os hábitos não são do que sobre o queeles são. Rastreamos os hábitos na vida das pessoas e reconhecemos umaenorme área em nosso mapa do autoconhecimento – ainda assim, era umaárea vazia. Sabíamos que grande parte da vida das pessoas é ditada pelohábito, mas não tínhamos ideia de como os hábitos se formavam.Uma visão mais aprofundada teria que esperar. Deixei esse projeto depesquisa com uma pista importante do que viria a seguir: aprendemos que épossível transformar praticamente qualquer comportamento em um hábito,desde que você aja da mesma maneira todas as vezes. Quando falamos sobrehábitos, provavelmente estamos nos referindo a uma categoria especí�ca decomportamentos que concordamos que sejam hábitos, como escovar osdentes, enviar um relatório diário ou pegar o cartão de crédito depois de umacompra. Mas a categoria de hábitos é muito mais abrangente do queimaginamos. Na verdade, não há limites reais.O que comecei a perceber é que o hábito se refere a como você executauma ação, não a qual é a ação. Esse entendimento teria consequências.Há diversos livros sobre o que não sabemos sobre hábitos: histórias de �cção,ensaios de economia, guias de saúde ou de casamento e muitos diáriosguardados em gavetas – todos repletos de mal-entendidos históricos,cientí�cos e pessoais sobre por que repetimos as mesmas atitudes. Postagensem blogs e livros de sucesso oferecem conselhos aparentemente plausíveis,mas quase sempre sem bases cientí�cas, sobre como desenvolver hábitose�cazes para trabalhar, consumir alimentos saudáveis, ter um casamentofeliz, ser um bom pai ou uma boa mãe e organizar melhor as �nanças. Masraramente observam a principal característica do hábito: ser algo que operade forma alheia à nossa consciência.Percebemos que agimos por hábito apenas de vez em quando. Em geral,identi�camos os hábitos que não desejamos ter – gastar demais (de novo) noshopping, roer as unhas ou assistir à televisão até tarde quando precisamosacordar cedo. Também identi�camos hábitos irritantes de outras pessoas egostaríamos que elas tivessem mais consciência do que estão fazendo. Talvezum colega que sempre chega atrasado às reuniões, que come à mesa e fazbarulho ao mastigar ou uma colega que não joga o lixo no local apropriado.Percebemos esses hábitos indesejáveis em nós mesmos e nos outros porqueatrapalham nossos objetivos. Talvez como um re�exo da atenção aos hábitosindesejados, o mecanismo de pesquisa do Google registrou cerca de 291milhões de pesquisas por “maus hábitos”, mas 265 milhões por “bonshábitos”. Os maus hábitos chamam mais atenção.Mas os hábitos que você conhece, especialmente os indesejáveis, não sãoos mais importantes. Os hábitos que de fato acionam seu comportamentonão são tão reconhecidos. Lembra aqueles 43%? Se eu pedisse agora que você�zesse uma lista de todos os seus hábitos, será que somariam algo próximodessa porcentagem do seu comportamento diário? Sem chance.Isso não acontece só porque deixamos de ver alguns de nossos hábitos,mas porque nosso eu consciente em geral ganha os créditos por hábitos queidenti�camos e consideramos bons. Presumimos que é por amor a nossos�lhos que lemos para eles todas as noites. Acreditamos que compramos napromoção para economizar. Achamos que a�velamos o cinto de segurançaao entrar no carro apenas por cautela.Os psicólogos chamam essa con�ança primordial em nossospensamentos, sentimentos e intenções de ilusão de introspecção.3 Com esseviés cognitivo, superestimamos quanto nossas ações dependem de nossoestado interior. Ficamos imersos em nossas próprias sensações, emoções epensamentos. Essas convincentes experiências interiores abafam nossacapacidade de reconhecer outras possíveis in�uências no nossocomportamento, sobretudo in�uências inconscientes, como os hábitos. Emdecorrência disso, sentimos con�ança por estarmos agindo de acordo comnossos desejos e intenções. É provável que esse fenômeno deixe encoberto omistério dos hábitos. A curiosidade sobre nós mesmos foi saciada pelaconvicção de que fazemos determinadas coisas porque “queremos”. Élisonjeiro e evoca uma sensação de poder, mas também é uma a�rmaçãofalsa.A ilusão de introspecção é mensurável. Em um estudo, os pesquisadorespediram a clientes de uma loja que identi�cassem o artigo de melhorqualidade entre quatro pares de meias de náilon idênticos.4 Como as meiaseram iguais, a tarefa devia ter sido impossível. No entanto, os consumidoresexaminaram e compararam todas as peças. As pessoas preferiram o par maisà direita com uma frequência quatro vezes maior do que o par mais àesquerda. Todas deram razões diferentes para suas escolhas, mas ninguémmencionou a posição das meias. Quando indagados diretamente, quasetodos negaram terem sido in�uenciados pela posição do produto. Segundoos pesquisadores, muitos responderam encarando o entrevistador com “umaexpressão preocupada, como se tivessem entendido mal a pergunta ouestivessem falando com um louco”.5 Os pesquisadores especularam que asescolhas foram in�uenciadas pelo “hábito do consumidor de ‘fazer compras’,abandonando a escolha de peças de vestuário vistas em um primeiromomento, à esquerda, em favor de peças observadas posteriormente, àdireita”.6 Apesar de não terem consciência, os compradores agiram sob ain�uência desse hábito. Dessa forma, �caram sem uma explicação claraquanto a suas escolhas. Para o eu consciente, faz sentido escolher com baseem outros aspectos, como a aparência e a textura de cada item.Os hábitos não são a única in�uência inconsciente que desconsideramosao explicar nosso comportamento. Universitários chegam a ignorar seudesejo de ganhar dinheiro quando isso não está à tona na consciência. Emum experimento, alguns estudantes leram os planos de outro estudante paraganhar dinheiro. Posteriormente, os participantes escolheram entre doisjogos de perguntas e respostas, um com o título “Política americana” e outrointitulado “Governo americano”. Um deles mostrava imagens de dinheiro nasinstruções. Depois de ler a referência inicial sobre ganhar dinheiro, elestendiam a escolher qualquer jogo que incluísse a imagem do dinheiro. Eracomo se o lembrete inicial sobre dinheiro estivesse orientando suas escolhasposteriores. Racionalmente, isso não faz sentido. Não havia dinheiro a serganho, independentemente do jogo escolhido. Mas, como vimos no estudodo urso-polar de Daniel Wegner, podemos ser levados a nos �xar em quasequalquer coisa – e dinheiro com certeza é um conceito mais sedutor do queursos-polares. O mais interessante é que os estudantes pareciam desconheceressa in�uência. Ninguém mencionou uma preocupação maior com dinheiroapós ter lido a história inicial. Além disso, ao classi�car uma lista de possíveisrazões para a escolha do jogo, os participantes deram menos importância àvontade de ganhar dinheiro e à imagem do dinheiro quando falavam sobre ojogo. Eles disseram que o fator mais importante era o interesse pelo tema dojogo, política versus governo. Mais uma vez, o eu consciente ignorou edesconsiderou as in�uências não conscientes sobre as ações. Preferimosachar que outros fatores, mais plausíveis e lisonjeiros, são responsáveis pornossas ações.Em certa medida, fazem sentido as atribuições mais do que generosasque damos à experiência consciente. Muitos de nossos hábitos são úteis, epoderíamos ter agido de forma similar se estivéssemos pensandoatentamente sobre o que fazer. Não há motivo para reavaliar alguns itensquando todos são bons. Faz sentido escolher apenas o último queexaminamos. A ilusão surge quando deixamos de reconhecer os hábitosinconscientes que estamos seguindo, preferindo encontrar explicaçõesintrospectivas para nossas ações.Há outra maneira de explicar essa atribuição excessiva às intençõesconscientes. Ao pensar dessa forma, nos reconciliamos com nossas escolhas.Elas fazem sentido para nós. Imaginamos que o último item que analisamostem uma cor, uma textura ou uma qualidade melhores e não questionamosmais nossa escolha. Ou somos atraídos por características irrelevantes de umtema qualquer (política versus governo) e �camos contentes com nossapreferência.Mas existe aí uma enorme desvantagem. Se nossa consciência egoísta ebarulhenta levar todo o crédito pelas ações de nosso eu silencioso e habitual,nunca aprenderemos a explorar adequadamente esse recurso oculto. Oshábitos serão apenas um parceiro silencioso, cheio de energia potencial, masnunca solicitado a desempenhar suas tarefas da melhor maneira. A intrusãodo eu consciente impede que tiremos proveito de nossos hábitos.Em um dos primeiros estudos que avaliaram se votar poderia ser um hábito,trabalhei com os cientistas políticos John Aldrich e Jacob Montgomery naanálise de oito eleições nacionais entre 1958 e 1994.7 Não estávamospesquisando o hábito de votar num partido ou num candidato especí�co,apenas o ato de ir às urnas e votar. Como as eleições não são tão frequentes, ovoto não pode ser classi�cado como um hábito, mas até mesmo essecomportamento demonstra tendências que se assemelham a hábitos.Na democracia americana, em que o voto não é obrigatório, muitascoisas dependem de quem deposita uma cédula na urna. O voto podeliteralmente determinar a saúde, a riqueza e a felicidade do país. Cientistaspolíticos desenvolveram modelos so�sticados para explicar por que algumaspessoas votam e outras não. Os modelos seguem nossas intuições: oseleitores vão às urnas quando se sentem muito motivados, talvez por estarempreocupados com o resultado e acharem que podem fazer a diferença, por seidenti�carem com um candidato ou terem sido contatados por um partido.Sem essas motivações, os eleitores preferem �car em casa.As pesquisas sobre as eleições mostravam se os cidadãos tinham votadoem determinada eleição, seus sentimentos sobre o evento e com quefrequência haviam votado no passado. Descobrimos que alguns votavamapenas quando consideravam a eleição importante. Os modelos da ciênciapolítica (e nossas intuições) não se aplicavam a cidadãos que votaramalgumas vezes no passado. Esses eleitores continuaram a votar mesmo emeleições que não consideravam importantes. Pareciam estar formandohábitos que automaticamente os levavam às urnas. Assim, a simplesfrequência com que as pessoas votaram no passado era um indicador inicialde que suas ações correspondiam ao hábito ou a uma decisão consciente. Oshábitos mais fortes resultavam de uma maior frequência às urnas.Os comportamentos em uma eleição são úteis para estudar hábitos, poisvotamos regularmente, de uma maneira controlada, e existem registrosdetalhados de nossas ações. São informações valiosas. Mas o processo ocultono hábito de votar é intrigante. Em uma democracia representativa, a eleiçãoé um dos três momentos em que cada um de nós é levado em conta. Osoutros dois – os recenseamentos e as declarações de imposto de renda – sãopassivos. Coisas são tiradas de você (informação, dinheiro). Numa eleição édiferente. Você entra em cena e declara suas preferências e sua visão para ofuturo do país. Em uma democracia, votar é um momento de uni�cação.Você e o resto da nação �cam brevemente conectados, pois são convidados aexpressar suas preferências sobre como o país continuará funcionando. O atode votar, assim como o candidato em quem votamos, deveria ser o exemploperfeito de raciocínio motivado, pois nossas decisões são guiadas por nossosvalores políticos. Nesse sentido, as pesquisas mostram que a re�exão políticase dá em áreas neurais que envolvem a emoção e a tomada de decisões.8No entanto, mesmo nesse momento os hábitos podem predominar. Naverdade, não existe nenhuma circunstância em que os hábitos não estejampresentes.Houve outro tipo de abordagem no estudo das eleições. Pode pareceróbvio a princípio, mas as implicações foram enormes: quando os eleitoresmudavam de residência, acontecia uma ruptura no voto repetitivo e habitual.Ao que parece, a mudança confere uma maior consciência ao ato de votar. Oseleitores regulares passaram a agir como a maioria de nós se comportaintuitivamente, votando apenas quando se sentiam muito motivados. Isso fazsentido, pois uma mudança implica algumas complicações para o ato devotar. Quando você se muda, é preciso transferir o título de eleitor. Tambémimplica aprender novas formas de votar, como encontrar um novo local devotação e talvez apresentar um documento de identidade. Você não está maisrepetindo automaticamente o que fez no passado.O contexto permeia nossa compreensão do hábito. Se o contextopermanecer estável – você continua morando no mesmo lugar, percorre omesmo caminho para o trabalho, acomoda-se no mesmo sofá todas as noites–, as ações passadas são repetidas de modo automático. São ambientes ricospara o cultivo e a perpetuação de hábitos.A invisibilidade do hábito esconde um enorme poder sobre o nossocomportamento. Não apenas enorme – também extremamente importante:os comportamentos que o hábito rege podem ser uma questão de vida ou demorte súbita. Considere os hábitos que nos bene�ciam numa ida semanal aosupermercado. Você já deve ter feito isso centenas de vezes. O mesmo carro,o mesmo trajeto, o mesmo destino, talvez até a mesma lista de compras. É aoportunidade perfeita para o hábito assumir o comando. Nesse percurso de10 minutos, conduzimos com facilidade um amálgama de 2 toneladas decarbono, aço e plástico antes de colocarmos em prática complexasgeometrias para ocupar a última vaga do estacionamento. Tudo feito demodo automático, com habilidades aprendidas por meio da repetição.No entanto, às vezes o inesperado pode acontecer no território familiarentre nossa casa e o supermercado, exatamente quando a mente estádivagando. Talvez surja uma criança correndo atrás de uma bola na rua. Ouum casal de idosos leva mais tempo que o esperado para cruzar a faixa depedestres. Ou outro motorista avalia mal o semáforo e acelera nocruzamento.Uma reação tardia a um desses eventos pode causar uma tragédia. Maisda metade dos acidentes automobilísticos ocorrem a menos de 8 quilômetrosde casa, durante um trajeto conhecido – a caminho do supermercado, dalavanderia ou de qualquer um dos lugares a que costumamos ir.9 Osacidentes são mais comuns perto de casa por ser também o local que maisfrequentamos. De qualquer forma, estamos mais familiarizados com ospontos cegos e os cruzamentos perigosos, por isso deveríamos estar maisseguros. Mas nos ambientes conhecidos o hábito assume o comando.Deixamos de prestar atenção e começamos a pensar nos acontecimentos dodia ou nos planos de amanhã. Na maioria das vezes, vamos apenas aosupermercado e voltamos para casa para reabastecer a despensa. Os hábitosfazem com que algo difícil e desa�ador pareça fácil e seguro. Contudo, dirigirum carro talvez seja a coisa mais arriscada que fazemos no dia a dia.10Todos os anos, há cerca de 40 mil mortes nas estradas dos EstadosUnidos, além de 4,6 milhões de feridos. Na Europa, é mais seguro, commenos mortes per capita no trânsito.11 Esses números vêm aumentandoultimamente nos Estados Unidos, em parte devido à “distração ao volante”.Todos nós já ouvimos o toque familiar de uma mensagem de texto enquantodirigíamos. Nós a ignoramos? É tentador pegar o celular para ler amensagem. Racionalmente, reconhecemos esse perigo. Mas dirigir, aindamais perto de casa, parece parte de uma segunda natureza. Assim,costumamos pegar o celular, ler a mensagem e às vezes até responder. Cincoem cada 10 motoristas americanos responderam numa pesquisa que liammensagens ao volante, e um chegou a dizer que as escrevia.12 Mesmo seresistirmos ao toque do celular, outras distrações desviam nossa atenção, sejaquando escolhemos uma estação de rádio, estabelecemos um destino noGPS, comemos ou bebemos alguma coisa ou pegamos algum objeto nobanco do passageiro.Todos esses comportamentos são de uma burrice extraordinária.Também mostram o extraordinário potencial inerente ao hábito. Ele é capazde colocar em segundo plano uma das coisas mais perigosas que fazemostodos os dias. Somente novos motoristas, que ainda dependem de suasdecisões conscientes, sentem a adrenalina e a onda de medo que os outrosdeveriam sentir racionalmente. À medida que dirigir adquire a força dohábito, toda a destreza necessária para operar uma máquina incrivelmentecomplexa se torna um zumbido ao fundo do que pensamos todos os dias – ecomentamos em mensagens de texto. Bons ou maus, os hábitos surgem coma prática, reduzindo a tomada de decisões conscientes.Até agora exploramos os hábitos de votar e de dirigir. São ações concretas etangíveis que podemos ver e entender. Faz sentido que possam se repetir emhábitos persistentes. E quanto a resultados mais elusivos e obscuros, comocriações artísticas? Será que também podem se bene�ciar da persistência dehábitos?Um estudo esclarecedor reuniu 45 comediantes pro�ssionais doSketchFest, um grande festival de humor.13 Cada um recebeu os detalhes deuma cena e quatro minutos para criar o maior número possível de �nais. Porexemplo: “Quatro pessoas estão rindo histericamente no palco. Duas delas secongratulam com um aperto de mão exagerado, todos param de ririmediatamente e alguém diz ___________________________.”Os comediantes criaram cerca de seis �nais engraçados no período dequatro minutos. (Um exemplo: “Ah, então isso que é um estraga-prazeres!”)Em seguida, todos os participantes previram quantos �nais engraçadospoderiam criar a mais se tivessem outros quatro minutos para isso. O euconsciente de todos previu um número menor de resultados. A estimativamédia de novos �nais foi de cinco, menos do que haviam produzido nosquatro minutos iniciais.Todos tiveram mais quatro minutos para pensar. A quantidade de novos�nais que criaram foi 20% maior do que estimaram. Eles não deram créditosu�ciente à persistência.Se tivessem o hábito de persistir em tais tarefas de criatividade, elesteriam continuado a pensar e tido mais ideias do que previram. Suasexpectativas e seus desejos não teriam sido levados em conta. Se tivessem oforte hábito de persistir, teriam continuado tentando produzir novos �nais eseriam bem-sucedidos nisso, apesar de suas previsões pessimistas.Esse mesmo padrão foi aplicado a outros estudos envolvendo tarefascriativas. Assim como os comediantes, quando estudantes universitáriostrabalhavam em uma tarefa por alguns minutos e em seguida estimavam suaprodutividade se continuassem por mais algum tempo, eles subestimavam osbenefícios da persistência. Esperavam um retorno cada vez menor por seusesforços contínuos. Surpreendentemente, quando instruídos especi�camentea persistir, os estudantes geraram não apenas mais soluções do queesperavam, como também soluções mais criativas. Quando outrosavaliadores leram o resultado, as ideias geradas ao �nal foram consideradasde melhor qualidade – mais criativas – do que as produzidas inicialmente.Posta à prova, a persistência não esmoreceu, continuou produzindo.Esse equívoco é compreensível. Sabemos que nossos esforços executivosesmorecem com o tempo. Simplesmente nos cansamos de tentar controlarnosso comportamento e tomar decisões. Nossa atenção diminui, bem comonossa motivação. Mas o eu habitual – onde reside a persistência – é feito decoisas totalmente diferentes. E são coisas que podemos pôr emfuncionamento.Todos nós podemos usar melhor os nossos 43%. Podemos sincronizar ain�uência arraigada e talentosa do hábito com intenções conscientes eobjetivos de longo prazo.3APRESENTANDO SEU SEGUNDO EU“Se os jovens percebessem com que rapidez se tornarão merospacotes ambulantes de hábitos, dariam mais atenção à sua condutaainda em estado de plasticidade. Estamos tecendo nosso própriodestino, bom ou mau, que nunca será desfeito.”– WILLIAM JAMESUma suposição central ao longo de minha pós-graduação era a possibilidadede mudar o comportamento das pessoas mudando suas atitudes. Ao seremconvencidas a favor de uma política ambiental, elas deveriam agir de acordo:votando, assinando petições e expressando suas ideias. Esse era opensamento mais avançado da época, mas logo aprendi que não eraamplamente aceito – pelo menos não pelos colegas do meu primeiroemprego.Muitos dos meus novos colegas eram behavioristas radicais, e nãodemorei a perceber que discordavam da minha lógica – chamavam minhaabordagem de �cção explanatória. A primeira vez que disseram isso sobreminha pesquisa, eu não tinha ideia do que signi�cava, exceto, é claro, quepara um cientista qualquer coisa que cheire a “�cção” deve ser ruim. Comcerteza não era um elogio. Voltei ao novo escritório e li as obras do eminentebehaviorista B. F. Skinner. Aprendi que �cção, para um behaviorista radical,era acreditar que nossas atitudes e convicções funcionam de cima para baixoa �m de direcionar nossas ações. Meus colegas rejeitavam a verdadeaparentemente óbvia de que os conceitos de nossa mente conduzem nossassensações e respostas. Eles tinham uma �loso�a bem diferente.O behaviorismo teve seu auge em meados do século XX. Skinner colocoupombos em caixas planejadas para observar e medir suas respostas aestímulos. Ele postulou que seres humanos (e pombos) aprendemrespondendo a estímulos do ambiente, de modo a obter recompensas e evitarpunições. Essa �loso�a logo se tornou parte do senso comum no campo dapsicologia. Para behavioristas radicais como Skinner, a ideia de que nossasações são in�uenciadas por nossas atitudes era como dizer que somosimpelidos por fantasmas e espíritos. Uma metáfora popular era a de que asações humanas seriam como uma central telefônica, que reunia a entrada desinais sensoriais à saída de ações. As pessoas – por conta dos hábitosdesenvolvidos com o aprendizado – supostamente reagiam de maneiras �xasaos estímulos ao redor, motivadas por recompensas e punições.Entretanto, acontece algo engraçado com o senso comum na ciência.Assim que é aceito, ativa-se o escrutínio cientí�co. Nos anos 1980, obehaviorismo foi deixado um pouco de lado. Passou-se a reconhecer o fatode que a mente exerce um controle de cima para baixo sobre nossas ações.Como observou um historiador da ciência, a mudança e o reconhecimentoda intervenção humana, ou de nossa mente ativa e controladora, se deramquando as crianças dos anos 1960 chegaram à maioridade e entraram nomercado pro�ssional, trazendo consigo a convicção na capacidade individualde criar mudanças sociais. De qualquer modo, quandocomecei minhacarreira, Skinner já não era mais tão relevante. Mas ainda havia bastiões deresistência isolados, que incluíam esses colegas do meu primeiro emprego.Em uma reviravolta irônica, as críticas iniciais ao behaviorismo napsicologia foram elaboradas por um pesquisador que estudava ratos emlabirintos.1 Edward Tolman, psicólogo da Universidade da Califórnia,observou que, ao entrarem num labirinto sem recompensas, os ratos oexploravam e pareciam aprender o layout, formando um mapa cognitivo.Quando uma recompensa era colocada na rota do labirinto, eles alocalizavam rapidamente. Ao que parecia, os ratos tinham �exibilidade parautilizar o conhecimento espacial previamente adquirido. A sugestão de queratos pudessem reutilizar um conhecimento adquirido para agir de novasmaneiras contestava o cerne do behaviorismo. Os roedores não pareciamestar respondendo vulneravelmente a uma sucessão de estímulos internos eexternos.Não demorou muito para os psicólogos concluírem que, se os ratospodiam usar informações de maneira �exível, as pessoas fariam o mesmo.2Essa percepção contribuiu para o que os psicólogos chamam de a grandiosarevolução cognitiva dos anos 1960. Os experimentos de psicologia cognitivacomeçaram a mostrar que a memória era algo organizado e motivado. Nãorespondia simplesmente a associações de baixo para cima entre estímulos,respostas e recompensas. Também havia muita ingerência vinda de cima –uma ingerência útil, do tipo que nosso aparato executivo usa muito bem.Descobrimos que as pessoas aprendem conceitos mais rapidamente e selembram mais deles quando podem classi�cá-los em grupos. Essa é acognição prototípica de cima para baixo. Por exemplo, as palavras “cadeira”,“escrivaninha”, “sofá” e “mesa” são mais facilmente lembradas do que palavrasnão relacionadas, como “sapato”, “cereja”, “lobo” e “motor”. Para contrariarainda mais os behavioristas, a motivação também se mostrou importante.Quando estão com fome, as pessoas prestam mais atenção e se lembram maisdas palavras “bife” e “biscoito” do que de “papel” e “nave espacial”.Foi uma mudança radical no campo da psicologia. O pensamentocriativo e �exível entrou nos debates pro�ssionais. Todo o campo passou doestudo da aprendizagem e do comportamento para o estudo da mente.Infelizmente, a revolução cognitiva também tinha seus pontos cegos. Oshábitos eram vistos como elementos simples demais dentro dessa novaperspectiva, que se preparava para sondar os píncaros do raciocínio e daexperiência do ser humano. Os psicólogos cognitivos ridicularizaram asteorias de aprendizado chamando-as de “concepções de estímulo e resposta[dos humanos] como moedas numa máquina”.3 Estudos sobre a ingerência ea tomada de decisões efetivamente eliminaram trabalhos anteriores sobre oshábitos. Deixamos de ver os seres humanos como autômatos orientados pelomeio ambiente para concebê-los como motivações e intelectos agindo ao bel-prazer nos ambientes em que vivem.Saí do meu primeiro emprego e fui trabalhar em outro departamento,com uma visão mais contemporânea. Mas restava algo do confronto inicialcom o behaviorismo. A preocupação dominante da psicologia com a maneiracomo as pessoas pensam deixava pouco espaço para estudar o que elasrealmente fazem. De início, os behavioristas mais insistentes chegaram adefender esse ponto de vista, argumentando que Tolman deixara seus ratos“soterrados em pensamentos”. De fato não bastava apenas a cognição parapercorrer um labirinto. Em sua pressa para estudar a memória, os psicólogospareciam ignorar o comportamento e o meio ambiente. Meus colegasbehavioristas tinham me convencido de que esses eram fatores importantesdemais para serem ignorados. Entender as pessoas exigia uma síntese entreesses dois campos historicamente separados. Precisávamos encontrar umamaneira de ver o labirinto inteiro, não só o canto de nossa preferência.A história do pensamento psicológico acerca dos hábitos sugere queestamos na iminência dessa síntese. A ascensão e queda do interessecientí�co pelos hábitos está bem representada no grá�co da página 48, queacompanha a frequência com que autores usaram o termo “hábito”, emcomparação a termos alternativos que sugerem facetas de cima para baixo dofuncionamento humano: “objetivo” e “avaliação”. O Google torna possívelrastrear as tendências em toda a literatura especializada, registrando com quefrequência uma determinada palavra é usada em inúmeros livrosdigitalizados de seu banco de dados.O grá�co começa em 1890, quando William James publicou seu trabalhode referência, Princípios de psicologia, um dos primeiros textos sobre aciência da psicologia. Foi um ponto alto no reconhecimento dos hábitos.James estava bem à frente de seu tempo no que diz respeito à percepção dosegundo eu, ou desse lado que vive à sombra da mente pensante queconhecemos tão bem. Suas suposições são ainda mais extraordinárias pelamaneira como preparam o cenário para muitos avanços subsequentes dapsicologia experimental. James a�rmou: “Quanto mais detalhes da nossa vidacotidiana pudermos entregar a comportamentos automatizados e semesforço, mais nossos poderes mentais mais elevados serão liberados para oseu trabalho mais adequado.”4 Acho que não há muito que discutir além dofato de agora termos uma noção mais ampla do que seria “trabalho maisadequado”.Na época da revolução cognitiva, os hábitos caíram em desuso, pelomenos para os autores de livros. Como é possível notar, eles começaram ausar menos “hábito” em meados do século XX, em favor de “objetivo” e“avaliação”. Ao que parece, para os psicólogos, as pessoas agiam maispensando em seus objetivos e propósitos do que por hábito. Os anos 1980-2000 foram um período em que o “hábito” esteve em baixa.No entanto, o estudo dos hábitos não morreu por completo, e a rápidaascensão no uso da palavra na década de 2000 é uma prova de que estamospassando por uma correção. O que causou essa reviravolta?Como em tantos outros aspectos nos últimos anos, a tecnologia foi umfator determinante. O interesse pelos hábitos ressurgiu em parte com odesenvolvimento da tecnologia de escaneamento cerebral (ressonânciamagnética funcional, ou fMRI), que permitiu avaliações da atividade cerebraloutrora inimagináveis. Todos podemos reconhecer a potencialidade devisualizar o desempenho do cérebro ou ao menos de traçar o contorno deum cérebro em funcionamento. Com exceção de se olhar no espelho, é difícilimaginar um exemplo mais literal de introspecção.Os conhecimentos propiciados por essa nova tecnologia estimularam osneurocientistas a estudar toda a capacidade da mente e do cérebro. Elescomeçaram a perceber que a atividade nas regiões do cérebro mudava àmedida que as pessoas repetiam uma tarefa, passando a responder de modomais automático. Tecnicamente, quando as pessoas começavam a aprenderuma tarefa, o cérebro mostrava uma atividade acentuada em áreas envolvidasna tomada de decisões e no controle executivo (na região pré-frontal e nohipocampo). Com a repetição, a atividade cerebral aumentava em outrasáreas neurais (no putâmen dos gânglios basais),5 como se as ações, ao seremrepetidas, envolvessem outras áreas do cérebro. O resultado indicava quetínhamos várias maneiras de recorrer aos sistemas neurais, uma para tomardecisões iniciais e outra para persistir.Foi o que motivou o renascimento do hábito. Mais ou menos na mesmaépoca, pesquisas sobre cognição começaram a descobrir característicassemelhantes aos hábitos. Na verdade, um dos mais famosos estudos sobreatenção foi estruturado do mesmo modo que as tarefas de aprendizado dehábitos do behaviorismo: ver um estímulo especí�co numa tela, como umaletra ou um número (estímulo); apertar um botão “sim” ou “não” (resposta);em seguida ouvir um som indicando se você acertou (recompensa). Quandoaprenderam a fazer isso os participantes tiveram que tomar decisõesativamente. Com a prática, os processos mentais foram se simpli�cando. Osparticipantes abandonaram o controle ativo, conseguindo fazer outras coisasao mesmo tempo, sem prestar atenção à tarefa.6 Como os pesquisadoresexplicaram, os participantes estavam agindo a partir de “uma sequência deelementos aprendida pela memória de longo prazo”7, iniciada por estímuloscoerentes. Dessa forma, o hábito ressurgiu na revolução cognitiva sob umantigo rótulo já de�nido por William James e recém-reabilitado: aautomatização. A nova versão do hábito tinha uma relação cognitiva com amemória de longo prazo. A versão atualizada era mais precisa e resultou emavanços da neurociência, em especial na compreensão de como o cérebrofunciona por meio de várias redes interconectadas. Além de tomar decisõesiniciais de modo consciente, nossa mente também usa o hábito pararespostas repetitivas.Informações fundamentais foram obtidas a partir das pesquisas comratos percorrendo o labirinto. É verdade que roedores não são humanos,mas, como veremos, eles aprendem hábitos da mesma maneira. E pesquisasiniciais revelaram uma característica crucial do hábito: quando aprendiam aacionar uma alavanca na gaiola para comer, os ratos estavam concentradosem receber a recompensa. Os pesquisadores concluíram que eles erammotivados por um objetivo, com alguma representação da recompensa emmente à medida que continuavam acionando a alavanca.8 Se parassem dereceber a recompensa, os roedores faziam uma coisa racional: deixavam deacionar a alavanca. Tudo isso mudou com a repetição. Depois de muitaprática em comer após acionar a alavanca, os ratos começaram a agir porhábito. Nem mesmo a suspensão da recompensa fazia com que deixassem deacionar a alavanca. Se a alavanca estivesse à vista, eles a continuavamacionando. Os cientistas concluíram que esse comportamento era motivadopor estímulos conhecidos (a visão e o som da alavanca), e que a recompensase tornara quase incidental. É claro que depois de algum tempo até mesmoratos bem treinados param de acionar as alavancas se não receberem umarecompensa. O que isso demonstrou foi a surpreendente natureza doshábitos. O hábito é um tipo de ação relativamente insensível a recompensas.Essas três correntes de pesquisa foram su�cientes para começar a mudaro consenso estabelecido pela ciência. Neurocientistas, psicólogos cognitivos epesquisadores de aprendizado de animais convergiram no reconhecimentodo hábito, cada um trabalhando de modo independente e apresentando aprópria perspectiva sobre o novo cenário que surgia.Essas descobertas foram fascinantes, principalmente por implicar quepodemos realizar uma tarefa uma vez por decisão própria, mas se a �zermosmuitas vezes e da mesma maneira, ela se torna algo totalmente diferente, queinclusive utiliza áreas distintas do cérebro. Foi um modelo do hábito queconseguiu reunir muito do que sabemos intuitivamente: recompensas sãoimportantes quando você faz algo pela primeira vez. Evocamos o controleexecutivo e estabelecemos intenções sobre o que fazer para obter arecompensa. Até ratos parecem ser motivados por objetivos e capazes detomar decisões simples. “Eu estou com fome, então vou acionar essa alavancapara ver se consigo comer.”E esse é apenas o primeiro passo. Como sugeriu William James, aspessoas agem de acordo com o hábito, “sem estabelecer qualquer propósitoconsciente e sem antecipar o resultado”.9 Nossas respostas não têm mais aintenção de buscar resultados; são acionadas automaticamente pelo contextodo desempenho. É o caso dos ratos. “Eu estou no canto da gaiola ondesempre aciono a alavanca, então vou fazer isso”, processa o roedor em algumrecôndito do cérebro. Mas também funciona no caso dos humanos. “Euestou na cozinha em frente à geladeira, então vou abrir a porta”, vocêprocessa, em algum recôndito do seu cérebro. Você não está mais decidindoconscientemente se precisa ou não comer alguma coisa naquele momento: éo hábito.Por �m, estava na hora de descobrir o que era um hábito. Sabíamos o que umhábito não era – uma ação que exigisse intenção e pensamento. Sabíamos quea execução repetitiva de uma tarefa tinha o efeito de reorganizar a atividadecerebral. Também sabíamos que os hábitos eram predominantes, sempre apostos para orientar nossas ações quando acionados por contextosconhecidos. Mas ainda nos faltava uma descrição clara do que acontecia emnossa mente quando agíamos por hábito.Comecei com meu colega David Neal um estudo sobre o hábito decorrer. Eu corria pela manhã, então o projeto tinha um interesse pessoal. Foium hábito desenvolvido por necessidade, já que eu queria tomar café damanhã com meus �lhos antes de eles irem para a escola e eu para o trabalho.Já tinha tentado praticar exercícios em outros horários, mas as idas aconsultórios médicos e às casas dos amigos das crianças depois da escolasempre comprometiam minha atividade física. O início da manhã era oúnico momento que eu tinha só para mim. Foi um hábito difícil de começar– nas primeiras semanas, eu odiava o toque do despertador às seis da manhã.Mas eu adorava me sentir em boa forma física, e correr regularmenteresolveu minha batalha para controlar o peso.O que signi�ca ter o hábito de correr? Para responder a essa pergunta,recrutamos estudantes da Universidade Duke, alguns que corriamregularmente e frequentavam os mesmos locais, outros que só corriamocasionalmente ou que não corriam.10 Antes de começarem o experimento,todos �zeram uma lista com algumas palavras relacionadas aos locais ondecostumavam correr (os que corriam). Muitos escreveram “bosque”,referindo-se ao bosque ao redor do campus. Outros escreveram “pista” ou“academia”. Os participantes também escreveram palavras que indicassem osobjetivos mais importantes, o que os motivava a correr (os que corriam),como “relaxar”, “peso” e “forma física”.Queríamos saber como as pessoas que tinham o hábito de correrorganizavam na memória as informações sobre essa atividade. Por essa razão,usamos um procedimento de reconhecimento de palavras da psicologiacognitiva a �m de avaliar a força das associações mentais entre a ação(correr) e o local (por exemplo, bosque) ou o objetivo (por exemplo,controlar o peso).No laboratório, uma palavra-alvo era exibida na tela do computador e osparticipantes apertavam uma tecla assim que a reconheciam. Sem que osparticipantes soubessem, uma palavra diferente piscava na tela antes de cadapalavra-alvo. A primeira palavra era mostrada tão rapidamente que eles nãoa reconheciam conscientemente. Mas o cérebro deles a via de relance. Seduas palavras estiverem associadas na memória, a leitura de uma delas, pormais breve que seja, deve trazer a outra à mente. Por exemplo, a leitura inicialda palavra “café” deve facilitar o reconhecimento da palavra “xícara”. Café +xícara é uma associação mental forte e rápida. Em contrapartida, a leituraprévia da palavra “pente” não aceleraria o reconhecimento de “xícara”.Um local de corrida era exibido como palavra inicial, e em seguidamostrava-se uma segunda palavra-alvo, que às vezes era “correr” ou “corrida”.Medimos quanto tempo levava para os participantes reconhecerem essaspalavras-alvo. Fizemos o mesmo mostrando um objetivo para correr comopalavra inicial e medindo o tempo transcorrido para reconhecer “correr”/“corrida”.O resultado foi claro: quem corria regularmente reconheceu a palavra“correr” antes dos outros participantes, sugerindo que correr estava maisacessível em sua mente. Não foi uma surpresa, a�nal, era uma atividadefrequente em suas vidas. Mas havia algo além da rapidez da resposta.Quando os locais habituais em que corriam apareciam primeiro na tela,como “pista” ou “bosque”, os participantes que costumavam correr eramespecialmente rápidos em reconhecer as palavras “correr” e “corrida”. Correrera imediatamente acionado quando o primeiro estímuloeram os locais ondeeles corriam. Em contrapartida, para os corredores ocasionais os locais decorrida não os levavam a pensar em correr. Eles não mostravam fortesassociações mentais entre os locais e o comportamento, uma correlaçãoforjada por um histórico de ações repetidas no mesmo contexto.Curiosamente, exibir como palavras iniciais os objetivos dos corredoreshabituais não acelerava o reconhecimento de “correr” e “corrida”. Porexemplo, eles citaram “peso” ou “relaxar” como objetivos que os motivam ase exercitar. Mas os objetivos não pareciam fazer parte das associaçõesmentais para os corredores habituais. “Peso” ou “relaxar” não traziam acorrida à mente. Isso se encaixa no argumento de William James de quenossas razões para agir perdem sua importância para os hábitos.11 Tambémse encaixa nas descobertas relacionadas à revisão de minha primeirapesquisa, mostrando que, para ações repetidas, as intenções e os objetivosnão servem como previsão do que as pessoas de fato vão fazer.No nosso estudo, os objetivos pareciam importantes para os corredoresocasionais. Quando um dos objetivos de correr era exibido na tela, eles semostravam especialmente rápidos em reconhecer as palavras relacionadas acorrer. Era como se precisassem de uma motivação para correr, por issoformaram fortes conexões mentais entre seus objetivos e a atividade. Para osque tinham a forma física como objetivo, ver as palavras iniciais “formafísica” fazia os corredores ocasionais pensarem em correr.Ao que parece, objetivos e recompensas são fundamentais para começara fazer algo repetidamente. São os principais fatores que nos levam aestabelecer muitos hábitos bené�cos.Concluímos que a velocidade com que ações repetidas são estimuladaspelo contexto em que são realizadas é crucial para os hábitos. Pode manter oscorredores indo para a pista, mesmo quando se sentem cansados. Se elestiverem tempo para deliberar, poderão resolver não correr naquele dia oufazer um trajeto mais curto do que o habitual. Quando as pessoas param parapensar, tudo pode mudar.A velocidade do pensamento é um indicativo de como os hábitosassumem o controle. Ao repetirmos uma ação, mudamos a maneira como elaé representada mentalmente. Transformamos uma ação que nos motivou deinício – que realizamos para atingir um objetivo, como a forma física – emum hábito forjado por fortes vínculos mentais entre os contextos em que arealizamos e a nossa resposta. Quando pensamos nesse contexto, a respostalogo vem à mente. A vantagem da velocidade mental é que a ação habitual jáestá pronta e preparada para agir, enquanto sua mente consciente e maislenta ainda está pensando em fazer outra coisa.A formação de hábitos funciona como aprender matemática. Quandocalculamos 2 + 2, obtemos a resposta adicionando 1 + 1 + 1 + 1. Mas depoisde alguns deveres de casa não precisamos mais fazer os cálculos, poisconseguimos obter a resposta diretamente da memória. É o que faz 2 + 2imediatamente “parecer” 4. Ou o caminho até o lago imediatamente“parecer” o momento de correr. Quando agimos de acordo com o hábito,recuperamos respostas obtidas em problemas já resolvidos anteriormente.As memórias dos hábitos entram facilmente em ação. Elas simpli�camnossa vida, resolvendo o desa�o diário de tomar decisões num ambienterepleto de opções. Na psicologia, chamamos isso de agrupar (chunking, nojargão cientí�co) – juntar pedaços de informação para formar um todocoerente. Quem tem o hábito de pedir uma refeição para viagem no mesmorestaurante toda sexta-feira à noite só precisa se lembrar de uma sequênciageral, não das várias etapas de escolher um restaurante, localizar o númerode telefone, fazer o pedido e ir até lá. Do mesmo modo que o hábito de tomarcafé da manhã com seu parceiro torna-se uma unidade na memória dasvárias etapas: fazer o café, arrumar a mesa e comentar sobre oscompromissos do dia enquanto vocês comem e leem as notícias.Nossa pesquisa vinculou a memória, a ação, o contexto e a persistência. Echegou a uma de�nição prática do hábito: uma associação mental entre oestímulo de um contexto e uma resposta que se desenvolve à medida querepetimos determinada ação nesse contexto para obter uma recompensa.(Ainda vamos explicar como um hábito maduro pode continuar operandosem a presença contínua de recompensas.) Essa de�nição parte de outrasdinâmicas mentais bem estabelecidas, como o aprendizado em bloco, ouchunking, e o aprendizado por recompensas (veremos mais sobre issoadiante), acrescentando a elas a repetição. Essa é uma de�nição analítica e devalor neutro. Mas a de�nição abreviada é a seguinte: automaticidade no lugarde motivação consciente – automatização que surge à medida queaprendemos com respostas repetidas. Um hábito transforma o mundo aoredor – o seu contexto – em um gatilho para agir.Essa sensação fácil, �uida e automática de agir de acordo com o hábitonão é acidental ou secundária à maneira como os hábitos funcionam. Apropriedade que de�ne o hábito é a falta de esforço. A situação em que vocêestá aciona a resposta da memória e leva você a agir. Basicamente, o hábitocontorna sua mente executiva. O prazer está em fazer as coisas sem aintervenção da consciência. Se você já gerenciou funcionários, deve conhecerbem esse sentimento (espero): você começa a pedir que alguém faça algumacoisa e a pessoa o interrompe dizendo “Eu já �z!”.Basta posicionar os dedos no teclado do computador para digitar semesforço. Se vir seu �lho chorando, você automaticamente vai pegar um lençopara enxugar as lágrimas dele.Embora alguns pesquisadores equiparem hábitos com automaticidade epresumam que são a mesma coisa, na verdade o hábito é apenas uma formade automaticidade. A automaticidade tem vários aspectos, assim como opensamento consciente assume diversas formas. Por exemplo, nós podemosconscientemente formar impressões sobre outras pessoas ao ponderar osprós e os contras de construir uma amizade com elas. Ou podemos fazer umjulgamento rápido, decidindo que gostamos delas porque são simpáticas ouinteligentes. Da mesma forma, temos várias maneiras automáticas de reagiràs pessoas, afastando-nos instintivamente se elas falarem muito alto (re�exo)ou gostando delas intuitivamente por usarem o mesmo sabonete perfumadoque um velho amigo (condicionamento pavloviano).12 Até mesmo ideias eobjetivos podem ser ativados de forma automática pelo nosso ambiente.13São tipos diferentes de automaticidade, cada um funcionando à sua maneira.Às vezes esses outros tipos de automaticidade chegam a se entrelaçar com oshábitos (como na transferência pavloviana instrumental). No entanto, ohábito da automaticidade é ainda mais importante para nós, pois é uma basesólida para comportamentos persistentes.Nós aprendemos espontaneamente essas diferentes associações mentaisna nossa vida cotidiana. Até hoje, você formava hábitos naturalmente,enquanto vivia sua vida, repetindo ações no mesmo contexto. Você pode nãoestar ciente, mas os hábitos continuam seu diligente trabalho em sua mente.A escolha do que os hábitos vão aprender é sua. Basta alimentá-los comrepetição, recompensas e contextos.Por exemplo, assistir aos treinos de futebol de seus �lhos no sábado demanhã pode deixar você orgulhoso de ser um bom pai ou uma boa mãe,assim como do seu espírito comunitário. Mas é provável que isso re�itahábitos que você aprendeu ao longo do tempo. Talvez um dia você tenhachegado mais cedo para buscar seus �lhos e se envolvido numa conversaagradável com outros pais. Ou a treinadora precisou da sua ajuda paraorganizar o equipamento. Nas primeiras vezes você optou por ajudar. Ela�cou muito agradecida, você sentiu a reação positiva dos outros pais. Apósalgum tempo, você passou a fazer isso sem pensar muito. Depois de muitarepetição, você formou o hábito de ver seu �lho jogando futebol enquantoconversa com amigos. No �m das contas,quando você pensa no campo defutebol cheio de equipamentos, o ato de organizar e guardar os equipamentosvem à tona automaticamente em sua mente. Você faz, e pronto.É claro que os hábitos indesejáveis se formam da mesma maneira. Vocêpode �car jogando videogame até tarde da noite, e então começa a dormirpouco. Seu eu consciente se sente culpado pela falta de autocontrole. Maisuma vez, pode ser apenas um hábito que você desenvolveuinvoluntariamente. Talvez uma noite você tenha se sentido entediado ouinquieto e não conseguia dormir, então começou a navegar na internet eexperimentou o videogame. Se �zer isso noite após noite, vai acabarestabelecendo o hábito de se sentar ao computador em vez de ir para a cama.Enquanto a noite avança, os jogos de computador vêm à sua menteautomaticamente. Seu eu desenvolveu um hábito problemático a partir deum pouco de tédio, um computador disponível e os jogos viciantes.Felizmente para nós, os hábitos são formados a partir de recompensaspassadas. Esse é um recurso útil na vida cotidiana. A lógica básica doshábitos é que, enquanto continuarmos fazendo o que estamos fazendo,continuaremos recebendo o que estamos recebendo. Os hábitos são umatalho mental para obter essa recompensa mais uma vez: basta repetir o que�zemos no passado. As recompensas podem perdurar com o tempo econtinuar operantes na fórmula do hábito. Isso signi�ca que não precisamoscontinuar procurando essas recompensas, signi�ca que mesmo se nossosvalores e interesses mudarem ao longo do tempo, não precisamosnecessariamente atualizar o que são essas recompensas para mantê-lasvigentes. Basta ter sido recompensado por uma ação que se tornou umhábito.Na psicologia, temos um nome para os roteiros automatizados que nossocérebro reúne quando fazemos uma coisa repetidas vezes da mesma maneira:memória processual. É um repositório de informações tão importante quesomente os padrões repetidos com mais frequência são armazenados dessaforma. Funciona em alguma medida separadamente de outros sistemas dememória, e as informações especí�cas codi�cadas não são acessíveis àconsciência. Esse tipo de codi�cação cognitiva é uma espécie de equivalentemental dos arquivos de sistema do seu computador. O bom funcionamentodo seu computador depende de você não mexer ingenuamente nesse códigomais fundamental, que se esconde atrás de várias camadas de ofuscação. Épor isso que não sabemos muito sobre nossos hábitos. Em certa medida, asinformações que aprendemos como hábito estão separadas de outras regiõesneurais.A codi�cação processual impede a alteração das informações. Essa é avantagem da forma como nossa mente codi�ca os hábitos. A gente nuncadesaprende a andar de bicicleta, porque essa habilidade não é afetada pelofato de você ter aprendido também a andar de skate ou surfar. Você conseguefazer isso mesmo depois de anos sem praticar. Você se equilibra e aciona ospedais sem pensar. Enquanto anda de bicicleta, pode até conversar comoutras pessoas ou apreciar a paisagem. Seu hábito de andar de bicicleta nãofoi substituído por novos pensamentos e experiências.Há outros hábitos quase tão persistentes quanto esse. Falar um segundoidioma, tocar um instrumento musical ou cozinhar um prato favorito sãohabilidades que demoram a ser esquecidas quando não são utilizadas. Oprocesso de aprendizado passado continua bem preservado.Por outro lado, algumas memórias são mais vulneráveis à mudança. Amemória episódica ou lembranças de experiências especí�cas estãoespecialmente expostas a esse risco. Em um tribunal, o depoimento de umatestemunha ocular depende desse sistema de memória. Tais depoimentos sãoreconhecidamente pouco con�áveis, mesmo quando as testemunhas tentamse lembrar do acontecimento com a maior precisão possível. Cada vez quecomentam com alguém a respeito, elas substituem e alteram facetas dalembrança original. A memória do fato se mistura com outras histórias eexperiências a que a testemunha foi exposta depois do evento. Por essemotivo, o depoimento mais con�ável de testemunhas oculares costuma ser aprimeira versão, menos contaminada, principalmente quando astestemunhas con�am em seus primeiros relatos.14O circuito neural do hábito é bem diferente. Sua função é captarrespostas recorrentes. Cada vez que agimos da mesma maneira, as marcas sefortalecem na memória. Pouco a pouco, com o tempo, o hábito se resguardaem segurança na memória processual. Meu �lho mais novo aprendeucoreano em apenas alguns meses de estudo no Instituto de Idiomas doExército. Contudo, um vocabulário de palavras memorizado de uma só vezpode ser facilmente esquecido.Agir de acordo com os hábitos também traz outros benefícios. Libera nossamente consciente para realizar tarefas para as quais foi projetada, comoresolver problemas. O sistema executivo não precisa mais administrar asrotinas. Quando nos rendemos aos hábitos, a mente �ca livre para realizartarefas mais relevantes.O ex-presidente Barack Obama e o fundador do Facebook MarkZuckerberg conhecem bem os benefícios de delegar tarefas rotineiras aohábito. Ambos usavam praticamente a mesma roupa todos os dias (comexceção de um fatídico dia em que Obama vestiu um traje cáqui na ala lesteda Casa Branca).15 O traje presidencial de Obama era um terno azul oucinza, e Zuckerberg usa sempre uma camiseta cinza. Cada um escolheu umaroupa adequada ao próprio cargo e a manteve. Em entrevista para a VanityFair em 2012, Obama a�rmou: “Eu tento reduzir minhas decisões. Não querotomar decisões sobre o que estou comendo ou vestindo, pois tenho muitasoutras com que me ocupar.” Em 2014, Zuckerberg corroborou: “Eu queroliberar minha vida de tarefas triviais, de modo a tomar o mínimo de decisõespossível sobre qualquer coisa que não seja a melhor forma de servir acomunidade.” Agora fora do gabinete e em novo contexto, Obama pode servisto de calça de algodão e camisa esporte xadrez. Novo papel, novo hábitode se vestir. Talvez ele tenha aderido ao pequeno prazer de escolher maisconscientemente o que deseja usar. Com certeza agora sua mente executivatem menos compromissos.Os dois entenderam a dualidade de nossa capacidade mental eaproveitaram a vantagem de agir por hábito – liberando a mente conscientepara lidar com as situações novas que a vida apresenta. Para Obama eZuckerberg, os desa�os envolviam administrar o país mais poderoso domundo e a maior rede social do mundo. Eles podiam deixar de escolherconscientemente o que vestir num determinado dia, desde que estivessemvestidos de forma adequada para seus respectivos cargos.Essas ideias reverberam as de Alfred North Whitehead, renomadomatemático e �lósofo dos séculos XIX e XX, ao falar sobre os benefícios danotação matemática, como o sinal de mais ou o sinal de igual. Seu texto de1911 explicava: “Ao aliviar o cérebro de todo trabalho desnecessário, umaboa notação o liberta para se concentrar em problemas mais avançados,aumentando efetivamente o poder mental.”16 Com a notação adequada, algo�loso�camente complexo como a natureza da “adição” torna-se a partesimples e conhecida de uma equação. Nossa mente se bene�cia de maneirasemelhante dos bons hábitos. Com um hábito de exercício estabelecido ouuma rotina de trabalho bem organizada, �camos livres para tomar decisõessobre outras oportunidades e desa�os da vida. Hábitos são a notação donosso eu comportamental.A ideia central de tudo isso não é apenas conveniência. A simples mecânicacognitiva por trás dos hábitos pode salvar vidas em desastres ou mesmoganhar partidas no campo de futebol.Em um estudo clássico, 26 comandantes do Corpo de Bombeirosdescreveram como tinham combatido um incêndio particularmente difícil.17Todos eram veteranos, com uma média de 23 anos de experiência. Elesdiscorreram sobre uma grande variedade de incidentes, incluindo incêndiosem residências, hotéis, empresas e uma estação debombeamento de petróleo.Há muitas opções para combater um incêndio. Os pesquisadores queriamentender como os bombeiros avaliavam as opções disponíveis e escolhiam amelhor. Antes de entrar em um prédio pela frente, por exemplo, será que elesconsideravam outras formas de entrada, talvez mais seguras? Antes dedirecionar um jato de água para um ponto especí�co, eles tentavamidenti�car outros pontos mais e�cazes? Foram elaborados cronogramasdetalhados para identi�car os momentos de decisão em cada operação deresgate e salvamento.Mas as entrevistas mostraram que os bombeiros raramente tomavamdecisões. Os pesquisadores detectaram poucos momentos decisivos. Comoeles observaram: “Em quase nenhum dos casos um comandante a�rmou tertomado uma decisão depois de comparar duas ou mais opções para escolheruma delas.”18 Mesmo quando forçados a falar sobre suas decisões, osbombeiros não defendiam a alternativa escolhida em detrimento de outras.Esses experientes o�ciais agiam sem pensar muito. Eles identi�cavamuma série de indícios ou aspectos de uma situação que já tinham visto emincêndios anteriores. Indícios comuns incluíam a planta do edifício; a cor, aquantidade e a toxicidade da fumaça; o índice de variação do fogo; e avelocidade e a direção do vento. Esses indícios evocavam pensamentosimediatos sobre quais ações tomar com base em experiências passadas e osbombeiros simplesmente agiam. Os pesquisadores explicaram: “As opçõeseram feitas sem nenhum relato de avaliação ou análise consciente. Namaioria dos casos, os indícios evocaram um conhecimento imediato do quetinha que ser feito e a ação foi tomada.”19Os bombeiros pareciam reagir com base na recuperação de umamemória automatizada, um processo de uma única etapa. Eles con�avamnisso. Suas mentes transformaram essas situações de alta pressão emconglomerados de sugestões e respostas. Em situações de vida ou morte, oshábitos oferecem um caminho a seguir.O combate a incêndios é semelhante a jogar futebol americano, poisambas as pro�ssões são perigosas, cheias de pessoas talentosas e �sicamentefortes. No entanto, há poucas semelhanças além disso. Pelo menos era o queeu pensava até conversar com Clay Helton, treinador de futebol americanoda Universidade do Sul da Califórnia, sobre seus objetivos nos treinos.20Helton explicou: “A questão principal é eliminar a confusão... tomar decisões.Confusão cria hesitação, e hesitação faz você perder. Também podemachucar.”Segundo Helton: “Sempre que um jovem estiver confuso ou em dúvidaem determinada partida, isso vai retardar suas ações. A gente quer que osjogadores digam: ‘Eu já passei por esses cenários tantas vezes que deixo meucérebro [consciente] de fora. Sei exatamente o que fazer com base nasexperiências e nas repetições por que passei.’ Sempre conto a história deMichael Phelps, o nadador olímpico.” Continuou Helton: “Na última partedo treino, o treinador enchia a máscara de natação dele de água, só porprecaução. Se estivesse numa competição e não conseguisse enxergar, ele nãoentraria em pânico ou �caria confuso. Isso era feito em cada treinamento.”“Durante a prática nós criamos a adversidade”, explicou o treinador. “Seum jogador estiver correndo e sofrer um tranco ou se um defensor tentaragarrá-lo pela camisa, ele vai ser capaz de dizer: ‘Isso não me afetou. Otreinador já fez isso 172 bilhões de vezes.’ Isso exclui por completo o que estáacontecendo ao redor de um jogador, de modo que mesmo assim ele consigase concentrar na coisa mais importante, que é reconhecer qual é a defesa epara onde a bola vai. Ele pode dizer: ‘Foi para isso que fui treinado.’”Os processos de pensamento dos bombeiros e dos jogadores de futebolamericano são surpreendentemente semelhantes. Ambos identi�cam umestímulo para o qual aprenderam a resposta certa por meio de muita prática.Eles conseguem decifrar esses estímulos apesar do pânico, da fumaça ou dacorreria da linha defensiva de homens de quase 150 quilos. Apesar de parecerleve e tênue, na verdade o mecanismo do hábito tem muita força.4E O CONHECIMENTO?“Saber não é suficiente;devemos aplicar. Querer não ésuficiente; devemos fazer.”– JOHANN WOLFGANG VON GOETHEO café da manhã é uma instituição forte. Parece que se perpetua. Quasetodos se submetem a essa rotina. Estudos extensos demonstraram que o caféda manhã é sempre a refeição mais saudável do dia.1 Contém mais cálcio e�bras. A quantidade de nutrientes do café da manhã quase não varia de umdia para outro. O que você ingeriu na terça-feira provavelmente é o que vaiingerir na sexta.O almoço e o jantar tendem a apresentar mais problemas nutricionais,como sódio e gorduras saturadas. Essas refeições são também a fonte damaioria das calorias do dia.O café da manhã é um hábito forte para a maioria de nós. E podemosentender a razão usando as ferramentas do capítulo anterior: em geral nóstomamos café da manhã no mesmo contexto, na cozinha ou talvez na rua. Ocontexto de ações repetitivas ativam a repetição dos hábitos. Ademais, asmanhãs normalmente não são o momento para tomar decisões conscientes.Em geral estamos com pressa, então pegamos algo da despensa enquantotentamos guardar os cadernos dos �lhos na mochila. Nós simplesmenteagimos: servimos um café, torradas com manteiga. Ou podemos saircorrendo de casa sem comer nada e parar numa padaria ou numa lanchonetea caminho do trabalho.O café da manhã é uma usina de hábitos. Tudo é contexto. Para ver o queacontece quando tentamos formar hábitos alimentares sem a devidacompreensão do que é um hábito, não precisamos nem contar até cinco.Quantas porções de frutas e legumes deve-se comer por dia? Talvez você játenha uma resposta pronta: cinco. O número vem de uma das campanhas desaúde pública mais conhecidas já lançadas.Foi iniciada nas plantações da Califórnia em 1988 por Ken Kizer, umcompetente diretor do Departamento de Serviços de Saúde da Califórnia. Osagricultores do estado – que produzem cerca de metade de todas as frutas,oleaginosas e legumes cultivados nos Estados Unidos – estavam em busca denovos mercados. E encontraram um ávido representante comercial nosserviços de saúde local. Ao mesmo tempo, evidências cientí�cas começavama estabelecer que nosso estilo de vida contribuía de muitas formas para orisco de câncer. Podemos chamar isso de uma feliz união entre o comércio ea ciência.Segundo Kizer: “Desde meados e do �m dos anos 1970, as evidências setornaram bastante claras sobre o papel da dieta na prevenção do câncer, dedoenças cardíacas e de outras enfermidades.”2 Um incontestável estudocientí�co de 1981 observou riscos óbvios de câncer decorrentes do excessode peso e do tabagismo.3 Já naquela época, a ciência tinha uma posição clara:a qualidade geral da alimentação e o nível de consumo de cigarro eramdeterminantes cruciais do risco de câncer.Naquela época, porém, ainda havia muitas opiniões e poucos dadosconcretos sobre o consumo de frutas e legumes. Mas Kizer não se intimidou.Conseguiu que o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos �zesseuma parceria com o agronegócio da Califórnia, representado pela Producefor Better Health Foundation [Fundação para Produção de uma SaúdeMelhor], a �m de criar o programa 5 a Day for Better Health [5 por Dia parauma Saúde Melhor]. Como tantas outras coisas nas últimas décadas, o quecomeçou ali se disseminou para o resto do país e depois para o mundo. Por�m, a Organização Mundial da Saúde adotou o programa.Nas palavras do Instituto Nacional do Câncer, o número cinco era claro,memorável e fácil de ser acionado. Tinha adesão. Eles também tiveram asorte de ser prescientes: uma revisão da pesquisa de 2014 detectou umpequeno declínio na mortalidade das pessoas a cada porção adicional defrutas e legumes que consumiam por dia – até aproximadamente cinco.4Consumir mais do que as cinco porções recomendadas não reduziu oriscode mortalidade.O otimismo inicial com o programa foi grande. A mídia foi acionada.Foram criados anúncios com desenhos animados bonitos e jingles cativantes.Os supermercados aplicaram adesivos e letreiros nos produtos aprovados.Crianças em idade escolar faziam passeios a supermercados. Foi criada uma“Semana 5 por Dia” em âmbito nacional para divulgar a notícia. Foramdistribuídos folhetos de receitas. Todos os esforços deram certo. Pelasavaliações disponíveis, o programa educacional foi um tremendo sucesso.Em agosto de 1991, pouco antes do início da campanha, o Instituto Nacionaldo Câncer e os produtores agrícolas realizaram uma pesquisa por telefone.Cerca de 8% dos americanos estavam cientes de que deveriam comer pelomenos cinco porções diárias dos produtos.5 Em 1997 os resultados foramsurpreendentemente distintos. Dessa vez, 39% dos americanos sabiam quedeveriam comer cinco porções de frutas e legumes por dia. Foi umacampanha da qual qualquer consultor político se orgulharia.Mas este livro não é sobre campanhas e políticas. É uma obra sobre comomudar de vida. Portanto, a pergunta que devemos nos fazer aqui é: qual foi ocomportamento real das pessoas? O objetivo do programa era fazê-lasconsumir mais frutas e legumes. Será que obteve sucesso?No início da campanha, de 1988 a 1994, 11% dos americanos ingeriamcinco porções de frutas e legumes por dia.6 Quase uma década depois... aporcentagem se manteve. A mudança da consciência foi real; a mudança decomportamento foi inexistente.Em resposta, o governo dos Estados Unidos se tornou ainda maisambicioso. Talvez cinco porções de frutas e legumes não fossem su�cientes.O número certo agora é comer o máximo possível. Desde 2007 o programafoi rebatizado para Fruit & Veggies – More Matters [Frutas & Legumes –Mais Faz Diferença]. E agora setembro é chamado de Mês de Frutas &Legumes – Mais Faz Diferença.Só que os americanos ainda não morderam a isca, por assim dizer. Em2013, apenas 13% dos americanos ingeriam as duas porções de frutasrecomendadas por dia e 9% consumiam três porções de legumes e verduras.Outros países tiveram um pouco mais de sucesso, com 29% dos britânicos,por exemplo, consumindo cinco porções por dia.7 De certa perspectiva, éalgo desconcertante. Os americanos têm medo do câncer – é a ameaça àsaúde mais temida.8 E são fortes as evidências de que frutas e legumespodem ajudar a evitar a doença. Na verdade, muitas pessoas agora estãoconvencidas dos benefícios de se consumir mais frutas e legumes. Todossabemos que são ótimos alimentos, sabemos que nos protegem do maiortemor em termos de saúde, sabemos o que fazer para prevenir isso... masnosso comportamento não muda. Isso não soa familiar?Por que não conseguimos transformar o consumo de frutas e legumes emum hábito tão forte quanto o café da manhã, por exemplo?Na verdade, nós podemos fazer isso, só precisamos saber como. Quasemetade da preparação e do consumo de alimentos é da esfera dos hábitos.Todos nós comemos por hábito. Como vimos no capítulo anterior, saber dealguma coisa não elimina um hábito arraigado – é a codi�cação processualque protege os hábitos de esclarecimentos e de julgamentos abstratos. Esses43% continuarão se comportando da mesma forma, independentemente dosnossos temores e do nosso senso de responsabilidade.É fácil notar como 43% de nossas refeições se tornam automatizadas. Oato de comer tem todos os componentes básicos da formação de hábitos: éfrequente, em geral realizado em contextos semelhantes e (pelo menos deinício) baseia-se em recompensa. É algo quase arquetipicamente favorável aohábito.A prova da natureza habitual da alimentação vem de um estudominucioso que avaliou o que mais de 1.000 pessoas ingeriram em cadarefeição ao longo de quatro semanas.9 No �m de cada dia, os participantesanotavam quais alimentos tinham consumido e enviavam o relatório aospesquisadores. Para obter as informações básicas, os pesquisadoresanalisaram a composição nutricional de cada alimento – gordura,carboidratos, �bra, sódio, cálcio, calorias.Como já foi discutido, o café da manhã ganhou destaque, tanto emtermos de nutrição quanto de consistência. O almoço variou um pouco,dependendo de ser consumido no refeitório do escritório, num restauranteou à mesa de trabalho. O jantar se mostrou mais improvisado. Nesse estudo,os �ns de semana eram diferentes.10 Os participantes consumiam um poucomais de calorias, e os alimentos com alto teor calórico eram ingeridos maiscedo (graças ao brunch).Devido à sua sintonia com a formação de hábitos, nossa alimentaçãotambém se mostra muito útil para realizarmos estudos sobre hábitos demaneira geral. Um estudo em particular mostra mais detalhadamente comosugestões de contexto muito especí�cas e concretas podem surrupiarsilenciosamente nossa ingerência pessoal.Os pesquisadores forneceram aos participantes comidas e bebidasdurante 22 dias.11 Nos 11 primeiros, alguns participantes receberam refeiçõesde tamanho normal. Outros receberam porções grandes, 50% maiores doque a normal. Todos os participantes foram informados de que poderiamcomer quanto quisessem. Em seguida, todos tiveram um intervalo de duassemanas antes da retomada do estudo. Nos 11 últimos dias o consumomudou. Os participantes que receberam refeições de tamanho normaltiveram acesso a porções maiores, e vice-versa.Quando receberam porções maiores, as pessoas ingeriram 423 maiscalorias por dia do que quando tiveram acesso às refeições de tamanhonormal. Você poderia pensar que, se tivessem recebido as porções detamanho normal primeiro, elas perceberiam a diferença e limitariam oconsumo quando as porções aumentassem. No entanto, os participantes não�zeram essa compensação. Continuaram comendo a mesma porcentagem dacomida no prato, independentemente do tamanho da porção, e isso os levoua acumular 4.636 calorias a mais ao longo dos 11 dias ingerindo porçõesmaiores, se comparado aos dias em que comeram porções médias.Na vida real, as porções de alimentos não se alteram tão drasticamente acada poucas semanas. Na maioria das vezes, nós mesmos nos servimos, sejacozinhando ou pedindo comida na rua. Mas a beleza do estudo não está nareformulação de nossos hábitos alimentares; está em como o aumento dotamanho da porção separou claramente os estímulos que regemautomaticamente a alimentação – a quantidade relativa no nosso prato – dosestímulos que acreditamos nos conduzir, ou seja, quanto nos sentimossatisfeitos. Ao separar os estímulos habituais da consciência, o estudomostrou que comemos em resposta aos estímulos disponíveis: continuamoscomendo enquanto houver comida no prato.É fascinante como nosso julgamento sobre quanto estamos comendomuitas vezes está errado.12 Em um estudo realizado numa lanchonete, porexemplo, durante vários dias os clientes foram servidos com uma porçãonormal de macarrão com queijo (1.800 calorias).13 Eles comeram quase tudo(1.700 calorias em média). Em outros dias, os pesquisadores pediram que oestabelecimento aumentasse a porção até o prato �car 50% maior (2.700calorias), para que os clientes comessem 43% a mais (2.400 calorias).Quando consultados após a refeição, todos acharam que a quantidade quetinham ingerido era semelhante à que costumavam comer no almoço.Também disseram que as porções eram de tamanho apropriado. O que nãoera verdade, a menos que tivessem 18 anos e fossem ciclistas de longospercursos.Estudantes universitários comem muito fast-food – alguns, até 10 vezespor semana. Em média, mais de quatro vezes por semana, pelo menos deacordo com um estudo que eu e Mindy Ji conduzimos sobre o hábito decomer fast-food.14 Pedimos aos estudantes que dissessem se tinham intençãode consumir fast-food na semana seguinte. As respostas variaram de mornos“sim” e “não” a “com certeza sim” e “de�nitivamente não”. Durante a semanaseguinte, eles deveriamacessar nosso site todas as noites e informar quantasvezes tinham consumido fast-food naquele dia.Os estudantes que admitiram hábitos fortes – que consumiam comfrequência, nos mesmos horários e nos mesmos restaurantes como parte deuma rotina normal – mantiveram a prática, mesmo aqueles que nãopretendiam fazer isso naquela semana. As intenções não foram páreo para oshábitos. Outra maneira de dizer isso é que muitas vezes não sabemos o quenossos hábitos estão fazendo. É como se eles funcionassem em paralelo, forada nossa consciência. Os estudantes repetiram seus hábitos de consumo demodo automático. E aqueles que não costumavam comer fast-food? Essegrupo foi guiado por suas intenções conscientes. Os que responderam queiam se abster cumpriram o prometido. Os que disseram que provavelmenteiriam consumir fast-food durante a semana �zeram isso. Esses estudantestinham um plano, e conseguiram mantê-lo por não terem hábitos que osimpedissem. Os aspectos da nossa vida que ainda não foram reivindicadospelo nosso eu habitual são suscetíveis à nossa vontade – e receptivos àformação de novos hábitos.O programa 5 a Day for Better Health foi um fracasso na mudança decomportamento. Ele trouxe esclarecimentos sobre o consumo de alimentossaudáveis, mas não tocou os 43% dos nossos hábitos alimentares. Mesmodepois de �carem bem informados pela campanha sobre frutas e legumes, osamericanos continuaram indo ao supermercado e escolhendo o que semprecompravam – talvez seguindo o hábito de evitar o corredor com produtossaudáveis. Continuaram se refestelando com barras de chocolate e batatasfritas. Suas escolhas não foram in�uenciadas pelo conhecimento do que essehábito provocava em sua saúde.No �m, a campanha foi um atestado da chocante dissociação entre o quesabemos e o que fazemos. Essa dissociação tem profundas raízes no cérebrohumano.Um automóvel novo é montado numa fábrica moderna. Os milhares depeças e materiais – aço, alumínio, �bra de vidro, couro – têm as formas e osmoldes selecionados pelos engenheiros para se encaixarem num todo. Amontagem é apenas a reconstrução física de um carro cuja ideia já existia nacabeça dos projetistas. É um produto engenhoso e e�ciente.O cérebro humano não foi montado de acordo com um plano, não éengenhoso nem e�ciente. É uma louca e maravilhosa colagem de peças. Nãoevoluiu de uma só vez, como um único órgão. Na verdade, desenvolveu-seaos trancos e barrancos ao longo da história da nossa espécie. Novas regiõesneurais e funções mentais evoluíram junto das já existentes. À medida quenovas áreas se desenvolveram, mudaram ou talvez se perderam, elasmodi�caram a capacidade da mente humana. Em decorrência disso, nossocérebro é composto por bilhões de neurônios que constituem várias partesinterconectadas, e cada uma delas pode ter evoluído em diferentesmomentos. Redes neurais distintas são especializadas em funçõesligeiramente distintas.Com os métodos de alta tecnologia como as imagens por ressonânciamagnética (fMRI), que discutimos no Capítulo 3, os pesquisadores podemrastrear padrões de ativação no cérebro a partir de alterações do �uxosanguíneo. Podem avaliar quais regiões neurais estão envolvidas quandorealizamos uma tarefa repetidamente – isto é, quando cria um hábito.Vale a pena analisar como se dá esse processo no nível neurológico. Amudança começa com a autoconsciência, e não há maneira mais literal de serautoconsciente do que conhecer sua própria neurobiologia.O processo de formação de hábitos em geral tem início com as decisões.Estabelecemos a intenção de realizar algo para obter o resultado desejado. Aprimeira vez que tentar uma nova receita para o jantar ou usar um novoaplicativo, você vai tomar decisões e descobrir o que fazer para obter o quedeseja. Qual ingrediente devo adicionar a seguir? Que função eu uso agora?Se você acrescentar os ingredientes certos, vai ser recompensado com umótimo prato novo. Se acionar a função certa no teclado e inserir os dadoscorretos, vai enviar uma mensagem ou registrar algo. Você está aprendendo oque fazer para obter a recompensa que procura.Aprender com recompensas está associado a uma região neural chamadagânglio basal, em destaque na �gura acima. Se você estivesse ligado a umaparelho de ressonância magnética quando fosse executar essas tarefas, seucérebro mostraria uma maior ativação em um sistema neural conhecidocomo circuito associativo.15 Isso envolve uma parte dos gânglios basais e onúcleo caudado, bem como o mesencéfalo e o córtex pré-frontal, que estáassociado ao autocontrole, ao planejamento e ao pensamento abstrato. Essasáreas de controle executivo são as regiões neurais que seu colega irritanteusufrui bastante para ser tão competente, aquela pessoa que parece nãoprecisar se concentrar em seu segundo eu. O resto de nós é apenas umusuário ocasional dessa região mais seleta do cérebro. É por isso quedependemos de outras partes para conseguirmos ser tão competentes.Se você gostar da receita do jantar e repeti-la, ou se o novo aplicativo setornar um item habitual, o funcionamento do seu cérebro muda. À medidaque repetimos ações de maneira rotineira, as sondagens do cérebro mostramque a ativação neural aumenta no circuito sensório-motor do cérebro. Issoconecta uma parte diferente do gânglio basal, o putâmen, com o córtexsensório-motor e partes do mesencéfalo para formar a rede sensório-motora.16As ações que tomamos recon�guraram o cérebro. Para qualquer observador,você estará fazendo a mesma coisa de quando aprendeu a ação. Mas seucérebro agora está envolvido em sistemas neurais um pouco diferentes.Essa recon�guração facilita a repetição do que foi praticado no passado.Você responde de modo mais automático e toma menos decisõesconscientes. Não precisa veri�car a quantidade de sal a adicionar depois dafarinha ou se lembrar de apertar uma tecla do computador. Não precisa maisse preocupar com o resultado da receita ou se vai conseguir acessar umapostagem no blog. Você formou um hábito.Num golpe de sorte a favor dos pesquisadores, todos os mamíferosadquirem hábitos. Pessoas, cães e baleias se desenvolvem ao aprendercontingências entre ações e recompensas. Nossos sistemas neurais sãoestruturados de forma semelhante para aprender com as recompensas. Coma prática, todos podem aprender associações de hábitos entre os contextos e aresposta da recompensa.Pesquisas com ratos produziram muitos esclarecimentos importantessobre os hábitos humanos. E com ratos os pesquisadores podem realizarintervenções mais intrusivas do que com humanos. Em ratos, por exemplo,uma área especí�ca do cérebro pode ser desativada para estudar efeitos quenós humanos nunca aceitaríamos de bom grado. Muitos avanços médicosque reduzem o sofrimento humano podem ser atribuídos a estudos comratos, que têm di�culdade em aprender o que fazer para obter umarecompensa se sofrerem lesões no circuito estriado dorso-medial, uma áreado cérebro dos roedores semelhante ao caudado anterior dos sereshumanos.17 Ratos com esse tipo de lesão não aprendem facilmente a receberrecompensas, seja acionando uma alavanca numa gaiola ou tomando certadireção num labirinto. A desativação de outras partes do cérebro resulta emefeitos muito diferentes. Os ratos têm di�culdade em agir por hábito quandosofrem lesões no circuito estriado dorso-lateral, uma parte do cérebrosemelhante ao putâmen dos humanos. Apesar do histórico com o labirintoou a alavanca, ratos com esse tipo de lesão não conseguem usar os hábitosque aprenderam. Esse tipo de experimento nos permite desenvolver umaespécie de atlas do cérebro e de suas funções comuns, desvendando o queantes era uma região misteriosa e de caminhos desconhecidos.Contudo, nosso cérebro não é igual ao dos ratos. O cérebro humanodesenvolveu outras regiões neurais, que nos permitem conversar, re�etir,lembrar e planejar. Não podemoscomparar humanos e ratos quanto àcapacidade de planejar, mas podemos comparar algumas das maneiras pelasquais as duas espécies aprendem hábitos.Uma das primeiras descobertas da neurociência que ajudou a reavivar ointeresse dos estudiosos pelo hábito veio de um experimento dos anos 1990,que estabeleceu uma distinção entre o aprendizado de hábitos dos humanose a compreensão consciente. O estudo usou a mesma lógica da pesquisa quedesabilitou áreas do cérebro dos ratos, mas explorou a capacidade deaprendizado de pacientes com de�ciências neurais especí�cas.18 Os 20participantes sofriam de doença de Parkinson, que ataca os sistemas decontrole motor do gânglio basal, principalmente o putâmen, prejudicando acapacidade de aprender novos hábitos (mesmo os não motores) e de ativar osantigos. Doze participantes tinham amnésia, com disfunção numa áreacerebral diferente (o hipocampo), que interferia na capacidade de lembrareventos recentes.Todos jogaram um jogo no qual �ngiam ser meteorologistas. Depois deexaminar uma série de cartas de baralho, eles deveriam memorizar quaispadrões indicavam que iria chover e quais previam que iria fazer sol. Ospacientes que sofriam de Parkinson conseguiram explicar a tarefa e asinstruções. Eles sabiam conscientemente o que fazer. Porém,independentemente de quanto praticassem, não conseguiam aprender arelação entre os estímulos (as cartas) e a recompensa das respostas (previsãode chuva/sol). Não conseguiam formar um hábito.Em contrapartida, os pacientes acometidos por amnésia logo adquiriramhábitos ao praticar a tarefa. Depois de 50 chances para prever o tempo, elesconseguiram fazer previsões precisas a partir das cartas. Mas, quandoindagados sobre o que estavam fazendo, não conseguiam se lembrar dasinstruções ou de detalhes do que tinham visto. Era como se tivessem poucamemória consciente do que haviam feito, apesar de seus hábitos teremfuncionado perfeitamente.Essa pesquisa proporcionou algumas das primeiras noções sobre amecânica neural da formação de hábitos. Sugeriu que nos humanos oaprendizado de hábitos não é substituído ou subordinado a sistemas deaprendizado mais criteriosos, como suposto por muitos pesquisadoresdurante a revolução cognitiva. Os hábitos residem em estruturas neuraisresistentes e profundas – que são fundamentais para a vida dos mamíferos.Nosso potencial para o pensamento complexo e abstrato nos separa denossos parentes animais. É o que normalmente deduzimos quando pensamosem nós mesmos. Mas isso não signi�ca que o que nos separanecessariamente seja o mais essencial para o que somos. Estudos como essesmostram que nossas principais competências mentais têm tanto a ver com acriação de hábitos quanto com a elaboração de planos.Outras descobertas também se mostraram reveladoras. Pesquisassubsequentes com ressonância magnética rastrearam a assinatura neuraldistintiva do hábito – na rede sensório-motora, principalmente no putâmen– em tarefas que não a previsão do tempo, sobretudo em tarefas envolvendosequências de respostas.19 Quando aprendemos a apertar uma tecla numpadrão repetitivo, aprendemos a relacionar um estímulo (como o sinal paraapertar uma dada tecla) com uma resposta (como o toque do dedo). Aprática de tarefas como essa faz com que os sistemas neurais do hábitoentrem em funcionamento, com uma maior ativação do putâmen.Os estudos neurológicos sobre hábitos podem se mostrar ambíguos, poiso sistema neural direcionado a objetivos e o sistema neural dos hábitos estãointerconectados e geralmente trabalham juntos. Não precisamos olhar dentrodo cérebro para saber se isso é verdade. Poucas partes da vida são puramenteuma coisa ou outra, e essa zona difusa gera ambiguidades nas descobertasempíricas da ciência do hábito. Dirigir, por exemplo, envolve um constanteintercâmbio sequencial entre reagir ao inesperado (o pensamento conscientequando outro carro se aproxima demais) e o hábito (o contexto de respostaacionado quando dirigimos por um caminho conhecido). Outras tarefastambém podem envolver as duas reações simultaneamente. No brunchhabitual com seu grupo de amigos nas manhãs de domingo, o circuito dehábitos do seu cérebro relaciona automaticamente o dia e a hora (contexto)com a parada na padaria (resposta) e os comentários sobre os ausentes(recompensa). Durante o caminho, você pode pensar conscientemente sobreo que vai compartilhar com os amigos e como eles vão reagir. Muitas denossas ações se baseiam em múltiplos circuitos neurais desse tipo.Essa ambiguidade, no entanto, pode ser reduzida com experimentos maisdetalhados. Separar o hábito de uma ação mais ponderada foi um grandedesa�o nas minhas primeiras pesquisas de laboratório. Fora do laboratório,eu sempre conseguia mostrar quando as pessoas agiam por hábito, repetindocomportamentos em vez de fazer o que pretendiam. Mas não conseguiademonstrar hábitos nas condições controladas do laboratório. Nos meusexperimentos, os participantes realizavam tarefas repetidas vezes, mas,quando testados posteriormente, cumpriam a tarefa tomando decisõesconscientes, sem acionar o hábito. Tentei alterar as tarefas, tornando-as maissimples e fáceis. Tentei outras sessões de treinamento. Mas tudo fracassou.Foi uma pesquisa frustrante, até eu perceber a permeabilidade entre oshábitos e as decisões conscientes – e o poder do contexto. Na verdade, euestava conseguindo criar hábitos, mas durante os testes os participantespensavam atentamente sobre o que eu queria que eles �zessem. Se você jáparticipou de algum estudo de laboratório, conhece a sensação de seperguntar sobre o objetivo da pesquisa e o que isso vai revelar sobre vocêcomo pessoa. Todo mundo se torna um cientista no laboratório. Era o queacontecia nos meus experimentos: os participantes não deixavam de pensarsobre o que deveriam fazer e conscientemente alteravam o funcionamentodos hábitos.Minha pesquisa teve êxito quando percebi que precisava de uma situaçãode teste que proporcionasse um contexto mais realista e cotidiano. Fora dolaboratório, a motivação e a capacidade de pensar como cientista sãodrenadas por distrações do trabalho, redes sociais, pessoas negativas,notícias, trânsito, contas a pagar e da nossa família, para citar apenas algunsfatores. Então acrescentei distrações simuladas durante os testes, comovídeos para captar e prender a atenção dos participantes. Também lhes deitarefas cognitivas exaustivas para fazer de antemão, a �m de esgotar suaenergia e dar a eles algo para re�etir. Com suas decisões conscientes tãoocupadas, os participantes começaram a agir de acordo com o hábito. Assimcomo na vida cotidiana, eles só faziam com facilidade o que lhes vinha àmente. Não pensaram tanto sobre o que deviam fazer para me impressionar.Quando os hábitos começaram a se manifestar no laboratório, �camosmais ambiciosos. Guy Itzchakov, Liad Uziel e eu convencemos osparticipantes de um estudo de que o açúcar fazia mal para eles – isso foi omais fácil.20 Em seguida, oferecemos refrigerante, suco e água. Quando olaboratório imitava a vida real (com uma desgastante tarefa cognitiva), osparticipantes ignoravam suas atitudes recém-saudáveis e aceitavam o quefazia parte de seus hábitos: se a escolha habitual fosse um refrigerante, era oque eles escolhiam. Se normalmente tomassem água, era o que preferiam.Em um único estudo nós identi�camos o enigma que frustrou o InstitutoNacional do Câncer e os Centros de Controle de Doenças em suascampanhas de dieta saudável. Na vida cotidiana, é mais fácil agir por hábitodo que tomar uma decisão com base em boas intenções. Porém, no nossoestudo de laboratório alguns participantes não foram submetidos a tarefasexaustivas, então escolheram criteriosamente o que iriam beber, seguindosua nova postura em relação ao açúcar. Nessas circunstâncias, osparticipantes tenderam a recusar o refrigerante.Esse é um aspectofundamental do fato de os hábitos serem tão cruciaispara a mudança comportamental a longo prazo. O poder cerebral éextremamente oneroso.Todos conhecemos o grande poder do controle consciente – a�nal decontas, ele é responsável por grandes avanços na civilização, comoencanamentos e microchips para computadores. Mas por que nãoconseguimos dominar e controlar nossos hábitos também? Acontece queexercer controle é algo inerentemente desgastante; �camos cansados,estressados e sobrecarregados. O controle também implica um custo emoportunidades. Só podemos reagir a algumas coisas ao mesmo tempo, e, paracontrolar uma coisa, é preciso ignorar outras que podem ser importantes.Por estarem entranhados no fundo do maquinário rudimentar da nossamente, os hábitos são relativamente baratos. Eles pouco interferem em nossacapacidade mental.Alfred North Whitehead usou uma analogia militar para explicar oslimites inerentes ao controle: “As operações do pensamento são como cargasde cavalaria numa batalha – são estritamente limitadas em número,requerem cavalos descansados e só devem ser realizadas em momentosdecisivos.”21 Os psicólogos têm um nome mais descritivo para esse usoocasional do controle cognitivo: modelo intervencionista padrão.22 A ideia éque na maioria das vezes acionamos o piloto automático, a não ser que hajauma boa razão para intervir com o pensamento consciente – como, digamos,um ataque iminente do inimigo. Aí é o caso de chamar a cavalaria.Nós exercemos controle sobre nossas ações quando é relativamente fácile/ou quando o resultado nos parece importante o su�ciente. Essa análise decusto-benefício determina se vale a pena fazermos alguma coisa além de agirno piloto automático.23 Em vista da característica onerosa do controle, nós sóo usamos esparsamente.Diga o nome dos animais na imagem. Não poderia ser mais fácil, certo?Basta olhar para o animal e dizer o nome. É difícil errar com uma imagemtão simples. Você deve ter achado que olhou para as imagens para identi�caro animal. Mas o nome deles também está escrito, se você precisar de ajuda.Só é um desa�o para crianças.A tarefa �ca mais difícil no exemplo seguinte. Experimente: agora vocêdeve levar mais tempo. Vai notar que estava fazendo mais do que apenasolhar as imagens. Sua resposta habitual, aprendida durante toda uma vida deprática, é interpretar as palavras que lê. Esse hábito – cuja in�uência vocêpossivelmente não percebeu – agora interfere na identi�cação correta doanimal. Basicamente você tem duas respostas possíveis, e a errada – ahabitual – chega à mente primeiro. Para dar a resposta certa, você precisainterromper seu primeiro impulso e pensar antes de falar.Você experimentou a sensação de agir por hábito. Quando as palavras eas imagens coincidem (como na primeira tarefa), o hábito e a decisão seintegram tão bem que o hábito nem é reconhecido. Mas quando eles entramem con�ito (como na segunda tarefa), é necessário exercer um controleexecutivo sobre o hábito.Essa é uma característica do clássico teste Stroop (um teste deinterferência no processamento) e uma simples analogia dos con�itos maiscomplicados que vivenciamos entre nossos hábitos e nossos objetivos. Noteste Stroop, os hábitos produzem a resposta errada, assim como quandotentamos mudar nosso comportamento. Você se vê encarando um animalcom bico e penas e dizendo com con�ança: “Gato.” É um pouco a�itivo.Identi�car formas e animais é coisa de criança, certo? A não ser que haja umcon�ito simples entre duas informações: o desenho e a legenda. Apesar daincoerência, nossas tentativas de responder ativam regiões cerebraisenvolvidas na alocação e na execução do controle cognitivo, especialmente ocórtex cingulado dorsal anterior.24 Essa parte do cérebro registra rapidamenteo con�ito (essa coisa tem um rabo que parece um saca-rolhas... mas as letrasdizem “CACHORRO”), assim como o custo (esforço) e os ganhos potenciaisde resolver o con�ito. Considerando a facilidade do exemplo do teste Stroop,deve ter valido a pena fazer um esforcinho a mais para ignorar a legenda.Pronto, você obteve a resposta correta.O baixo risco do teste Stroop é uma excelente maneira de isolar eidenti�car um exemplo pequeno de algo que infelizmente ganha dimensõesbem maiores na vida real. Poucos de nós nos encontramos em situações emque precisamos identi�car rapidamente os animais de uma fazenda. Porém,em cenários mais realistas, vemos nossas respostas desejadas começarem a sedeteriorar: quando os ganhos diminuem; quando �ca cada vez mais difícil seconcentrar no trabalho; quando você se atrasa em suas tarefas; quando passade três para duas corridas por semana; e quando os benefícios associados aoseu esforço contínuo parecem estar perigosamente diminuindo. Você vaitentar recuperar esses benefícios? Vai correr mais? Esforçar-se mais?Ou vai preferir reduzir os custos de tentar e con�ar nos seus hábitos?5E O AUTOCONTROLE?“O que nos cria problemas não éo que não sabemos. É o quesabemos com certeza e que,no entanto, não é bem assim.”– ATRIBUÍDO (ERRONEAMENTE) A MARK TWAINUm dos estudos mais famosos, mais divulgados e menos compreendidos dahistória da psicologia começou com um teste de autocontrole aplicado emcrianças de 4 anos. Cada criança da Escola Bing da Universidade de Stanfordrecebeu um prato com um pequeno marshmallow. Aquelas queconseguissem esperar 15 minutos para comê-lo ganhariam doismarshmallows. Depois de explicar a situação, o pesquisador saiu da sala e asdeixou sozinhas.Contudo, as crianças não têm muito o que fazer quando estão sozinhascom um marshmallow. Quase 75% sucumbiram à tentação e comeram.Posteriormente, o estudo foi conduzido com tentações diferentes, incluindopretzels e biscoitos em forma de animais, com resultados equilvalentes.1 Ascrianças conseguiram esperar, em média, nove minutos. O resultado foi quea maioria perdeu o melhor prêmio.2 Tudo isso está mais ou menos de acordocom o que se esperava.Mas o fato de 25% das crianças terem esperado os 15 minutos é algointeressante. Como elas conseguiram se conter? Enquanto esperavam,descobriram estratégias para se distraírem. Cantaram músicas. Parte delas�cou brincando na cadeira, do jeito que só crianças de 4 anos sabem fazer.Ao serem indagadas, outras disseram que �caram imaginando que omarshmallow fosse uma nuvem, um travesseiro ou qualquer coisa que nãopudessem comer. Até crianças pequenas foram capazes de autocontrole –quando usaram as estratégias certas.A pesquisa ganhou mais prestígio ao acompanhar a vida dessas criançasna adolescência e na idade adulta, revelando que o autocontrole é umacaracterística duradoura. Aquelas que conseguiram resistir por mais tempo àtentação aos 4 anos de idade obtiveram melhores notas na escola quandoadolescentes e também melhores notas no SAT, uma avaliação para oingresso na universidade. Quando adultas, essas crianças até pesavam menose tinham um índice de massa corporal (IMC) mais baixo.3 O retardamentoda grati�cação, como foi chamado, parecia ser uma capacidadesociocognitiva fundamental, inversamente ligada à impulsividade geral ediretamente à consciência e ao controle executivo – uma característica quepode proporcionar benefícios por toda a vida.Esses resultados foram muito divulgados pela mídia. Pais ambiciosos�zeram o experimento do marshmallow com os próprios �lhos para prever osucesso deles no futuro. Parecia uma maneira infalível de testar se umacriança seria ou não bem-sucedida.A pesquisa foi tão icônica que acabou sendo incorporada a um dosprogramas de TV mais adorados dos Estados Unidos, o Vila Sésamo. Com oaumento da obesidade infantil, o autocontrole da alimentação tornou-sesocialmente importante. O personagem Come-Come, também conhecidocomo Cookie Monster, o voraz boneco azul que comia de tudo,principalmente biscoitos de chocolate, foi educado para controlar seusimpulsos. No programa, o Come-Come jogava o Jogo da Espera, em quepodia obter dois biscoitos, em vez de um, se conseguisse esperar. Em um dosepisódios, primeiro ele se distraiu cantando. Mas a música logo começou aexpressar quanto ele queria os biscoitos. Depois imaginou que o biscoito erauma imagem numa moldura, mas considerou isso impossível. Tentou seconcentrar num brinquedo, mas �cou entediado. Imaginou que o biscoitofosse um peixe malcheiroso. Finalmente, o torturante tempo de espera seesgotou e ele ganhou os dois biscoitos.A luta do Come-Come representa a essência do autocontrole. Pensamosnisso como resistir à tentação, inibir e conter o impulso. As batalhas doCome-Come contra o desejo eram divertidas de assistir e projetadas paracriar um personagem, mas claramente ele não estava se divertindo.As crianças do estudo original demonstraram a�ição com a espera. Sevocê procurar na internet, encontrará vídeos replicando o experimento domarshmallow. Em um deles, uma menina bonita com uma �ta alaranjada nocabelo tenta resistir à tentação. Ela pega o marshmallow, sente seu aromacom uma expressão desejosa, mas o devolve ao prato. Depois de algumtempo, a tentação é irresistível e ela come um pedacinho e depois outro. Fazuma careta e desvia o olhar, tentando se concentrar em outra coisa. No �m,não resta mais nada do doce e ela não recebe a recompensa de um segundomarshmallow.Contudo, existe um aspecto crucial nessa história de autocontrole que foiignorado pela mídia e pelos roteiristas do Vila Sésamo. Um aspecto querevela um lado muito diferente do autocontrole – um lado útil para quemdeseja adquirir um novo hábito e não ceder à tentação.Os estudos de Stanford provaram a importância das situações. Nosexperimentos originais, algumas crianças podiam ver o tentadormarshmallow enquanto esperavam, enquanto outras não o viam.4 O cenárioera o mesmo para todas – elas podiam pegar o marshmallow quandoquisessem. Mas, para algumas, o marshmallow não estava à vista. Quando aguloseima estava escondida, as crianças conseguiam esperar cerca de 10minutos. Quando estava à vista, só conseguiam esperar seis. Esses quatrominutos revelam muito sobre o poder limitado do eu no autocontrole. Talveznão seja tanto uma atitude inerente, e sim um re�exo das situações em quenos encontramos.Os resultados na vida adulta con�rmaram esse poder inerente àssituações. Conseguir esperar mais tempo quando a guloseima estava ocultanão levou a melhores resultados na vida. A espera foi possível para muitascrianças. Só quando o marshmallow estava disponível, tentadoramentevisível, é que a capacidade de esperar resultou em altos desempenhos quepersistiram ao longo da vida.A lição aqui é motivo de otimismo para os 75% de nós que quandocrianças não conseguimos aguentar a tentação e continuamos a sucumbirquando adultos. Se estivermos na situação certa, podemos obter resultadossemelhantes aos dos que são mais disciplinados. Mesmo se não tivermos essa“disposição” em tenra idade, podemos organizar nosso mundo de modo apermitir o sucesso mais tarde.Havia outra opção para combater as tentações, muito enaltecida pelospesquisadores originais: con�ar no controle consciente. Apenas pense emalgo diferente da coisa tentadora – naqueles sapatos chiques ou naqueledispositivo eletrônico que tanto o atrai. Porém, como vimos no capítuloanterior, o controle cognitivo é trabalhoso e transitório. Ter um pensamentofeliz pode ser o su�ciente para ajudar uma criança a esperar mais algunsminutos numa sala de laboratório, mas não está claro se funciona por muitotempo na vida cotidiana.Para estudar o autocontrole no cotidiano, pedimos que estudantesinformassem todas as vezes que pensassem “Opa, eu não devo fazer isso” – oque acontecia com mais frequência quando eles dormiam demais e �cavamacordados até tarde, quando comiam demais, procrastinavam ou sentiampreguiça.5 Eles relataram uma média de dois a três desses pensamentos pordia e registraram o que �zeram, caso �zessem alguma coisa, para assumir ocontrole. Quando mais tarde comentaram sobre as ocasiões em queconseguiram se conter diante das tentações, a distração foi uma dasestratégias menos e�cazes. O vencedor indiscutível? Controle do estímulo. Osestudantes venciam a tentação quando se afastavam da situação ou daoportunidade de fazer a coisa tentadora. Quando saíam do apartamento comuma cama confortável e iam estudar na biblioteca ou quando jogavam fora oúltimo pedaço de bolo de chocolate para não comer no dia seguinte. Mesmopara os adultos, o autocontrole efetivo implica esconder o marshmallow.Poucos de nós pensamos que o autocontrole provém das situações emque nos encontramos. Essa é a ética protestante na raiz da cultura americana.Os puritanos acreditavam que a autoindulgência era o caminho para adanação eterna. Com sua abnegação e privações pessoais, sinalizavam queestavam entre os poucos escolhidos que entrariam no céu. É difícil levar issoa sério; os puritanos também acreditavam em queimar bruxas na fogueira.Mas o valor que atribuíam à abnegação pessoal exerce in�uência até hoje.O mundo é muito mais complicado do que uma sala de testes, e suastentações são muito mais so�sticadas do que marshmallows. Precisamosanalisar o que é considerado autocontrole no mundo real para entender oque de fato é autocontrole e como as pessoas o usam com sucesso.Primeiro, vamos avaliar a nós mesmos. June Tangney, Roy Baumeister eAngie Boone elaboraram uma escala para medir quanto de autocontrole cadaum de nós pode exercer.6 Essa escala é muito usada e supostamente avalianossa “capacidade de superar ou alterar respostas internas, bem como deconter tendências comportamentais indesejadas e nos abster de agir deacordo com elas”.As perguntas se enquadram em dois grupos. Avalia-se a autodisciplina(ou a falta dela): “Eu sou bom em resistir à tentação” e “Eu rejeito coisas queme fazem mal”; ou “Eu sou preguiçoso” e “Falo tudo o que penso”. Outroconjunto de perguntas é sobre a capacidade de realizar importantes objetivospráticos, da maneira que for: “Eu como alimentos saudáveis”, “Mantenhotudo arrumado” e “Eu sempre chego na hora marcada”, ou seus opostos.Milhares de estudos têm usado essa escala. Assim como o teste domarshmallow com a tentação exposta, os resultados demonstram que pessoasque obtêm uma maior pontuação em autocontrole conseguem ter maissucesso na vida do que as que alcançam uma classi�cação mais baixa.Nas universidades, estudantes com pontuações mais altas tiram asmelhores notas.7Nos relacionamentos, parceiros com notas mais altas tendem a seenvolver menos em brigas conjugais.8 Até um parceiro perfeito pode seatrasar para um encontro, esquecer um compromisso ou ignorar asnecessidades do outro. Pessoas com pontuação mais alta na escala nãotransformam essas ocasiões em con�itos. Elas perdoam.Pais com maior controle executivo dão mais apoio e cuidam melhor dos�lhos. Quando os �lhos se rebelam, como inevitavelmente acontece –mostram-se desobedientes, ignoram os conselhos ou �cam emburrados ehostis –, os pais podem reagir de várias maneiras. Aqueles que dispõem demaior autocontrole sabem modular suas respostas e não aumentar o drama.9Conseguem ajudar os �lhos a lidar com os próprios sentimentos e a aprendercom situações frustrantes.Pessoas com pontuação superior têm melhores classi�cações de crédito eeconomizam mais para a aposentadoria, como mostrado em um estudosueco. Elas quitam dívidas do cartão de crédito e mantêm o controle de suasdespesas.10Pessoas com pontuação mais alta também são mais saudáveis e não têmproblemas de peso. Em um estudo que acompanhou pessoas na Suíça porum período de quatro anos, aquelas que tinham mais autocontrole comiamalimentos mais nutritivos, não costumavam exagerar e mantinham um pesosaudável.11Ter uma alta pontuação na escala de autocontrole traz benefícios.Você écapaz de cumprir uma série de objetivos na vida. Mas a escala só vai até aí.Não diz muito sobre o que as pessoas fazem para alcançar todos essesresultados maravilhosos. Em termos objetivos, os itens da escala parecemmedir a capacidade de negar os prazeres da vida e de estar consciente. Essatem sido a suposição da maioria dos pesquisadores: pessoas com um bomautocontrole usam táticas estoicas para renunciar a prazeres imediatos emfavor de recompensas de longo prazo – como na ética de trabalho dosprotestantes.O primeiro indício de que talvez o autocontrole não funcione dessaforma surgiu de um estudo de 2012 com alemães da cidade de Würzburg.12Primeiro eles �zeram o teste da escala de autocontrole. Em seguida,receberam um dispositivo que soava sete vezes por dia. Assim como noexperimento do Capítulo 2, os participantes respondiam quando ouviam osinal sonoro. Nesse estudo, respondiam se tinham sentido algum desejo ouvontade nos últimos 30 minutos. Na metade das vezes em que foramrequisitados, os participantes a�rmaram ter sentido algum desejo durante ameia hora anterior. Os desejos mais comumente relatados foram comer,dormir e beber, seguidos por uso de alguma mídia, lazer, contato social eatividades relacionadas à higiene.Os participantes também informavam se o desejo (se tivesse semanifestado) entrava em con�ito com algum objetivo pessoal. Por exemplo,o desejo de voltar a dormir poderia interferir no objetivo de chegar aotrabalho a tempo. A vontade de comer sobremesa entraria em con�ito com oobjetivo de emagrecer. Cerca de metade dos desejos estavam em desacordocom algum objetivo.Por �m, os participantes registraram se estavam tentando resistirativamente a esses desejos. Sentiram que precisavam se controlar?Consideraram medidas completas ou parciais: comer um pedaço, mas nãotoda a barra de chocolate. Tentar não falar sobre política com alguém.Decidir por não fazer uma compra. Qualquer coisa que pudessem avaliar edizer: eu �z isso em vez daquilo. Em geral, os participantes se saíram bem noexercício do autocontrole: quando sentiram algum desejo inconveniente e oexerceram para não ceder à vontade, tiveram sucesso em 83% das vezes.Em seguida, os pesquisadores colocaram em prática algo engenhoso.Compararam esses resultados com os do questionário de autocontrole a quetodos os participantes responderam antes do experimento. Intuitivamente,qual deveria ser o resultado? O esperado era que os participantes compontuação mais alta na escala de autocontrole constituíssem a maior partedos 83%. O autocontrole é uma negação radical, certo? E acreditamos quealgumas pessoas são mais fortes do que outras desde a mais tenra idade.Não foi isso que a equipe de pesquisadores concluiu. Os participantescom as maiores pontuações no teste de autocontrole poucas vezes disseram terresistido a algum desejo, ponto �nal. Eles apenas não sentiam muitos desejosinconvenientes. Não sentiam muitos impulsos con�itantes com seusobjetivos. Pareciam conseguir evitar totalmente as tentações. Viviam com omarshmallow escondido quase o tempo todo.Os participantes com baixa pontuação no teste de autocontrole tiveramque batalhar mais. Eles sentiram muitos desejos inconvenientes quecon�itavam com seus objetivos. Precisaram resistir arduamente paracontrolar seus impulsos. Tiveram que continuar lutando contra a tentação,num cabo de guerra constante e infeliz com seus desejos inconvenientes.Obviamente, é provável que pessoas com baixo autocontrole na escala cedama todos os desejos sem nem tentar restringi-los. No entanto, nesse estudo, aspessoas com pouco autocontrole ao menos tentaram exercer o controle,ainda que não tenham sido muito e�cazes.Ao que parece, o esforço da abnegação é o recurso de pessoas com baixapontuação na escala de autocontrole. Elas se envolvem em situações difíceis,que exigem uma ação imediata. Mas controlar impulsos é como tapar o solcom a peneira. É uma solução de curto prazo, que só funciona naquelemomento. De maneira geral, são as pessoas que não cumprem todas as metasde longo prazo importantes – ter boas notas na escola, ser mais felizes nosrelacionamentos, apoiar e cuidar bem dos �lhos, ter uma boa classi�cação decrédito e uma reserva �nanceira adequada para a aposentadoria, gozar deboa saúde e estar dentro do peso ideal.Assim, o estudo mostra que pessoas com bom autocontrole não têm umavida abnegada e cheia de p rivações. De alguma forma, elas administrammelhor a vida. Mas o que fazem para serem tão bem-sucedidas?Não vou protelar a resposta. Elas têm bons hábitos.A evidência vem de estudos em que as pessoas avaliaram seuautocontrole e depois con�rmaram uma série de comportamentos saudáveis:atividade física, alimentação balanceada e boas horas de sono.13 Como era deesperar, pessoas que obtiveram maior pontuação na escala praticavam maisexercícios, comiam alimentos mais saudáveis e dormiam de forma maisregular. Aquelas que tiveram uma pontuação mais baixa não iam à academiacom frequência, comiam alimentos processados e mantinham padrõesirregulares de sono. Essas foram as descobertas em relação ao autocontrole.O mais revelador foi como esses participantes realizavam essas ações.Todos se lembraram da última vez que �zeram exercícios, por exemplo, eexplicaram como os praticaram. Os participantes com alta pontuação noteste disseram que saíam para se exercitar automaticamente, sem pensarmuito a respeito. Costumavam fazer isso nos mesmos horários e lugares. Eraparte da rotina. Mais uma vez, pessoas com bom autocontrole estavam sesaindo bem sem muito esforço. Não precisavam travar uma árdua batalhapara serem saudáveis.Se você conversar com alguém que corre 10 quilômetros regularmente,ele revelará que o primeiro quilômetro pode ser difícil. Talvez o últimotambém. Mas, uma vez começada a corrida, a pessoa não pensa muito emparar nem se sente desconfortável. Quem tem um forte hábito de correr nãopensa muito no que está fazendo. Essas pessoas têm um padrão de�nido e oseguem. Não estão tomando decisões. Esta é uma implicação muitoauspiciosa: a pior e mais trabalhosa corrida será a primeira. Ou talvez asegunda. Mas o esforço não dura muito (na verdade, se isso acontecer éporque você está fazendo algo errado). A formação do hábito eliminará seuesforço consciente.Isso também foi demonstrado num estudo sobre o sono e a alimentaçãosaudável.14 Pessoas com autocontrole podem levar uma maçã para o trabalhotodos os dias como lanche da manhã. Ou comer algumas amêndoas à noitedepois do jantar. Elas transformaram em rotina o consumo de lanchessaudáveis, que são consumidos todos os dias no mesmo horário e no mesmolugar. Não precisam pensar sobre isso, apenas seguem a rotina.Para dormir o su�ciente, mais uma vez as pessoas com autocontroleformaram hábitos bené�cos que lhes permitiram agir sem di�culdades.Desligavam as telas (TV, celular, computador) de modo a ir para a cama nomesmo horário todas as noites e programavam o despertador para o mesmohorário todas as manhãs. Elas a�rmaram que faziam isso automaticamente,sem pensar. Não travavam uma batalha consigo mesmas para jogar só maisuma rodada de videogame ou continuar lendo as mensagens no Twitter. Paraelas o sono não envolvia o autocontrole.Até os adolescentes exercem “autocontrole” dessa maneira. Para 109adolescentes inscritos em um retiro de meditação de cinco dias, a jornadacomeçava às 6h30 e terminava por volta das 22h30.15 O programa eraconstituído por longos períodos de meditação sentada e andando, além deuma série de exercícios curtos de atenção plena. Os alunos não conversavamdurante metade do dia. Os celulares eram proibidos.Mas o retiro era apenas um procedimento preliminar. Os pesquisadoresqueriam averiguar se os adolescentes continuariam meditando quandosaíssem de lá. Todos tinham feito o teste de avaliação de “autocontrole”. Aotérmino doretiro, eles responderam a uma pesquisa dizendo se pretendiammeditar nos três meses seguintes – se fariam isso na maioria dos dias ou sóde vez em quando. Você já deve ter previsto o resultado: depois desseperíodo, os adolescentes que pontuaram mais alto na escala de autocontroleforam os que atingiram seus objetivos de meditação. Eles se mantiveram �éisaos planos. Se pretendiam meditar, eles meditaram. Como muitos outrosestudos demonstraram, aqueles que pontuam mais alto obtêm muitosresultados positivos na vida.Porém, como mencionado, a escala não re�ete o autocontrole como nós oentendemos. Estudantes aplicados não tentaram inibir suas reações atentações. Eles explicaram que a meditação simplesmente tinha se tornadoautomática. Era algo que faziam sem pensar. Eles formaram hábitos demeditação. Quem tem mais autocontrole chega aos resultados desejados seorganizando, não lutando contra di�culdades.Pesquisas sobre a vida cotidiana dizem muito sobre como as pessoasfuncionam. Mas é uma imagem difusa, e é difícil ter certeza de que só ohábito pode levar ao sucesso. Por isso, o autocontrole foi testado emcondições de laboratório, onde todos são submetidos à mesma tarefa e sãojulgados na mesma escala.Uma revisão de 102 estudos sobre autocontrole avaliou o desempenhoem várias tarefas.16 Alguns envolviam comportamentos bené�cos, comofazer a lição de casa, usar preservativo e parar de fumar. Outros abordaramatividades mais prejudiciais, como maus hábitos alimentares, trapaças ebrigas conjugais. Como era de esperar, pessoas com mais autocontroletiveram atitudes mais bené�cas e menos prejudiciais.Além desse efeito padrão, os autores da revisão previram que aqueles quetivessem mais autocontrole se dariam especialmente bem em tarefas difíceis,que exigiam o controle executivo. A�nal, era isso que até recentementepensávamos que a escala de autocontrole media: a pura força de vontade. Noentanto, mesmo nesses estudos mais controlados os resultados nãocon�rmaram essa ideia.Na verdade, pessoas com boa pontuação no autocontrole tiveram umdesempenho melhor em tarefas automatizadas mais habituais do que as combaixo autocontrole. Aqueles que mais se “autocontrolavam” se mostrarammais pro�cientes na automatização. Os pesquisadores (que, curiosamente,incluíam Roy Baumeister, um dos criadores da escala de autocontrole)concluíram que “em geral o autocontrole pode funcionar mais na formação ena interrupção de hábitos. Por essa razão, pode ser mais e�caz ao estabelecere manter padrões estáveis de comportamento do que na prática de atosisolados de abnegação”.17Isso consolida a mudança na nossa compreensão do autocontrole. Aspessoas com alta pontuação parecem não fazer nada que a escala foiprojetada para avaliar. Elas não sentem muitos desejos inconvenientes, quasecomo se tivessem neutralizado as tentações de seu ambiente. Também sabemcomo formar hábitos, repetindo as tarefas nos mesmos horários e nosmesmos lugares. Veremos como a repetição comportamental isolada por sisó não é a melhor maneira de incrementar a formação de hábitos. Alémdisso, a coerência geral da experiência é fundamental. Nossa rotina matinalno chuveiro – lavar o cabelo com xampu, se ensaboar, se enxugar – acaba setornando uma estrutura con�ável para o cumprimento de objetivosimportantes da vida. Haveria algo mais que preferiríamos fazer? Nem sequerconsideramos essa possibilidade. Seguimos nossa rotina no banho sempensar em alternativas. Fazemos isso sem esforço ou estresse.É difícil abandonar a ideia de que pessoas com bom autocontrole têmalto desempenho por causa de sua força de vontade e abnegação. Mas se vocêouvir atentamente as pessoas bem-sucedidas, começará a notar os hábitosque lhes permitem atingir objetivos de maneira con�ável, sem muitasdi�culdades.Bill Gates, uma das pessoas �nanceiramente mais bem-sucedidas domundo, fundou a Microso e agora é dono de um patrimônio líquido decerca de 100 bilhões de dólares. Ele fala que precisou formar os hábitoscertos para se sair bem nos estudos e no trabalho. Em entrevistas, admite quesempre adiava o que tinha para fazer.18 Quando era aluno de Harvard, “eugostava de mostrar às pessoas que não fazia quase nada, não frequentava asaulas e não me importava com nada. As pessoas achavam isso engraçado”,declarou. “Essa era a minha atitude: o cara que não fazia nada até o últimominuto.” Gates estudava durante curtos “períodos de leitura” pouco antes dasprovas.19 Esse hábito funcionou para ele enquanto estudante, quandodemonstrou seu brilhantismo tirando quase sempre a nota máxima, mesmoque só �ngindo estudar.Contudo, quando saiu da faculdade dois anos depois, Gates descobriuque o mundo dos negócios não se impressionava com suas demonstrações degenialidade. “Ninguém me elogiava por eu fazer as coisas no último minuto”,admitiu. “Era um péssimo hábito, que levei alguns anos para superar.”20 Elepercebeu que precisaria ser mais parecido com os alunos que conheceu nauniversidade, “que sempre foram organizados e faziam tudo no prazo certo”.Bill Gates usa uma metáfora aeronáutica para explicar os hábitos quedesenvolveu nos negócios: “Os pilotos gostam de dizer que um bom pouso éresultado de uma boa aproximação.”21 Da mesma forma, “boas reuniões sãoresultado de uma boa preparação”. Ele aprendeu a enviar documentos edados por e-mail antes de uma reunião, para que os participantesanalisassem as informações previamente. As reuniões eram mais produtivase os colegas de Gates se bene�ciavam por não ter que aguentar o peso de suafamosa impaciência.O autocontrole torna-se algo simples quando você entende que envolvese posicionar na situação certa para desenvolver os hábitos certos.No meu laboratório, fomos além da avaliação de pessoas em relação à forçade seus hábitos. Criamos novos hábitos.Trabalhando com Pei-Ying Lin e John Monterosso, eu quis saber sepoderíamos criar hábitos que substituíssem o autocontrole – ou seja, hábitosque mantivessem as pessoas agindo de maneira bené�ca apesar das tentaçõese desejos de curto prazo.Junk food é uma tentação recorrente entre universitários, principalmenteno sul da Califórnia. Infelizmente, muitas jovens baseiam sua autoestima naimagem corporal e acham que engordar 10 quilos é uma das piores coisasque podem acontecer com elas.22 As mulheres que selecionamos para esseestudo queriam ser magras e saudáveis.23 O grande dilema era que elasgostavam muito dos confeitos de chocolate M&M. A questão era: será queessas mulheres conseguiriam aprender a automaticamente escolher legumesem vez de chocolate?O estudo usou um jogo de computador em que as participantes tentavamganhar cenouras de verdade (que elas tinham que comer) movendo ojoystick em direção a uma imagem de cenouras na tela. Quando as cenourasestavam disponíveis, elas sempre viam o mesmo estímulo, um turbilhão roxo,que era a imagem do meio da tela seguinte. As participantes jogavam ovideogame com fome, pois estavam sem comer havia três horas. Dessaforma, o jogo criou um hábito rudimentar muito básico de mover o joystickna direção das cenouras quando a imagem roxa aparecia. As participantesapontaram o joystick na direção das cenouras (nesse caso, para baixo) eganharam (e comeram) cerca de 18 cenourinhas cada uma.As participantes voltavam no dia seguinte, sempre com fome. Jogavamoutra vez e ganhavam mais cenouras. A essa altura, já tinham adquirido ohábito de mover o joystick em direção à imagem da cenoura. Faziam issorapidamente, sem pensar a respeito.Então veio a reviravolta. O jogo mudou. Agora elas podiam ganhar – ecomer – M&M ou cenoura, dependendo da direção em que apontassem ojoystick. O que elas fariam? Continuariam fazendo a escolha saudável dacenoura, apontando o joystick para baixo, ou cederiam à tentação?As mulheres que tinham desenvolvido um forte hábito de escolhercenouras reagiram antes de teruma chance de considerar a alternativa. Ohábito (mover o joystick para baixo quando a imagem roxa estava na tela)assumiu o controle, e as participantes passavam para a etapa seguinte dojogo. Mesmo quando podiam ganhar M&Ms, elas preferiram cenouras em55% das vezes. Nem preciso dizer que é uma porcentagem muito mais alta doque a que ocorreria no “mundo real”. De�nitivamente, pouca gente trocariaum chocolate por uma cenoura.O hábito fez algo especial, e de uma maneira muito simples – substituiu oautocontrole. As participantes comeram mais cenouras do que chocolate pelaforça do hábito. Montamos o experimento para simular a vida real – e asparticipantes concluíam um exaustivo comportamento de autocontrole antesde escolher o que comeriam. Com a redução do controle executivo, asparticipantes retomaram seus hábitos.Mas nem sempre os hábitos podem nos proteger dessa forma. Oexperimento mudou um pouco mais. Agora a imagem da cenoura foiinserida num local diferente da tela do computador, como você pode ver nailustração a seguir. E a �gura central virou uma imagem marrom serrilhada.Para escolher a cenoura, as participantes tinham que apontar o joystick emoutra direção (para a esquerda, conforme mostrado na imagem). Pela lógica,essas pequenas mudanças não deveriam fazer muita diferença. Contudo, aresposta habitual e mais fácil deixou de ser ativada. Agora as participantesprecisavam pensar sobre o que queriam e em que direção apontar o joystick.As cenouras deixaram de ser a escolha preferida. Elas preferiram o M&M em63% das vezes. Mesmo pequenas mudanças no estímulo e na respostalevaram as participantes a tomar decisões conscientes e a depender docontrole executivo e da força de vontade.O estudo virou o senso comum de cabeça para baixo. Imaginamos que adeliberação e a força de vontade sejam o caminho para saúde, felicidade esucesso. Entregar-se a guloseimas proibidas (como confeitos de chocolate emarshmallows) deveria ser a ação que exige pouca re�exão. Em vez disso,quando você tem os hábitos certos acontece o contrário. É quando vocêpensa que pode se desviar dos seus planos e objetivos.Se você souber estabelecer um hábito, as ações bené�cas podem se tornarsuas escolhas padrão. Seu melhor eu, seu hábito, vai prevalecer quando vocênão estiver pensando.Ao que parece, os bons efeitos que normalmente atribuímos ao autocontrolesão captados com mais precisão pelo controle situacional.24 Os estudos e ashistórias já citados estabeleceram esse mecanismo, um mecanismo que vaiembasar todos os aspectos da formação de hábitos. Um hábito acontecequando um estímulo de contexto é associado a uma resposta grati�cante quese torna automática, sendo absorvida por aquele segundo eu silencioso etrabalhador. É isso aí. Estímulo e resposta. Observe que nesse mecanismonão há espaço para você. Você não faz parte disso, não como talvez imagine.Você – seus objetivos, sua vontade, seus desejos – não tem nenhum papel adesempenhar no que diz respeito aos hábitos. Os objetivos podem orientá-loa criar um hábito, mas seus desejos não fazem os hábitos funcionarem. Naverdade, seus hábitos só têm a ganhar se você não se meter no processo.PARTE IIAS TRÊS BASESDA FORMAÇÃODE HÁBITOS6CONTEXTO“Hábito é um acordofirmado entre o indivíduoe seu ambiente.”– SAMUEL BECKETTSe você pudesse entrar numa máquina do tempo e sair numa grande empresanos anos 1950, esperaria ver algumas coisas diferentes. Na série de TV MadMen, há poucas mulheres e não existe computador. Não há copos de papel(mas talvez muitas canecas). A bagunça é enorme e há muitos papéis, mastambém muito mais espaço. Os ambientes sem divisórias ainda não tinhamsido adotados. Mas uma coisa deixa você chocado, mesmo sabendo quedeveria esperar por isso, mesmo se estivesse intelectualmente ciente de queseria assim: as pessoas fumam muito – em ambientes fechados. Elas fumamquando chegam de manhã, nas reuniões, durante o almoço e a caminho decasa. Inclusive as (poucas) mulheres. Para elas, isso parece simbolizar umaespécie de igualdade de gênero (visivelmente ausente em outros aspectos,mais importantes). Os homens fumam como chaminés. Supõe-se que sejauma atitude chique, viril ou as duas coisas. É claro que são todosirremediavelmente viciados. Você volta à sua máquina do tempo e retorna aoséculo XXI. Nós com certeza ainda não descobrimos tudo, mas a qualidadedo ar é bem melhor.O cigarro atingiu seu auge nos anos 1950 nos países industrializados.Quase metade da população dos Estados Unidos fumava regularmente,1 bemcomo quase 80% dos habitantes do Reino Unido. Muitos médicos diziam quenão havia problema em fumar com moderação. Posteriormente as pesquisasmédicas começaram a descobrir o que agora todos sabemos muito bem. Ospesquisadores ingleses Richard Doll e Richard Peto apresentaram asprimeiras evidências de que o cigarro estava ligado ao câncer. Fumar reduz aexpectativa de vida em até 10 anos.2Em 1952, a revista Seleções americana publicou um artigo sobre o assuntointitulado “Cancer by the Carton” [Câncer em pacotes]. A Seleções tambématingiu seu auge na década de 1950, por isso milhões de pessoas tiveramacesso a esse artigo. O alerta foi assustador, mas a taxa de fumantes caiuapenas ligeiramente. As empresas de tabaco reagiram. Tentaram acalmarquaisquer temores incipientes colocando �ltros nos cigarros e aumentando apublicidade. As pessoas continuaram fumando.Nos Estados Unidos, o ponto de virada surgiu com o famoso relatório de1964 da instituição equivalente ao nosso Ministério da Saúde. Os dados eramclaros: o tabaco era (e, infelizmente, continua sendo) a principal causa demorte evitável no país. Dessa vez foi diferente. Quer dizer, mais ou menos.As pessoas �nalmente estavam preparadas para acreditar. As opiniões logomudaram depois do relatório. Cinco anos após a publicação, cerca de 70%dos americanos reconheciam que fumar fazia mal à saúde.3 Em 1966,começaram a ser aplicadas advertências nos maços de cigarros.Entretanto, assim como comer frutas e legumes, o conhecimento não setraduz instantaneamente em ação. Em 1964, 40% dos americanos eramfumantes. Em 1973, 40% continuavam fumantes.4O vício tinha um papel signi�cativo. O poder da nicotina em criardependência costuma ser comparado ao da heroína e da cocaína. Mas vocêsabe como essa história termina – não da maneira que poderia terterminado, em vista do que aconteceu com a campanha de frutas e legumes ea dependência da nicotina. O que aconteceu foi que muitas pessoas pararamde fumar, e muitas outras nem sequer começaram. Na verdade, atualmentesomente cerca de 15% dos americanos e 28% dos europeus fumam.5 Grandesáreas dos Estados Unidos são isentas de fumaça de cigarro. O país reduziu otabagismo a mais da metade em cerca de 50 anos.A taxa de sucesso não é tão boa quanto poderia ser, ainda mais entrepessoas de baixa renda, em parte devido ao grande número deestabelecimentos que vendem cigarro em seus bairros e aos preçosenganosamente baixos nesses locais (por exemplo, com promoções e cuponsde desconto).6 Ainda assim, houve uma redução impressionante, tanto paraleigos quanto para cientistas sociais. Isso mostra a possibilidade de mudançaem toda a sociedade. E mostra como podemos fazer essa mudança acontecer.Informar os fumantes sobre os riscos teve apenas um leve impacto nastaxas de tabagismo. Mesmo depois do relatório de 1964 do órgãogovernamental alertando sobre os perigos, a venda de cigarro nos EstadosUnidos continuou crescendo até 1980.7 Para domar os hábitos, aconscientização não chega a ser um forte fator de mudança.A força de vontade também não ajuda muito, não quando a luta é contraa nicotina. Os Centros para Controle de Doenças do país informam que 68%dos fumantes dizem querer parar de vez.8 Mas fracassam em suas tentativas.9Apenas cerca de um em cada 10 realmente consegue parar de fumar.10Amaioria acaba tendo uma recaída, normalmente depois de uma semana.Parar de fumar pode exigir 30 ou mais tentativas.11 Tentar parar várias vezesaté en�m conseguir requer um autocontrole quase sobre-humano. Paradeixar claro, o fato de alguns fumantes tentarem parar 30 vezes ou mais nãodeve ser considerado um fracasso estrondoso e contínuo da parte deles, e simum notável sinal de persistência. Essas pessoas mostram uma força devontade impressionante ao continuarem tentando.Você já deve saber aonde quero chegar: essas pessoas superpersistentesnão são como o resto de nós. Então, o que funcionou para nós? Seconhecimento e força de vontade não eram a resposta, o que funcionou?Como tantos americanos conseguiram parar de fumar?Em 1970, espectadores de todo o mundo grudaram seus olhos natelevisão por causa dos marcantes eventos da Apollo 13. Primeirohorrorizados, depois surpresos e em seguida aliviados: nós nunca maisveríamos algo igual. Porém, havia mais uma coisa que os americanos nuncamais veriam na TV: um anúncio divulgado em dezembro daquele ano com amensagem “Você percorreu um longo caminho, querida”. Para sugerir quefumar era tão emancipatório para as mulheres quanto o direito de votar,antissufragistas com roupas do século XIX expressavam sua oposição às duascoisas ao som de uma opereta de Gilbert e Sullivan. O anúncio vendia ocigarro Virginia Slims, e foi a última vez – mesmo! – que passou umapropaganda de cigarro na TV americana. Podemos agradecer ao presidenteNixon por ter assinado a Lei de Saúde Pública sobre Tabagismo.12Outras manifestações públicas envolvendo o hábito da nicotina tambémdesapareceram. Você se lembra das máquinas de vender cigarros? De fumarnas praias? Nos trens? Nos escritórios?As leis de controle do tabaco mudaram o ambiente para os americanosque fumam. De várias maneiras, essas leis literalmente tornaram o ambientedos fumantes menor e menos contíguo. Os fumantes passaram a ter quedescer de elevador até o térreo e sair do prédio. Quando o ambiente mudou,o hábito também mudou. Podemos veri�car isso empiricamente. O fato decada estado norte-americano ter leis antifumo diferentes signi�ca que temosum conjunto de variáveis para comparar e contrastar. Isso fornece umaespécie de experimento natural para identi�car políticas que funcionam.Por exemplo, é proibido fumar em locais de trabalho, restaurantes e baresem pelo menos 28 estados, bem como em muitas cidades e condados.Consequentemente, cerca de 60% da população dos Estados Unidos nãopode fumar na maioria dos lugares além de suas casas e carros.13Essas proibições parecem ser e�cazes.14 Dos 10 estados com as menorestaxas de fumantes, nove têm leis que proíbem fumar nos locais de trabalho eem bares e restaurantes.15 Os três estados com as maiores taxas de fumantes(Kentucky, Virgínia Ocidental e Mississippi) não contam com essas leis.Neles, quase um em cada três habitantes fuma.Proibições não mudam o desejo, somente colocam o hábito de fumar emcon�ito direto com sanções legais, um con�ito que os hábitos tendem a nãovencer. Um estudo com 65 fumantes recrutados em bares do Reino Unido éespecialmente esclarecedor em revelar a natureza desse con�ito.16 Osparticipantes sabiam que, como era proibido fumar, eles seriam multadoscaso isso acontecesse. Mas o estímulo de acender um cigarro – ao entrar nobar e tomar uma bebida – continuou sendo ativado. Quase metade dostestados no estudo começava a fumar involuntariamente assim que entravano bar. Para eles, fumar era automático: entrar no bar signi�cava acender umcigarro.Os comentários deles revelaram uma verdadeira batalha: “Sim, eulembrei assim que acendi o cigarro e saí”, “Sim, �z isso na semana passada. Éuma coisa que eu faço há anos, e é difícil abandonar velhos hábitos”, “Eucolocava o cigarro na boca, mas me lembrava a tempo. Isso aconteceu váriasvezes”.A luta não era tanto contra a nicotina. Sabemos disso porque não faziadiferença se os participantes fumavam muito ou só ocasionalmente.Fumantes mais inveterados não se saíram pior do que os mais moderados. Oculpado era o hábito e apenas o hábito. No início do estudo, antes de a leientrar em vigor, foi perguntado aos frequentadores de bares se eles acendiamo cigarro automaticamente, sem pensar a respeito. Esses eram os fumanteshabituais. Depois da proibição, os fumantes mais inveterados acendiam ocigarro sem pensar. O hábito ignorava a nova lei.Uma proibição como a de fumar interrompe o mecanismo do hábito:“percepção do estímulo; execução da resposta”. Pessoas que sentiam oestímulo de fumar no escritório ou em restaurantes agora tinham motivoslegais para conter a resposta automática. Elas tinham motivação para anularconscientemente a ação de fumar estimulada pelo ambiente.O con�ito entre o hábito (fumar aqui) e a tomada de consciência (agora éilegal) tende a diminuir com o tempo. À medida que as pessoas obedecemvárias vezes a uma proibição, seus hábitos vinculam-se a outros lugares, ondeelas podem fumar. Nesse caso, o hábito de fumar em bares se torna maisinconveniente, algo bom para a saúde. Os fumantes precisam interromper aconversa, deixar a bebida, levantar, sair e passar alguns minutos ao ar livre noclima britânico.Outra restrição ao hábito de fumar são os impostos sobre cigarros. Emmédia, nos Estados Unidos cerca de metade do custo de um maço decigarros deve-se a impostos federais, estaduais e regionais.17 Habitantes deestados com impostos mais altos fumam menos. Em 2018, o Missouri tinha oimposto mais baixo, uma sobretaxa de 17 centavos de dólar;18 22% dosmoradores desse estado fumam.19 Nova York tinha o imposto mais alto, comuma taxa de 4,35 dólares. Só 14% dos moradores do estado fumam.Para cada aumento de 10% nos impostos cobrados em um maço decigarros, o hábito de fumar entre adultos cai em média 4%.20 Não hánenhuma mágica especial: quanto mais caro custar o cigarro, menospodemos comprar.Os efeitos do ambiente no hábito de fumar tornam-se evidentes com asforças adicionais aplicadas por lei. Já vimos que as empresas de tabaco sãoproibidas de anunciar na televisão. Mas vai muito além disso. Na maioria doslugares, as lojas não podem anunciar cigarros ou expor o produto em locaisonde os clientes possam pegá-lo diretamente. Os compradores precisampedir os cigarros ao vendedor num balcão. Todos já �camos numa �laesperando enquanto alguém explica ao funcionário da loja: “Eu quero ummaço de Camel Blues... Não, não esse... O de cima, o light.” Ter que fazer issotoda vez se torna outro obstáculo para fumar.No entanto, será que todas essas mudanças são mesmo su�cientes parareduzir o consumo de algo tão viciante? É fácil se tornar dependente denicotina. Será de fato possível que uns poucos inconvenientes consigamvencer essa luta?A exposição aos estímulos do tabaco foi avaliada em Washington D.C.num estudo com 475 ex-fumantes.21 Durante um mês, os participantesinformavam todos os dias quanto ansiavam por um cigarro. Como era deesperar, muitos tiveram recaídas e voltaram a fumar nos dias em que sentiammuita vontade. Esses anseios saturam a nossa mente consciente e direcionamnossas decisões.Mas essa não foi a maior revelação. Os participantes que desejavam pararde fumar concordaram em ter sua localização rastreada pelo celular. A áreade Washington D.C. é geogra�camente codi�cada, por isso os pesquisadoressabiam dizer quando os participantes estavam perto de estabelecimentos quevendiam cigarro. Eles iam a essas lojas por vários motivos, inclusive paraabastecer o carro, comprar mantimentos ou até mesmo um maço de cigarros.A maioria das pessoas imagina um fumante reincidente pegando umcigarro depois de um longo con�ito, uma batalha contra os desejos. Avontade aumenta... e o fumante perde essa luta. Os próprios pesquisadorespreviram que a recaída aconteceria quando a vontade se juntasse àoportunidade decompra. Basta inverter as polaridades e você tem o exemploda minha prima, a que quer praticar exercícios: sua vontade de correrdiminui e ela perde a batalha contra a vontade de ser sedentária. Emboraconvincentes, esses modelos não captam a maneira como nossas ações sãomantidas pelo hábito. Eles descrevem como reagimos a tentaçõesmomentâneas.Com o cigarro, a recaída funcionava da seguinte maneira: aqueles queestavam tentando parar podiam entrar numa loja informando desejo zero.Ou seja, eles marcaram zero para a pergunta “No momento, quanto vocêquer fumar?”. Quando o estabelecimento vendia cigarro, os fumantes eramexpostos a estímulos familiares de compra. Talvez vissem outra pessoalevando um maço de cigarro, por exemplo. Talvez vissem de relance suamarca preferida no lugar de sempre atrás do balcão. Bastavam esses estímulospara causar a recaída. Aqueles que desejavam parar de fumar saíam doestabelecimento com um maço na mão. E então voltavam a fumar.As implicações das políticas de saúde em relação ao tabaco são claras:devemos valorizar leis que restringem os pontos de venda. Não há maismáquinas oferecendo maços de cigarros quando entramos num restaurante.Não há mais anúncios piscando na tela exibindo cigarros. Ninguém maisacende um cigarro num bar fechado. Apesar do poder viciante da nicotina,os estímulos em nosso ambiente cotidiano desempenham um papelimportante na atitude de fumarmos ou não. O contexto do ambiente facilitaou di�culta o ato de fumar de maneiras que nosso consciente não entende.Dar �m ao cenário restringe o ato de fumar. Se queremos contra-atacar osestragos causados pelo tabaco, não devemos encarar sua arma maispoderosa: a dependência. Devemos �anquear e desbastar.O controle do tabaco obteve um sucesso estrondoso. Há muitas liçõespara aprendermos.O renomado psicólogo Kurt Lewin acreditava que nosso comportamento éin�uenciado por forças, assim como os objetos no mundo físico estãosujeitos à gravidade e a outras forças fundamentais.22Algumas das pressões que agem sobre nós vêm de dentro de nósmesmos, na forma de objetivos, sentimentos e atitudes. Essa é a parte donosso mundo, ou espaços vitais, que nos re�ete como pessoas. Se você quercomeçar a dormir por mais tempo, por exemplo, esse desejo é uma força queo motiva a se deitar mais cedo e abrir mão das telas em seu quarto. Se vocêdecidir que precisa trabalhar até tarde uma noite, isso será uma forçarestritiva para o sono, algo que o manterá acordado.Para Lewin, os contextos em que nos encontramos (que ele chamou de“ambientes”) também geram forças sobre nosso comportamento.Contexto refere-se a tudo ao seu redor – tudo menos você. Inclui o localem que você está, as pessoas que o acompanham, a hora do dia e as ações queacabou de executar. Até seu celular representa um contexto, que é ao mesmotempo físico e um espaço virtual externo a você. Essas são as forças externasque motivam ou restringem nossas ações. Assim, na famosa equação deLewin, o comportamento é uma função entre a pessoa e ocontexto/ambiente. Em termos técnicos, poderíamos registrá-lo numafórmula: C = f (P,A).As forças de restrição são como uma espécie de atrito que impede a ação.O atrito desempenha um papel importante em nossas vidas materiais –quando pisamos no freio ao dirigir, acendemos um fósforo ou andamos pelarua, estamos contando com o atrito. Também está presente no pensamentoeconômico. Os economistas lamentam o atrito decorrente do tempo, doesforço e dos custos entre um fornecedor e um cliente, reduzindo astransações e causando ine�ciências.Lewin usou esses princípios de campo de força para explicar quandoqueremos mudar nosso comportamento. Em seus termos, as leis de controledo tabaco são forças restritivas que aumentam o atrito com o hábito de fumar.No entanto, outros aspectos do nosso contexto também podem nos levar afumar, reduzindo esse atrito. Você pode ver alguém acendendo um cigarro, oque o faz lembrar que não fuma há algum tempo. O fato de uma forçaexterna estar motivando ou restringindo, impondo ou removendo o atrito,depende do comportamento e das forças em questão.Podemos pensar em nossa vida levando em consideração seus próprioscampos de força. Sim, cada um de nós é fonte de algumas dessas forças, masos contextos também têm poder na motivação ou na restrição de ações.Podemos deliberadamente tirar proveito de alguns redutores de atrito nanossa vida. Sabemos que é mais fácil economizar programando umatransferência automática de parte do nosso salário para uma poupança.Apesar da dor inicial, acabamos por não perceber a redução do dinheirodisponível para nossas despesas. Ao automatizar essas forças motrizes, nóseconomizamos em todos os dias de pagamento.As estratégias de marketing são algumas das forças mais óbvias no nossocontexto diário. Uma força motivadora clássica para reduzir o atrito nascompras é a pergunta “Você também vai querer batatas fritas?”. Esse simplesacréscimo ao pedido de uma refeição para viagem nos incentiva a comermais fritura. Podemos responder “sim”, mesmo que não tenhamos intençãode comprar nada.As forças motivadoras também são responsáveis por boa parte do hábitode assistir a vários episódios seguidos de uma série na Net�ix ou no PrimeVideo, pois o episódio seguinte começa sem você precisar mover ummúsculo ou tomar uma decisão. O contexto do streaming já o leva aopróximo episódio.Os varejistas estão sempre criando novas forças para vender, como ascompras casadas em lojas físicas e virtuais. Como consumidor, você podecomprar imediatamente um artigo que vê on-line e ir buscá-lo numa loja. Asforças motivacionais vinculam a conveniência das compras on-line com oimediatismo da aquisição, além do bônus de economizar no frete. Osvendedores se bene�ciam tanto do seu impulso inicial de compra on-linequanto do potencial para aquisição de outros itens que estão na loja. Existeaté um nome para navegar na internet e comprar em vários canais: varejomulticanal.Empresas de aplicativos de transporte, como a Uber, foram planejadassob o princípio de um mínimo de atrito. Como me explicou o professor M.Keith Chen, ex-chefe de pesquisa econômica da Uber,23 a intenção era “serum produto acionado apenas por um botão. Ao abrir o aplicativo, o GPS docelular já sabe onde você está [...] você nem precisa pensar nisso. Bastaapertar uma tecla e dizer ‘Eu preciso de um carro’. O veículo chega, vocêentra, diz ao motorista aonde deseja ir e sai sem mexer em dinheiro. Tudo foifeito via aplicativo. Você nem chegou a ver o preço”.Ele continuou: “Todo mundo chamava de ‘sem atrito’, era um termopopular no Vale do Silício. A intenção era oferecer algo o mais próximopossível da magia. Para os primeiros usuários era mágico. Eu aperto umatecla no meu celular e de repente alguém aparece e me leva aonde eu quiser?É incrível.”Entretanto, o aumento dos preços mudou tudo isso. “Traçamos umquadro psicológico errado do ponto de vista do passageiro”, explicou Chen.“Ele se sentiu prejudicado. Rompeu o modelo sem atrito. ‘Ei, cara, está quaseo dobro do preço normal, o que está acontecendo?’” Então a Uber mudousua prática de preços. “Agora os usuários só veem um preço. Nem mostramoso aumento ridículo. Agora é só ‘Ei, se você quer ir de A até B, isso vai custar11,64 dólares’.”A sacada de Lewin sobre os contextos como campos de força tem maisimpacto do que ele imaginou. O psicólogo identi�cou in�uências demotivação e restrição que podemos usar a nosso favor.Talvez não exista in�uência de contexto mais simples na nossa vida doque a simples proximidade. A proximidade determina as forças externas àsquais estamos expostos. Nós nos envolvemos com o que está próximo etendemos a ignorar o que está mais distante.Experimentos controlados em laboratório destacam a importância daproximidade com o que comemos. Imagine-se chegando à cozinha de umlaboratóriopara participar de um teste de degustação. O entrevistador orecebe e sai da sala dizendo: “Volto em breve com alguns questionários. Apropósito, se quiser comer alguma coisa, pode se servir.” Há duas tigelas.Uma cheia de pipoca com manteiga. Outra com fatias de maçã. Você �casozinho por seis minutos.No outro dia, quando você volta para uma nova sessão, a tigela de pipocaestá em cima da mesa, de fácil acesso, a cerca de 30 centímetros, enquanto asfatias de maçã estão sobre um balcão – visíveis, mas você precisa se levantarpara pegar. Em outra sessão, as maçãs estão na mesa e a pipoca está nobalcão.Então, o que você faz? Você pode comer qualquer coisa, e faz sentido quecoma o que gosta mais (provavelmente a pipoca), independentemente dalocalização. Mas esse é outro caso em que nossas intuições não são precisas.24Quanta pipoca a mais você comeria se não precisasse se levantar para seservir? Segundo o estudo, muitas. Os participantes ingeriram cerca de 50calorias quando as maçãs estavam mais perto e aproximadamente três vezesmais quando a pipoca estava ao alcance. O atrito nesse estudo era bastantesimples – a distância. Posicionar o quitute de maior teor calórico fora doalcance era um atrito substancial. Os participantes ainda conseguiam ver esentir o cheiro da pipoca, mas a distância era su�ciente para desencorajar oconsumo.Vi esse tipo de atrito em ação durante uma conferência cientí�ca sobrehábitos da qual participo todo ano. Em uma delas, recebemos muitosparticipantes europeus. Pedi algumas frutas, que eles pareciam gostar maisdo que os americanos. O bufê as providenciou, mas elas foram colocadasnuma caixa na lateral, e as pessoas precisavam andar até lá. Quando percebiesse fato, mudei as frutas para um local onde podiam ser facilmentealcançadas. Tudo mudou de imediato, apesar de as bananas estarem muitomaduras.Esse mesmo tipo de atrito representado pela distância é poderosoquando compramos alimentos numa lanchonete ou num bufê. Em estudosque variam o lugar em que os alimentos são colocados, os clientes preferemos artigos mais visíveis e de mais fácil acesso.25 Os restaurantes podemin�uenciar o que as pessoas comem posicionando as sobremesas no �m da�la (em vez de no início) e facilitando a visualização de alimentos saudáveis.Os supermercados sabem dessa pressão externa. Agimos como peõestoda vez que fazemos compras. Como diz o ditado: “O que os olhos nãoveem o coração não sente.” Se precisarmos nos abaixar para pegar algumacoisa, menor é a probabilidade de passarmos por esse incômodo. Aspromoções costumam acontecer no �m do corredor e os produtos básicos,como carne e leite, �cam no fundo da loja, obrigando-nos a andar peloscorredores (enquanto vemos outros produtos expostos), além das tentaçõesna forma de guloseimas e revistas na �la do caixa, onde todos são obrigadosa esperar. Você consegue imaginar um mercado onde o leite e as carnesestejam bem perto da entrada, os artigos mais baratos mais visíveis e asmaçãs ao lado do caixa? Nesse caso, o principal objetivo do estabelecimentonão seria o lucro – aproveitando-se dos seus piores impulsos –, mas suasaúde e seu bem-estar – atendendo às suas intenções.Haveria uma boa razão para a existência de uma loja desse tipo. Oshabitantes das cidades tendem a comer mais frutas e legumes quando moramperto de um supermercado.26 Isso vale especialmente para estabelecimentosque dedicam mais espaço nas prateleiras a esse tipo de produto.27 Feirasagrícolas são um bom exemplo.28 No verão de 2010, o Centro de AlimentosSustentáveis de Austin, no Texas, construiu estandes agrícolas temporáriosem bairros de baixa renda que não tinham fácil acesso a frutas e legumesfrescos. Os pesquisadores não tentaram dar lições de saúde aos moradoresnem mesmo anunciaram os estandes. Eles simplesmente observaram osefeitos da proximidade.Várias semanas antes do início do estudo, os pesquisadores avaliarambairros que �cavam a menos de 800 metros dos estandes agrícolasplanejados. Cerca de 5% dos moradores disseram ter feito compras emalgum estande agrícola. Em média, eles ingeriam 3,5 porções de frutas elegumes por dia. Os estandes foram então instalados em frente a escolas ecentros comunitários, onde foram distribuídos vales-alimentação (osestandes aceitavam esses vales).Dois meses depois, quase um quarto dos moradores inicialmentecontatados tinham feito compras em algum estande agrícola. Maisimportante, o consumo de frutas dobrou, e as pessoas consumiram umpouco mais de salada verde, outros legumes e tomates (ou molho fresco –a�nal, estávamos em Austin). Em média, participantes da pesquisaaumentaram o consumo de produtos frescos em cerca de 10%, chegando amais de quatro porções. Ao que parece, os estabelecimentos perto de nóspodem fazer muito para promover a saúde.Será que algo tão simples quanto a proximidade pode levar pessoas apraticar exercícios? Entre fevereiro e março de 2017, uma empresa de análisede dados estudou essa questão usando registros de 7,5 milhões de celulares(sim, nosso uso do celular vem sendo aproveitado de maneiras que malcomeçamos a perceber). Eles analisaram quais trajetos as pessoas percorriampara chegar a uma academia.29 Aquelas que percorriam uma distância médiade 6 quilômetros iam à academia cinco ou mais vezes por mês. Quempercorria cerca de 8,2 quilômetros ia à academia só uma vez por mês. Essadiferença aparentemente pequena – menos de 2,5 quilômetros – distinguiaos que faziam exercícios por hábito dos que raramente praticavam atividadefísica. Para nossa mente consciente, não faz sentido uma distância tãopequena funcionar como uma barreira. Mas isso foi claramente associado aofato de algumas pessoas terem o hábito de praticar exercícios e outras não.A distância pode até determinar quem são seus amigos. Um estudoclássico de 1950 avaliou as amizades que se desenvolveram entre 260estudantes casados num projeto de moradia estudantil no Instituto deTecnologia de Massachusetts (MIT).30 Foram designadas de forma aleatóriapessoas para morar em apartamentos de pequenos prédios de dois andaresno início do ano letivo. Os pesquisadores mediram a distância entre as portasde todos. Depois averiguaram quem se tornou amigo de quem.Os alunos não se conheceram nem �zeram amizades aleatoriamente.Mostraram-se muito mais propensos a se tornar amigos de seus vizinhos e depessoas que moravam no mesmo corredor do que das de outro andar.Moradores de unidades separadas por tão pouco, como 60 metros, nunca setornaram amigos. Aqueles que moravam em apartamentos no �m docorredor também tinham menos vida social, pois não encontravam tantaspessoas de passagem. E os únicos alunos que �zeram amizade com pessoasde outros andares foram os que moravam perto das escadas.Se pensarmos bem, esse estudo sugere uma maneira de usarmos forçasexternas para obter vantagens sociais. Se você estiver se mudando para outracidade e quiser conhecer pessoas, poderá utilizar forças de motivação erestrição. Alugar um apartamento perto da entrada do edifício naturalmenteo colocará em contato com outras pessoas. Em um novo emprego, a escolhade uma mesa com localização central, talvez perto do cafezinho, reduzirá oatrito de conhecer novas pessoas. E se você tiver �lhos, crianças sãoredutoras de atrito naturais, ligando você à vizinhança por meio dasatividades escolares. Você pode pensar nessas forças como uma “correnteza”que o aproxima de experiências desejadas e o afasta das indesejadas.31As forças sociais são criadas por outras pessoas em nossos contextos. O queelas fazem ou deixam de fazer in�uenciam nosso comportamento. Em geral,comemos mais na companhia de quem come muito do que na de quem comepouco, independentemente de quais sejam nossos hábitos alimentares.32 Masnem sempre reconhecemos essas in�uências. Mesmo quando in�uenciadospor escolhas de outras pessoas, os participantesdas pesquisas em geral dizemque foram motivados pela fome ou pelo sabor da comida, não pelocomportamento dos outros.33O atrito criado pelos outros se estende à preocupação quase fanática decadetes de academias militares com o condicionamento físico. Cerca de 3.500cadetes da Academia da Força Aérea dos Estados Unidos foram designadosaleatoriamente para morar juntos em grupos, fornecendo um experimentonatural em que não escolhiam seus companheiros de quarto.34 Os cadetesmais preguiçosos não puderam escolher morar com outros de diferentesper�s. Como resultado, algumas unidades tinham cadetes com notas maisaltas em condicionamento físico no ensino médio, enquanto outrasabrigavam cadetes com notas mais baixas – ainda que, é claro, todosestivessem razoavelmente em forma.Os alunos passavam a maior parte do tempo interagindo com os outros30 membros de sua unidade. Moravam em dormitórios adjacentes, comiam eestudavam juntos. Nos primeiros dois anos, os alunos inicialmente comnotas mais baixas em condicionamento físico reduziram a aptidão física deoutros de sua unidade. Ou seja, era mais provável os cadetes não passaremem seus testes físicos semestrais quando moravam numa unidade com umamédia baixa de notas em aptidão física no ensino médio.Pode-se presumir, então, que os cadetes replicavam os programas detreinamento uns dos outros. Como grupo, treinavam bastante ourelativamente pouco. É provável que forças externas estivessem em jogo, enão competição, liderança ou outra dinâmica de grupo, pois a in�uência dosoutros indicou uma direção: ter companheiros menos aptos baixou osresultados dos testes, enquanto conviver com colegas mais aptos nãomostrou resultados na mesma proporção. As forças sociais surgiram dasoportunidades de se juntar a companheiros menos aptos em atividadessedentárias, talvez assistindo a um �lme ou jogando videogame. Os cadetessimplesmente se mostraram menos capazes de se unir a amigos mais aptosquando, por exemplo, faziam uma corrida de 15 quilômetros, a menos quetivessem a mesma forma física.Lewin compreendeu a importância tanto da pessoa quanto do contexto desua vida. Nem sempre somos tão perspicazes quando se trata de entendernosso próprio comportamento. Tendemos a subestimar quanto nossas açõessão afetadas pelo contexto. Preferimos nos concentrar em nossa tomada dedecisão interna. Como vimos no Capítulo 2, nossa convicção primordial deestarmos no comando é chamada de ilusão de introspecção.O que você fez da última vez que tentou mudar seu comportamento?Provavelmente pensou no que estava fazendo de errado e em como mudar deatitude. Você se concentrou no seu desejo de progredir no trabalho, ter umcasamento feliz ou estabilidade �nanceira. Agiu como se seus desejosestivessem no comando.Acreditar no livre-arbítrio tem muitas vantagens, nos dá con�ança de quepodemos enfrentar os desa�os da vida. Mas também nos leva a ignorar apoderosa in�uência dos mundos físico e social em que habitamos. Nossasfortes intenções nos cegam para o atrito no ambiente cotidiano – como issopode facilitar algumas ações e tornar outras mais difíceis. A convicção de quenosso eu intencional está no comando pode nos iludir, quase nos fazendoesquecer de que temos corpos e que nossos corpos estão num espaçoimersivo sob in�uência do contexto cotidiano. Você pode esquecer que seueu é muito maior do que a inteligência.Para entender como age a ilusão de introspecção, vamos considerar umexperimento realizado numa universidade canadense com 289 alunos em umprograma de estudo e trabalho.35 Todos a�rmaram que queriam muitoeconomizar dinheiro durante aquele período. A meta era, em média, mais de5 mil dólares, cerca de um terço do pagamento total que receberiam.Pouco antes do início do estudo, foi apresentado aos alunos umprograma de acompanhamento de orçamento, para facilitar a economiadesejada. Depois de ouvirem como funcionava, os participantes julgavam seisso os ajudaria a alcançar seus objetivos. Todos disseram que não, que nãoachavam necessário. Não foi uma questão de ceticismo em relação à utilidadedo programa. Os alunos a�rmaram que o programa poderia ajudar outraspessoas, mas que não era o caso deles.Apesar da relutância, alguns alunos foram matriculados pelospesquisadores no programa orçamentário. No �m do período, 68% dosparticipantes atingiram suas metas. Dos que pertenciam ao grupo nãoorçamentário, preferindo seguir sozinhos, 57% atingiram suas metas deeconomia. Embora possa não parecer signi�cativa, essa diferença seria umalerta de desastre para os alunos tentando concluir seus estudos. Aocon�arem exageradamente em seu próprio plano inicial, esses alunosoptaram por não receber um programa que os bene�ciaria.Subestimar o impacto do ambiente vai além de planos para economizar.Somos vítimas desse viés mesmo quando as forças são claras e poderosas,como demonstrado por estudantes de Stanford reunidos aleatoriamente numestudo para jogar um jogo de perguntas e respostas.36 Um dos alunos, oentrevistador, foi escolhido aleatoriamente para ser o “questionador”, quefazia perguntas difíceis que ele sabia responder, mas os outros não, como “Oque representam as iniciais W. H. no nome do [poeta] W. H. Auden?” ou“Qual é a maior geleira do mundo?”. O outro aluno, designadoaleatoriamente para ser o competidor, tentava responder. Em média, osparticipantes responderam corretamente a apenas quatro de cada 10 dessasperguntas difíceis.A situação favorecia os entrevistadores e os fazia parecer inteligentes.Quem respondia estava em clara desvantagem, pensando em perguntas quese baseavam no conhecimento idiossincrático do questionador. Mesmoassim, os papéis desiguais in�uenciaram as autoavaliações.No �m do estudo, quando os participantes classi�caram os própriosconhecimentos gerais e os do parceiro, os questionadores se julgaram maisbem informados do que os respondentes. Surpreendentemente, aqueles querespondiam às perguntas também sofreram desse viés. Eles tentaram eerraram. Em sua experiência consciente, sentiram-se burros. As explicaçõesse basearam em sentimentos internos, e eles não atribuíram peso su�ciente aquanto as regras do jogo favoreciam seus questionadores e os prejudicavam.Os respondentes poderiam facilmente ter se poupado desse sentimento, jáque as perguntas eram baseadas no conhecimento pessoal do questionador.Mas eles não �zeram isso. Não reconheceram forças externas óbvias nessasituação altamente desigual, preferindo se sentir pouco inteligentes.Tendemos a ignorar a in�uência do ambiente, mesmo quando reagimos aela em nosso comportamento e em nossas autoavaliações. Portanto, não ésurpresa que, quando tentamos mudar, recorremos à força de vontade e àmotivação. Não percebemos quanto as ações são motivadas pelo ambiente epelas pressões exercidas sobre nós. Mas o mesmo não acontece com oshábitos.Em vez de se punir por não conseguir se tornar mais saudável, mais ricoou mais inteligente, reorganize sua cozinha. Pegue uma cesta de frutas.Coloque-a numa posição de destaque. Faça um caminho um pouco maislongo a pé até o escritório, para não passar pela cafeteria com enormes coposde frappuccino. Evite o colega de trabalho que traz brownies. Primeiroperdoe a si mesmo, depois comece a facilitar sua vida abordando o contextoem que vive. Não há mal em formar hábitos; não é uma questão de desa�o.Não se orgulhe de formar hábitos apesar da resistência. Remova o atrito,de�na as forças motivadoras corretas e deixe os bons hábitos entrarem emsua vida.7REPETIÇÃO“O movimento de um taco de beisebol é como um instrumentomuito bem afinado. É repetição, mais repetição, e então um poucomais.”– REGGIE JACKSONVocê organizou seu contexto. Identi�cou as forças de restrição, as forçasmotivadoras e as armadilhas de sua ilusão de introspecção. Transformou suavida em uma central de administração de uma vez portodas... mas quando amágica acontece? Quando começam os ganhos? Quando esse segundo euentra em cena para assumir o comando?Há alguns ingredientes mais cruciais. Para entendê-los, vamos voltar aalguns dos desa�os da vida que podem ter levado você a ler este livro.Talvez esteja na hora de cuidar do orçamento. A solvência �nanceira parecefora de alcance. Ontem você recebeu a noti�cação de uma empresa de cartãode crédito. Você tinha certeza de ter pagado o mínimo devido, mas não, nãopagou. Você percebe que está atrasado no pagamento. A dívida está �candomaior, não menor. E ainda há a conta do hospital, de quando você fraturou opulso no ano anterior, que você quase pagou – mas não totalmente. Ohospital já ameaçou duas vezes encaminhar seu caso a uma agência decobrança.E o que aconteceu com sua resolução de Ano-Novo de ingressar no planode aposentadoria da empresa? Você ainda não fez isso. Associar-se signi�cater um desconto adicional no seu salário e viver com menos ainda. Odinheiro parece desaparecer: um café de 6 dólares aqui, um almoço de 15 ali.Uma noitada com alguns amigos pode chegar a 100 dólares.Portanto, chegou a hora de cuidar de suas �nanças e descobrir comoreservar um dinheiro para emergências, como despesas médicas ou troca depneus. Você quer quitar o cartão de crédito e começar a economizar para aaposentadoria.No começo, parece emocionante. Você se sente orgulhoso com seu novosenso de responsabilidade. Leva uma caneca para tomar o café da empresa.Menos 6 dólares gastos todas as manhãs!Leva um lanche e come no refeitório. Mas logo decide que sanduíches depasta de amendoim são deprimentes. E sente saudade dos almoços com oscolegas do escritório.Você passa no supermercado a caminho de casa e tenta planejar suasrefeições. Presunto com queijo suíço já é um avanço, mas você se esquece decomprar mostarda. Então, no dia seguinte, toma um café ruim e come umsanduíche seco.Quando chega o �m de semana, você descobre que vai acontecer aexibição de um �lme ao ar livre. Mas ninguém quer ir, porque todos jáassistiram. Será que você terá que arranjar um novo grupo de amigos parasair, considerando seu novo orçamento? Você se sente um pária social.Quando en�m o hábito será estabelecido, de modo a tornar tudo issomenos doloroso? Quando economizar vai deixar de ser um sacrifício deausteridade e abnegação para se tornar automático?Quando essa magia acontece?Ou talvez seu desa�o seja fazer alguma coisa a respeito dos jantares emfamília. À medida que seus �lhos crescem, você sabe cada vez menos da vidadeles. Você quer estabelecer uma nova rotina para todos jantarem juntos.Consultar as agendas. Encontrar algumas noites para reunir todo mundo,botar a conversa em dia e passar o dia juntos.Você decide que, para tornar a conversa possível, não pode haverdistrações: os celulares devem ser desligados. Nada de TV em segundo plano.Sem essa de comer e sair correndo.Na primeira vez é uma tarefa difícil. Você precisa manter todos à mesaquando o jantar está pronto. Ninguém gosta da ideia de desligar o celular.Seu cônjuge não se entusiasma muito com esse novo plano, seus �lhos oencaram com ressentimento.Esse primeiro jantar acaba tornando a vida familiar menos agradável.Você está diante de um ou dois �lhos mal-humorados e um cônjugeaturdido. A única conversa que rola é: “Os pais dos meus amigos não fazemisso com os �lhos!” Tudo bem, você não esperava uma transição imediatapara a família ideal, mas isso não é nada divertido.No entanto, você continua comprometido, apoiando-se em pesquisassobre os benefícios das refeições em família. Filhos que se comunicam maiscom os pais durante as refeições desenvolvem menos comportamentos derisco, se saem melhor na escola e têm menor probabilidade de �car acima dopeso.1 É claro que você não sabe se pode fazer isso acontecer instituindorefeições em família, mas a pesquisa estimula sua motivação.Você insiste e organiza um segundo jantar. Seus �lhos não estão a �m deconversar e você se sente estressado. Você levanta assuntos que considerafascinantes (que selecionou cuidadosamente num programa de rádiomatinal). Ninguém reage às suas brilhantes habilidades de conversação.O terceiro jantar foi difícil de organizar, pois você teve que encontraruma noite que se encaixasse na programação de todos. Foi uma correria paraservir os pratos ao mesmo tempo. Quando todos a�nal se acomodam, vocêsó vê expressões revoltadas e entediadas à mesa. A coisa está �cando funesta.É preciso muita determinação para que o quarto jantar aconteça. Seus�lhos descobriram maneiras de se comunicar entre si, excluindo os pais.Você �ca se lembrando de por que está fazendo isso.Seu plano maravilhoso não parece estar �cando mais fácil. Sim, de vezem quando um dos �lhos participa da conversa, mas logo se cala,emburrado. Ninguém está ajudando.Quando a magia acontece?Quando você adormece?Não estou me referindo a que horas você vai para a cama ou a que horasgostaria de dormir. Estou falando do momento exato em que pega no sono.Já tentou descobrir isso quando era criança? Você foi para a cama, começou acochilar e perguntou a si mesmo: “Eu estou dormindo?” Aí, é claro queacordou.Na verdade, é impossível saber. Primeiro você deita, �ca com sono... e derepente o sol nasceu e é hora de se levantar.O hábito – nossa magia especí�ca – funciona da mesma forma. Vocêcomeçará a organizar esses jantares ou a economizar dinheiro toda semana, econtinuará fazendo isso... até você deixar de fazer. Seu segundo eu vaiassumir o comando, e de repente você percebe que 10 anos se passaram e queestá ouvindo seu �lho mais velho comentando com a noiva como os jantaresem família sempre foram uma tradição na sua casa. Que maravilha!A magia começa silenciosamente, e você nem vai perceber quando elaentrar em ação. Mas é preciso acreditar nisso, pois é a maneira padrão comoações repetidas, continuamente recompensadas, reestruturam a forma dearmazenar as informações no nosso cérebro. Antes disso, vai dar algumtrabalho. Para estabelecermos um hábito nas redes neurais e nos sistemas dememória, é preciso realizar várias vezes uma nova ação, mesmo se for difícil.Em algum momento, isso se torna uma segunda natureza, e aí podemosrelaxar e entrar no piloto automático.Mas quantas vezes precisamos repetir uma ação até que se torneautomática? Talvez você tenha ouvido dizer que são necessários 21 dias parafazer algo se tornar um hábito. Isso signi�caria apenas três semanasobrigando sua família a se reunir para jantar até todos começarem aconversar. Somente 21 manhãs de planejamento do seu orçamento diáriopara a economia se tornar automática.Isso é um mito. Esse número parece ter vindo das especulações do guruda autoajuda Maxwell Maltz em seu best-seller de 1960, Liberte suapersonalidade.2 Ele se perguntou quanto tempo as pessoas levam para seadaptar a mudanças pessoais, como uma cirurgia plástica. Trata-se de umconceito com muita longevidade, mas pouca veracidade.As pesquisas fornecem uma visão melhor. Pippa Lally, pós-doutorandado meu laboratório, avaliou quantas vezes uma ação precisa ser repetida atéparecer automática. Ela reuniu 96 estudantes da Universidade de Londres epagou cerca de 40 dólares a cada um para participar de um estudo durantetrês meses.3 Cada universitário escolheu um comportamento saudável quenão praticava no momento, mas que gostaria de praticar regularmente. Elesescolheram um evento cotidiano ao qual pudessem vincular esse novocomportamento. Um deles decidiu comer uma porção de frutas todos os diasno almoço. Outro escolheu correr 15 minutos antes do jantar. Outro resolveutomar uma garrafa de água no almoço.No �m de cada dia, os participantes acessavam o site do estudo einformavam se tinham ou não se comportado como planejado. Tambémrelatavam quanto consideraram o comportamento automático – até quepontoeles �zeram aquilo “automaticamente”, “sem pensar” e “antes deperceber”.No início do estudo, os participantes se atribuíram notas muito baixas,cerca de 3 pontos na escala de automaticidade (que variava de 0 a 42). Elesestavam aprendendo um novo comportamento, que não parecia automático.Como era de esperar, quanto mais as ações eram repetidas, mais elaspareceram automatizadas. A automatização aumentou durante as primeirassemanas de repetição. Na terceira vez que executavam uma ação, osparticipantes podiam subir até um ponto na escala; na quadragésima vez quea repetiam, talvez apenas meio ponto. Quanto mais difícil for a atitude logono início, mais a memória do seu hábito vai aprender.Uma observação paralela: é irônico que muitos dos estudantes nãotenham conseguido continuar no programa por tempo su�ciente parafornecer mais informações sobre a formação de hábitos. Isso mostra adi�culdade de se repetir até mesmo um novo comportamento simples todosos dias. Catorze dos 96 desistiram por completo. Os 82 restantes acessaram osite só metade dos dias, em média. É difícil manter uma nova atitude quandoas únicas forças são motivações internas como (a) querer fazer alguma coisa,(b) saber que é bom para você e (c) querer receber o pagamento pelo estudo.Os participantes não conseguiram reunir forças externas que os levassem amanter a atitude, forças que evocassem, por exemplo, uma caminhadanoturna (passear com o cachorro, pegar a correspondência) ou comer maisfrutas (servir-se de uma porção para acompanhar o prato normal).O mais animador para os que tentam formar um novo hábito é que osparticipantes podiam pular um ou dois dias sem perderem o ritmo. Quandoretomavam a experiência, a automaticidade estava quase tão alta quanto nomomento em que pararam. Lacunas ocasionais não apagavam o hábitoemergente.Esse é um ponto crucial. Você pode pular um dia ou dois sem voltar àestaca zero. Uma omissão não é pretexto para trapacear ou desistir. Seuhábito em formação não é tão frágil a ponto de exigir perfeição. Requerpersistência, repetição e os truques mais inteligentes de manipulação decontexto do capítulo anterior. Se você perder um dia ou retomar um velhohábito, não se desespere. Use isso como uma oportunidade para reforçar seucontexto e torná-lo mais forte e mais claro. Seu hábito ainda está emformação.Nesse estudo de formação de hábitos, diferentes comportamentosexigiram diferentes quantidades de repetição para se tornarem automáticos.Para comer algo saudável, os participantes tiveram que repetir essa ação porcerca de 65 dias antes de fazer isso sem pensar. Tomar uma bebida saudáveldemandou menos repetições, cerca de 59 dias. Praticar exercícios, noentanto, exigiu mais de 91 dias de ação repetida para se tornar habitual.É meio óbvio que algumas ações demoram mais do que outras paraserem automatizadas. Se você está aprendendo a tocar piano, terá que tocar“Brilha, brilha, estrelinha” muitas vezes antes de executar um concerto deChopin. Aprendemos comportamentos simples mais rapidamente. Atitudescom múltiplos componentes, como entrar numa academia e malhar, podemser hábitos especialmente difíceis de ser incorporados.As notas atribuídas a quanto uma ação se tornava automática fornecemapenas uma resposta à nossa pergunta. Em média, os participantes levaram66 dias para repetir um simples comportamento saudável antes de senti-locomo automático. Ao adotar um novo comportamento e repeti-lo durantedois meses e uma semana, você terá aumentado signi�cativamente asensação de automatização.Há outras maneiras para testar quanto tempo demora para estabelecerum hábito. Em vez de indagar como uma ação é sentida, podemos perguntarquais processos cognitivos conduzem à ação: quando a tomada de decisãodesaparece para começarmos a agir espontaneamente? Uma resposta vem deum estudo com 2.228 doadores de sangue canadenses.4 A doação de sangueno Québec é muito bem organizada. Os doadores recebem uma ligação doHéma-Québec, uma instituição sem �ns lucrativos, quando uma unidade decoleta de sangue estiver no local, então eles simplesmente comparecem aoposto de doação habitual. Dessa forma, o Québec estabelece forçasmotivadoras para manter as doações, agendando e incentivando aparticipação das pessoas.Os participantes do estudo foram selecionados entre os que doaramsangue durante a semana de 21 a 26 de abril de 2003. Todos já tinham doadosangue pelo menos uma vez, com uma média de 14 vezes no passado,variando de zero a 97 vezes. Os participantes relataram que tinham intençãode doar sangue durante os seis meses seguintes. Os pesquisadoresacompanharam o que eles realmente �zeram.Como esperado, os doadores iniciantes agiram de acordo com suasintenções, doando sangue se tivessem planos �rmes de fazer isso e nãodoando se dissessem que não se sentiam muito inclinados. Isso aconteceucom aqueles que haviam feito menos de 20 doações no passado. Depois dedoar mais de 20 vezes, suas ações se tornaram menos intencionais, com asnovas doações exigindo cada vez menos uma tomada de decisão. Para ogrupo que tinha doado 40 ou mais vezes no passado, as intenções nãotiveram impacto – eles continuaram a doar sangue, independentemente doque planejavam fazer.Mais uma vez, não houve uma linha nítida que separasse hábitos de nãohábitos. Os hábitos parecem se desenvolver gradualmente, antes de assumir ocontrole e ignorar as decisões conscientes. Quanto mais os participantestinham doado sangue no passado, maior a probabilidade de voltarem a fazê-lo sem in�uência de suas intenções.Para aqueles que desejam formar um hábito, 40 repetições são umaresposta mais otimista do que 66. Essas estimativas diferem por seoriginarem de contextos, ações e processos de formação de hábitos muitodiferentes; por isso não há um número exato. Mas note que a estimativa maisbaixa baseia-se num ambiente de doação de sangue com signi�cativas forçasmotivadoras, facilitando a repetição da ação de modo rotineiro. Isso implicaque você pode reduzir seu número mágico estabelecendo forças que o levema repetir a ação da mesma maneira. Com estímulos maiores e mais fortes, seuhábito tem potencial de amadurecer mais rapidamente.Mas não é fácil fazer a repetição acontecer. Como comentou o professorChen, ex-chefe de pesquisa econômica da Uber, “o motorista mediano nãodura 10 viagens. É difícil conseguir que os motoristas continuem. Essasempre foi a maior despesa [da Uber]. Há muito menos pessoas dispostas adirigir o próprio veículo do que pessoas querendo ir a algum lugar. Custacaro contratar um motorista. É preciso veri�car seus antecedentes. Pagar aum mecânico para inspecionar o carro. Fazer um monte de coisas. Eu acaboinvestindo 1.000 dólares em um motorista que faz apenas oito viagens. Etenho muito prejuízo.”5Muitos motoristas da Uber parecem não entender as forças restritivasquando aceitam esse trabalho. “A pergunta é: qual é a barreira?”, explicouChen. “No começo é uma tarefa difícil. E socialmente complicada. Derepente tem um estranho no banco de trás do seu carro e você precisadescobrir como lidar com essa relação de leva e traz.”Então a Uber mudou o ambiente, acrescentando forças externas paramanter os motoristas no trabalho. “Uma das estratégias é ter sempre umcliente em vista”, a�rmou Chen. “Você já deve ter notado que muitas vezes omotorista já está com a próxima viagem agendada antes de chegar ao seudestino atual. É como a Net�ix. Automático. A Uber faz uma enormequantidade de análises para encadear várias viagens. Isso é bom por váriosmotivos. Elimina o tempo de inatividade, para os motoristas ganharem mais.Também é automático: ‘Estou prestes a deixar um passageiro e já tem outrona �la. Fantástico.’ De repente se passaram duas horas e o motorista pensa:‘Pare de me mandar passageiros, porque eu preciso fazer uma pausa para irao banheiro.’” Além disso, continuouChen: “Demoramos muito para criar oportal do motorista e evitar o tempo de inatividade. Só ganhamos dinheiroquando o motorista ganha dinheiro. Não queremos que ele tenha tempo paramudar para outra empresa ou deixar de dirigir o dia inteiro.”No caso da Uber, parece que as forças externas reduziram o númeromágico a 10. É bem menor que 66. Mostra exatamente o que é possívelquando mentes brilhantes re�etem sobre a formação de hábitos. Mas vocênão é o maior especialista na sua vida? Com certeza sabe como estimular eorganizar aqueles jantares em família e reduzir despesas frugais. Seu númeromágico tende a diminuir a cada contexto que criar para si mesmo.Vale a pena aguentar um mês de jantares cada vez menos incômodospara criar uma tradição familiar. Ou você pode passar um mês se sentindomenos prejudicado a cada vez que não desperdiçar seu dinheiro em algo deque não precisa.Contudo, um novo hábito saudável tem que levar outras coisas em conta.Muito pouco da nossa vida é um espaço em branco, livre de hábitos menoresou incipientes. Quando somos adultos, quase todos os nossos dias – e aforma como os preenchemos – são resultado de uma disputa de hábitoscontraditórios que se manifestam logo abaixo da superfície da nossaconsciência.No começo, você sonhou com os altos papos que teria com sua famíliadurante o jantar e a proximidade duradoura que criaria entre as pessoas quemais ama. Ou sentiu orgulho em imaginar seu patrimônio líquidoaumentando e a satisfação de poder pagar integralmente as faturas de seuscartões de crédito todos os meses. Mas aí a realidade se intromete e seussentimentos começam a mudar. Os olhares ressentidos dos seus �lhos noiteapós noite ou a constante frustração por não poder frequentar suas lojasfavoritas enfraquecem sua determinação. Você não está mais tãoentusiasmado com os benefícios de suas ousadas decisões. Seu primeiropensamento não é mais “Eu preciso mudar”. Agora é “Isso não vale a pena”.Além do desa�o de adotar novos comportamentos, você ainda precisacombater os antigos. O hábito anterior – aquele que você queria mudar – nãodesapareceu imediatamente com sua decisão de fazer algo melhor para suafamília ou suas �nanças. Ressurgiu assim que sua força de vontade começoua diminuir. Você começou a retornar para o ponto onde começou.É aqui que a repetição da nova ação se torna especialmente útil comoferramenta (e não apenas uma descrição inerte de como os hábitos semanifestam). Depois de algum tempo, a resolução dos con�itos começa afavorecer o novo comportamento. Como foi explicado no Capítulo 3, omotivo é a velocidade de processamento.Hábitos vêm à mente com velocidade. Você só precisa perceber ocontexto, e a resposta é acionada automaticamente. Tomar uma decisão, poroutro lado, leva um pouco mais de tempo e requer mais controle e esforçocognitivo. E tomar decisões é bastante difícil quando você tem dúvidasquanto a obrigar sua família a se reunir à mesa ou fazer mais uma refeiçãoem casa para economizar.A velocidade com que os hábitos vêm à mente lhes dá uma vantagem.Quando agimos de acordo com o hábito, sentimos menos con�ito com nossodesejo de fazer algo diferente.6 Nós agimos antes de ter uma chance deconsiderar se é isso que realmente queremos fazer. A velocidade dos hábitosé uma vantagem quando eles coincidem com o que queremos fazer, noentanto, é quase uma desgraça nos casos em que são indesejados e estamostentando controlá-los.Assim, a repetição deve ser pensada não como uma espécie de cartilhamágica de hábitos, mas como uma maneira de induzir uma ação mentalrápida. A segunda vez que você realiza alguma atividade exige menos tempoe esforço mental do que a primeira. A terceira exige menos do que a segunda.E assim por diante. Isso cria uma condição mental favorável para um hábitoassumir o controle. Na décima vez (ou na sexagésima sexta), você mal vaipensar a respeito, e pronto: um hábito foi formado.Para demonstrar a dinâmica da velocidade, um estudo perguntou aestudantes holandeses se a bicicleta era uma maneira realista de chegar a seislocais da cidade.7 Todos disseram que sim – os holandeses são bons ciclistas–, mas alguns responderam mais prontamente do que outros. Quatrosemanas depois, foi perguntado aos alunos quantas vezes eles tinham ido debicicleta a esses seis lugares. Os alunos que responderam mais prontamente àpergunta no início do estudo foram os que mais percorreram o trajeto. Algoainda mais revelador é que quanto mais prontamente o estudante pensava embicicleta, mais eles usavam o veículo, independentemente do que tivesse ditono início do estudo: se pretendia ir de bicicleta, de bonde ou de carro. Osparticipantes que logo pensavam em bicicleta simplesmente andavam debicicleta sem consultar suas intenções. É claro que qualquer um delespoderia resolver não usar a bicicleta naquele dia, preferindo tomar umbonde. Mas a vida é bem complicada, e geralmente é mais fácil agir com baseno primeiro pensamento que vem à mente.Isso não quer dizer que os comportamentos de acesso rápido sejamsempre desejáveis. Às vezes precisamos desacelerar esse processamento deresposta ao contexto para suprimir hábitos indesejados. Certa noite, porexemplo, uma vizinha �cou de se encontrar comigo na reunião de pais emestres da escola. Ela morava logo ao lado, e me lembro de ter achado graçaquando ela saiu de casa, entrou no carro e dirigiu até o estacionamento –apesar de a casa dela ser mais perto da escola que a vaga onde estacionou.Seu hábito de sair de casa e entrar no carro era tão arraigado que a mulhernem chegou a considerar outras opções, independentemente de para ondeestava indo.A velocidade não é o único fator operante; anda de mãos dadas comoutra consequência da repetição: a tomada de decisão simpli�cada. Paramosde considerar ações alternativas. Na maioria das vezes, isso é e�ciente efuncional. Em outras, porém, restringimos as decisões, mesmo quando nosbene�ciaríamos ao considerar outras opções.Em outro estudo envolvendo holandeses e bicicletas, estudantesinformaram com que frequência usavam esse meio de transporte para ir àsaulas e percorrer a cidade.8 Alguns as usavam com frequência, enquantooutros só ocasionalmente. Depois, os estudantes contaram como iriam desuas casas até uma loja imaginária na cidade, escolhendo entre as opções apé, ônibus, bicicleta, bonde ou trem. Antes de decidir, os participantespodiam clicar em 30 informações diferentes para aprender sobre seu destino.Como eles nunca tinham ido àquele lugar, fazia sentido obter o máximo dedados possível, incluindo tempo de viagem, o esforço no trajeto, o clima e aprobabilidade de chegar atrasado.No entanto, os participantes mais acostumados a andar de bicicleta nãoprecisaram de muita coisa para decidir. Eles se concentraram principalmenteem informações relacionadas à bicicleta. Não consideraram seriamente asoutras opções antes de tomar uma decisão. Analisaram cerca de 14informações no total. No �m, 82% optaram por ir de bicicleta – comocostumavam fazer na vida real. Os estudantes que andavam de bicicleta commenos frequência re�etiram mais. Usaram 19 bits de informação antes dedecidir e se concentraram igualmente em todas as opções, explorandovantagens e desvantagens de cada meio de transporte. Só 50% destes optarampor ir de bicicleta.A repetição levou a uma espécie de visão limitada, in�uenciada pelo queos estudantes haviam feito no passado. Os ciclistas mais convictos nãopararam para pensar sobre outras opções. Não pensaram muito quando suaprimeira escolha veio à mente. Essa diferença é notável porque aconteceumesmo quando os pesquisadores instruíram os participantes a considerartodas as opções e a avaliar todas as alternativas. Sob essas condições, oshábitos ainda simpli�caram a tomada de decisão em cerca de cincoinformações. Isso representa uma economia de quase 25%.Esse mesmo tipode visão limitada bene�cia administradores em diversasempresas. Em um estudo, administradores com cerca de seis anos deexperiência gerencial foram instruídos a imaginar que trabalhavam numaempresa de computadores pronta para lançar um novo laptop.9 Elesreceberam um primeiro protótipo para avaliar e em seguida tiveram quecompará-lo a outros três (na verdade, equivalentes em qualidade). Cinquentapor cento dos participantes escolheram o primeiro laptop como o melhor eacreditaram que o conselho executivo também votaria nele. Como todos oslaptops na verdade eram similares, a primeira opção devia ter sido escolhidaapenas 25% das vezes – isso seria uma avaliação precisa. Para entender porque esses administradores iniciantes tomaram decisões tão tendenciosas, ospesquisadores codi�caram seus pensamentos. Então descobriram que quantomais os gerentes pensavam sobre o primeiro laptop em detrimento dosoutros, mais tendenciosos seus julgamentos se tornavam. Eles não estavamapenas seguindo o que parecia ser mais fácil; os gerentes acreditaram que oconselho concordaria com seus julgamentos – um sinal claro de uma pessoabem-sucedida com uma visãolimitada.Como você se lembrará da experiência descrita no Capítulo 2, a maioriade nós tende a considerar o último item (idêntico aos outros) como o demelhor qualidade. Foi o que aconteceu no exemplo da loja. Então, por que osadministradores seguem suas primeiras opções? A resposta está no controlecognitivo necessário para tomar decisões, algo que requer tempo e energia, egerentes precisam tomar muitas decisões diariamente. No mundo real, nãohá tempo para que considerem alternativas, pois têm um monte de opçõespara escolher em muitos contextos diferentes. Não é surpresa que decisõesrápidas façam parte de seu estilo de liderança. Assim como quando temoshábitos em nossa mente, essa primeira opção reduz o processo cansativo deavaliar outras alternativas.Em casa, um contexto bem organizado fará da sua opção inicial a melhor.Pode ser tão simples quanto esconder o controle remoto e deixar o romanceque você quer terminar de ler num lugar à vista. Até meu �lho, a�cionadopor corridas de bicicleta, acha útil contar com uma dica para seustreinamentos noturnos. Ele coloca sua bicicleta de treinamento na sala deestar pela manhã, para que seja a primeira coisa que vê ao voltar do trabalhoà noite. Assim, a primeira opção que ele considera é a que atende a seusobjetivos. Com um contexto conscientemente organizado, é possível tirarproveito da tendência de delimitar o pensamento. Você pode tornar suaprimeira escolha a melhor. Sempre.A repetição tem outro efeito importante para nossos propósitos: na verdade,altera nossa experiência de uma atividade para que ela pareça mais fácil. Umestudo clássico de 2005 acompanhou por três meses 94 membros de umaacademia recém-inaugurada no Reino Unido para determinar como aspessoas se mantêm fazendo exercícios.10 Os participantes pagaram um bomdinheiro para se matricular na academia, e pelo menos de início todos semostraram comprometidos em frequentá-la.Você já sabe o que aconteceu: a frequência foi baixíssima. (O negócio deacademias depende disso!) No estudo, no entanto, 29% não seguiram essatendência. Esses novos membros compareceram todas as semanas durante ostrês meses.Quem conseguiu persistir? Não os que tinham mais força de vontade(conforme mensurado pela a�rmação inicial do comprometimento), pois osoutros 71% se mostraram igualmente motivados. E não os que tinham umaatitude mais favorável em relação à prática de exercícios, pois os 71%também se entusiasmaram no começo. Os 29% se destacaram de outramaneira importante.Os participantes que persistiram a�rmaram inicialmente que mantinhamo controle de sua rotina de exercícios e costumavam se exercitarregularmente. Por que eles se consideravam tão e�cazes no controlecomportamental percebido (como os psicólogos chamam tais julgamentos)? Oestudo não explicou. Mas sabemos que as forças internas não foram asresponsáveis – gostar de praticar atividade física e a intenção de ir àacademia não estimularam a persistência. Minha opinião é que houve ain�uência do controle situacional, resultante de abrir um espaço na agendapara facilitar as idas à academia. Talvez os poucos persistentes tenhamreservado as horas de almoço de segunda e quarta-feira para se exercitar outenham se programado para ir à academia depois do trabalho. As açõesparecem mais fáceis quando estabelecemos forças externas que, de algummodo, nos conduzam.Os 29% �zeram uma coisa crucial: todos frequentaram regularmente aacademia durante cinco semanas. Aparentemente, estabeleceram o hábito deir à academia. E continuaram a partir desse ponto, independentemente daforça de suas intenções iniciais. Este é o padrão que conseguimos apreender:com repetições regulares, deixamos de consultar nossas intenções econtinuamos a agir (embora a estimativa de cinco semanas para a formaçãode hábitos seja altamente otimista!).É muito interessante o efeito “se deixar levar pela maré”, proporcionadopelo fato de frequentar a academia regularmente. Ao término do estudo,quando os participantes responderam ao último questionário, os 29%disseram que se sentiam ainda mais no controle de sua atividade física doque no início. Sentiam-se mais con�antes com o que podiam fazer. Suasações pareciam mais �uidas, espontâneas.Para aqueles que desistiram, contudo, a sensação de atrito aumentou.Parecia �car cada vez pior. Na entrevista �nal, os 71% desistentes viam aprática de exercícios como algo mais desa�ador e difícil do que no início doestudo, expressando uma di�culdade ainda maior do que quandocomeçaram.Ainda mais surpreendente: os participantes que desenvolveram o hábitode praticar exercícios ao longo das 12 semanas disseram que tinham vontadede ir mais à academia. Eles conseguiram fazer do lugar sua primeira escolhapor algumas semanas – e a regularidade da frequência aumentou o desejo decontinuar.Talvez esse estudo pareça óbvio ou circular. Pessoas que vão à academia...acabam indo à academia. Mas, se você ler isso à luz do que discutimos atéagora, verá o cerne da questão: os hábitos vêm da repetição. Comportamentogera comportamento. Não há outro ingrediente mais complicado, raro ouespecial. Isso deve ser visto como algo libertador. É motivo para otimismo. Sevocê continuar persistindo, os hábitos vão se formar com cada vez maisfacilidade. Facilite sua vida. Deixe de tomar decisões.Para não exagerar no poder da repetição, gostaria de acrescentar umaadvertência �nal. Muitos de nós repetimos ações até transformá-las emhábitos para nos tornarmos melhores – parceiros mais presentes, pais maisdedicados, pessoas mais saudáveis, mais produtivas e mais resolutas emtermos �nanceiros. A repetição pode fazer essas coisas acontecerem de formamais automatizada e nos ajudar a realizá-las melhor.Mas há também os que buscam a glória. Algumas pessoas estãointeressadas na repetição como o caminho mais rápido para a grandeza e omáximo desempenho. Essa ideia tem uma longa história. Consta queAristóteles disse: “Nós somos o que fazemos repetidamente. Portanto, aexcelência não é um ato, mas um hábito” (em paráfrase do grego antigo, dohistoriador Will Durant).11 É certo que a prática constante ou a repetiçãoplanejada de atividades para melhorar o desempenho podem nos tornarmelhores em tarefas tão diversas como a música, a literatura ou o atletismo.Repetimos o máximo possível até transformar nossa habilidade em umhábito, para deixar nossa mente consciente livre para interpretar as nuançasde uma partitura, inventar narrativas criativas ou conseguir um ótimodesempenho atlético. Mas essa paráfrase de Aristóteles não é muito precisa (etalvez não tenha sido isso que ele quis dizer).Excelência e repetição não são a mesma coisa. Sabemos disso porexperiência. Todos já vimosmuitas pessoas se dedicarem a algo em que nãosão especialmente talentosas. Talvez elas foquem nisso para se realizarespiritualmente. Ou talvez estejam iludidas, inclusive estimuladas porconcordarmos com elas apenas por educação. Mas será que chegarão àexcelência? Não.Todos sabemos que a repetição é necessária para chegar à excelência, masnão é tão claro que seja su�ciente. A ciência popular assumiu uma posiçãoforte: a regra das 10 mil horas de Malcolm Gladwell fornece um númeropreciso. Com tanta prática, argumentou ele, a maioria de nós pode sedestacar.12 Stephen Curry, jogador de alto nível e um dos maioresarremessadores da NBA, parece simbolizar essa regra.13 Ele não dispunha devantagens físicas naturais, sendo pequeno e magro no ensino médio, e nãotinha força na parte superior do corpo para lançar a bola apropriadamente.Como admitiu em uma entrevista: “Nenhum técnico das faculdades daprimeira divisão quis me convocar ou me oferecer uma bolsa de estudos.”14Mas Curry persistiu e �cou conhecido por seus excepcionais hábitos detreinamento e por suas habilidades.15 Poderia ser considerado apersoni�cação da regra das 10 mil horas. Por outro lado, Curry pode ser umadaquelas pessoas raras, nascida com uma excelência à espera de seraproveitada pela disciplina. Não obstante sua grandeza inexplorada, apesquisa favorece a última hipótese (principalmente porque o pai de Curryfoi um jogador pro�ssional premiado).Uma revisão sistemática de 88 estudos avaliou como uma prática intensapodia estar relacionada ao sucesso no desempenho em música, jogos,esportes, educação e outras pro�ssões.16 Com mais prática, as pessoas sesaíram melhor em jogos, música e esportes, mas ainda assim 75% ou mais deseu sucesso ou fracasso se deveram a fatores como talento inato,oportunidade e acesso a ótimos professores ou treinadores. No que dizrespeito à educação e à vida pro�ssional, a prática fez ainda menos diferença.No entanto, como poderíamos prever, a prática intensa bene�ciou maisatividades habituais e rotineiras em todos os campos (como revisão de texto)do que as com menos atividades roteirizadas (como escrita criativa).Claramente, é esperar demais que a simples repetição faça de todos nósestrelas.Contudo, parte da promessa de aprender sobre hábitos é liberar áreas dasua vida que, conscientemente, você relacionava a desejar coisas de que nãoprecisava. Você vai poder entregar boa parte do seu dia ao eu orientado pelohábito.O que fazer com essa energia e esse tempo livre �ca por sua conta. Talvezvocê os use para assistir à gravação de um jogo de Stephen Curry e treinarseus arremessos. Talvez você seja essa pessoa rara. Com uma vida voltadapara os hábitos, pelo menos você terá mais tempo de descobrir.8RECOMPENSA“Eu nunca tive um diade trabalho na vida.Tudo foi diversão.”– THOMAS EDISONUma diferença imutável entre você e um computador é que sua paciência vaise esgotar bem antes que a de um semicondutor de silício. A minha também.Um soware nunca se cansa de fazer a mesma coisa quantas vezes vocêsolicitar. Para um computador, o in�nito é limitado apenas por sua fonte dealimentação. Para uma máquina, a repetição é essencialmente a mesma coisaque não fazer nada.Mas não é como funciona com o ser humano. Você se cansa de fazer asmesmas coisas. É curioso. Anseia por diversidade e estímulo. Precisa de algomais do que a inevitabilidade na sua rotina.Esse “algo mais” é o último dos três aspectos que precisamos considerarpara formar um hábito. O contexto facilitará o caminho e a repetição darápartida no motor, mas se você não receber um mínimo de recompensa peloesforço inicial nesse caminho, não vai adquirir o hábito que começa a operarpor conta própria.As recompensas não são um mistério. Estamos familiarizados com esseacordo desde o primeiro dia: fazemos uma coisa que de outra forma nãofaríamos por conta própria, a �m de obter algo em troca. Se algo parece bomo su�ciente, o esforço inicial vale a pena. Mas, como em outros aspectos daformação de hábitos, o que parece óbvio e direto tem uma complexidade realinerente.Para ter um papel na formação de hábitos, as recompensas precisam sermaiores e melhores do que você sentiria normalmente. Talvez seja necessárioum pouco de planejamento e criatividade. Pode exigir ainda algumadeliberação de sua parte. Mesmo que não pareça romântico, se você desejainiciar um novo hábito de intimidade com seu parceiro, deve planejar umademonstração surpreendente e genuína de afeto, que é mais do que obeijinho na bochecha quando você chega do trabalho à noite. A utilidadedessa recompensa inesperada é exatamente... o inesperado. O tamanho darecompensa comunica implicitamente que as expectativas do seu parceiroeram muito baixas. É um convite para recalibrar o afeto e o apoio que elepode esperar de você ao contar as histórias do dia durante o jantar, rir desuas piadas ou qualquer resposta que esteja tentando criar como um hábitoem seu relacionamento. Esse sentimento é o melhor ponto de partida para aformação de novos hábitos.Eis como funciona: essa maior demonstração de carinho é inesperada,então a expectativa do seu parceiro quanto à maneira que você normalmenteage estava equivocada em certo sentido (o que pode ser chamado de erro deprevisão de recompensa). Recompensas inesperadas estimulam a liberação dedopamina no cérebro. A dopamina é um neurotransmissor, ou sinal químico,que facilita a passagem de informações de um neurônio para outro. Quandoé liberada de um neurônio para uma sinapse (o intervalo entre os neurônios),a dopamina é captada pelos sensores de um neurônio receptor. Atransmissão ocorre através de canais previsíveis, ou caminhos, em nossocérebro. A formação de hábitos envolve vários caminhos da dopamina,principalmente o caminho sensório-motor, no qual a dopamina liberada pelosneurônios do mesencéfalo é captada pelos receptores no putâmen, que estáligado às áreas motoras e sensoriais (o córtex sensório-motor, o globopálido).1 Quanto maior a recompensa inesperada, mais dopamina é liberada(além de outras substâncias químicas) e mais as sinapses se tornam e�cientesnesse caminho, no envio e recebimento de um sinal.2O cérebro de seu parceiro registra a grati�cante demonstração de afetoliberando dopamina. Em seguida, estabelece as bases neurais da formação dohábito quando os neurônios, as sinapses e os caminhos funcionam juntos ereagem ao que acabou de acontecer. A dopamina é como um sinal queinstrui as áreas neurais envolvidas na seleção de ações a favorecer omomento em que contamos sobre os acontecimentos diários ou rimos depiadas, enquanto as áreas sensoriais identi�cam os mesmos aspectos docontexto (ou seja, você na mesa de jantar). O sinal dos neurônios dedopamina imprime na memória os detalhes da experiência grati�cante.3Agora o cérebro do seu parceiro está um pouco diferente. Está pronto parareceber, reconhecer e processar mais afeição de sua parte no futuro. Vocêpoderia dizer que ajudou o cérebro do seu parceiro a ter mais esperança, aser mais otimista, a estar mais preparado para o amor.Seu parceiro está aprendendo que compartilhar sentimentos durante ojantar e rir de suas piadas gera um afeto que não seria possível de outraforma. Independentemente de ele ser do tipo comunicativo ou de você serengraçado, é provável que essa recompensa incentive esse comportamentooutras vezes. Com repetição su�ciente, sua genuína demonstração de afetovai criar associações entre a hora do jantar e revelações íntimas, e entre suaspiadas e risadas apreciativas. Essa é uma importante maneira de fortalecer orelacionamento interpessoal. A formação mútua de hábitos se desenvolvequando as duas partes são fundamentais no contexto uma da outra. Podeparecer desumanizante falar sobre isso nesses termos, mas não precisa serassim. Seu segundo eu interage com o segundo eu do seu parceiroem todosos momentos, assim como sua vontade e suas intenções estão envolvidas eentremeadas com as dele. Você tem o poder de permitir que todas essaspartes se manifestem e se apoiem.Recompensas inesperadas funcionam em todos os aspectos da vida, atémesmo no supermercado. Comprar leite com um desconto especial por serum cliente habitual não vai mudar seus hábitos de compra. Mas fazer umacompra com um desconto especial inesperado ativa a dopamina, e arepetição da oferta pode começar a criar o hábito de comprar aquela marca.A formação de hábitos também in�uencia a liberação de dopamina emoutras áreas do cérebro. À medida que seu hábito de compra se desenvolve,outras áreas de tomada de decisão podem se tornar menos ativas,especialmente o córtex pré-frontal (em particular o córtex orbitofrontal).Depois das repetições, você pega o leite automaticamente, sem consultar opreço. Você não está mais tomando uma decisão.A dopamina também nos ajuda a aprender com nossos erros. Quandoagimos de uma forma que não resulta nas recompensas que esperávamos, osneurônios da dopamina reduzem a atividade, sinalizando para evitar essaação no futuro.4 Nosso cérebro reage se chegarmos tarde em casa e sentirmosfalta do beijo do cônjuge ou se os descontos forem suspensos e tivermos quepagar o valor integral do produto.Este é o lado sombrio das recompensas interpessoais: reprimir o afeto ereagir de uma forma que magoe seu parceiro é um sinal de relacionamentoemocionalmente abusivo.5 Quando os parceiros não são genuinamenteafetuosos ou usam o afeto como estratégia de manipulação, o abuso acontece.Assim como os vícios, que discutiremos no Capítulo 13, essesrelacionamentos abusivos podem ser distorções infelizes, às vezes trágicas, denossas respostas normais ao afeto e à recompensa.Às vezes a dopamina é chamada de substância química do bem-estar porestar envolvida em nossa experiência de recompensas. Mas as informaçõesespecí�cas transmitidas pela liberação de dopamina dependem do tempo,dos neurônios e dos receptores relevantes. Os efeitos da dopamina ocorremnuma escala de tempo de segundos, com os primeiros estágios doprocessamento sinalizando uma saliência, ou algo em que devemos prestaratenção.6 A novidade e a saliência das sensações físicas ativam os neurôniosda dopamina dessa maneira, assim como aquele inesperado aroma de pãesde canela no quiosque do aeroporto chama nossa atenção. Com oprocessamento contínuo, a dopamina sinaliza as recompensas que formamhábitos e nos energiza e nos revigora a buscar ações que tenhamconsequências positivas e realizem nossos objetivos.Tudo isso signi�ca algo importante para nossos propósitos: a dopaminade�ne uma escala de tempo para o aprendizado de um hábito. Ela o estimulaimediatamente com uma recompensa em nosso cérebro, respondendo àimportância e ao valor do que acabamos de receber. Embora a ciência aindaesteja descobrindo sobre o tempo neuronal, a dopamina parece promover oaprendizado de hábitos por menos de um minuto.7 Recompensas imprevistasno futuro, como um bônus salarial daqui a duas semanas ou um troféu deatletismo que você vai receber no �m de uma temporada, não alteram asconexões neurais da mesma maneira. As recompensas precisam servivenciadas logo após fazermos algo para criar as associações de hábitos(resposta ao contexto) na memória.Em vista desse curto intervalo, as recompensas mais e�cazes para aformação de hábitos em geral são intrínsecas a um comportamento ou a umaparte da própria ação. Pode ser a sensação de prazer que você sente ao leruma história envolvente para seus �lhos e vê a alegria deles ou a grati�caçãode se sentir generoso ao fazer uma boa ação, como se apresentar comovoluntário para trabalhar na cozinha de um sopão comunitário. Mas vocênão é um rato de laboratório. O fato de ser voluntário não implica ter comorecompensa uma enorme barra de chocolate e esperar que o hábito comece ase estabelecer. Deixe o sentimento intrínseco à atividade ser sua recompensa.Aproveite sua humanidade inerente.A “Teoria da Diversão” (uma campanha institucional da Volkswagen)ilustra como funcionam as recompensas intrínsecas. O projeto substituiu osdegraus de uma estação de metrô de Oslo por escadas que soavam como asteclas de um piano quando eram pisadas.8 Não surpreende que ospassageiros adoraram subir e descer. Outro projeto programou as latas delixo de um parque público para emitir um eco simulando algo caindo numpoço, o que fez os transeuntes recolherem o lixo ao redor para jogar nas latasapenas para ouvir o som mais uma vez.9Para avaliar as vantagens das recompensas intrínsecas, um estudoexaminou os hábitos de prática de exercícios entre estudantesuniversitários.10 Como era de esperar, os que gostavam de se exercitar –aqueles que os de�niram como uma atividade divertida e que os fazia sesentir bem – realizaram exercícios com mais frequência e consideraram algomais habitual e automático. Eles não precisavam pensar muito antes de ir àpista de corrida ou à academia. O mais interessante é que estudantes quepraticavam atividade física com a mesma frequência, mas que disseram fazerisso principalmente por culpa ou para agradar aos outros, não conseguiramformar um hábito forte. Como vimos no capítulo anterior, a repetição énecessária, mas só ela não é su�ciente. Os estudantes que não sentiram asrecompensas que criam a automatização a partir da repetição nãoestabeleceram um hábito e se viam obrigados a recorrer à consciência para iraté a pista de corrida ou a academia. Bastava uma pequena mudança paraque aproveitassem melhor sua experiência na atividade física. Eles deviammanter o que estavam fazendo, mas sem culpa ou obrigação em relação aosoutros. Concentrando-se no que queriam, dariam à recompensa intrínsecaespaço para se manifestar e ser sentida.Estudos de laboratório mostram em condições controladas que asrecompensas têm esse poder. Como mencionado no Capítulo 5, em um dosexperimentos estudantes universitárias jogaram um game de computador emque escolhiam determinada comida e ganhavam cenourinhas.11 Todasdisseram que gostavam de cenoura. Algumas também demonstraram umforte desejo de serem saudáveis, o que era uma recompensa adicional. Essasparticipantes estabeleceram um forte hábito na escolha de cenouras – quepersistiu até o �m do estudo, quando tiveram a opção de escolher umchocolate M&M. Quanto mais fortes as recompensas que as estudantessentiam ao escolher a cenoura, mais a escolha repetida se transformou numhábito forte, que se manteve apesar das tentações do chocolate.As recompensas também podem ser extrínsecas, o que signi�ca que nãofazem parte do comportamento. Algumas recompensas extrínsecas são bemimediatas. Se você estiver organizando jantares em família para agradar seucônjuge, uma expressão de gratidão ao se sentar à mesa é uma recompensaextrínseca instantânea. Ambientes agradáveis também são uma recompensaextrínseca. Algumas academias têm salões so�sticados para nos fazer sentircomo se estivéssemos num clube exclusivo enquanto praticamos atividadesfísicas. Outras vendem roupas bacanas para você usar. São recompensasextrínsecas imediatas para fazer exercícios. Elas se utilizam da sua noção declasse e superioridade. Quem não gosta de se sentir especial?Obviamente, ser pago por uma atividade é a clássica recompensaextrínseca. É o tipo de recompensa que organiza carreiras, vidas e sociedadesinteiras. É um pouco tosca, mas e�caz. O pagamento pode ser imediato,quando você faz alguma coisa, ou você pode estar pensando nele durante atarefa, mas em geral só se torna saliente após um intervalo, como no caso doseu salário quinzenal ou mensal. O intervalo de tempo entre a ação e arecompensa, juntamente com a quantia recebida regularmente, signi�ca quea dopamina não consegue fazer seu trabalho.Há outra razão para questionar a utilidade das recompensasextrínsecas.Elas excluem, ou solapam, a noção de estarmos agindo por qualquer outromotivo. Quando somos pagos para realizar uma tarefa, podemos ver issocomo algo que não faríamos de outra maneira. Se o pagamento terminar,também podemos parar.Na prática, a maioria das recompensas combina o intrínseco e oextrínseco. Você pode �car até tarde da noite no escritório por quererrealizar um ótimo trabalho em algum projeto (intrínseco), mas também porpensar no reconhecimento que terá do seu chefe (extrínseco).O intervalo entre a ação e a recompensa pode explicar o sucesso limitadode intervenções que pagam para que as pessoas sejam mais saudáveis. Àsvezes programas de assistência médica oferecem dinheiro para que parem defumar, emagreçam, façam exercícios ou meditem. De acordo com as leis daeconomia, faremos a maioria dessas coisas se formos pagos por isso, aomenos inicialmente.12Vamos considerar um programa de perda de peso de seis meses realizadocom 27 mulheres e quatro homens.13 O peso médio inicial era de 95 quilos.As pesagens eram feitas mensalmente. Aqueles que estivessem pesando 2quilos a menos do que na pesagem do mês anterior recebiam 100 dólares. Odinheiro era transferido automaticamente para a conta bancária doganhador. Esse grande incentivo não produziu resultados signi�cativos.Passados seis meses, os participantes tinham perdido, em média, um total de2,3 quilos.O pagamento teve algum efeito. O grupo que foi pago se saiu melhor queos 32 participantes de um grupo de controle que não receberam dinheiropara emagrecer. Eles passaram pelo mesmo procedimento de pesagemmensal e �cavam sabendo se haviam atingido sua meta pessoal de perda depeso naquele mês. Nos seis meses, os participantes não pagos perderamapenas meio quilo.Três meses depois de terminado o estudo, todos foram pesadosnovamente. O grupo pago recuperou parte do peso que perdeu. Estavampesando somente 1 quilo a menos do que quando começaram, quase omesmo que os participantes não remunerados.O que aconteceu? O estudo pôde ser classi�cado como altamenteambicioso, ilustrativo em diversos aspectos. O acompanhamento de pessoasdurante nove meses de pesagem foi um empreendimento importante. Mas oprograma não conseguiu formar hábitos alimentares saudáveis. Se vocêpensar no que já aprendemos sobre a formação de hábitos, é fácil localizar osproblemas: repetição e recompensa (talvez também o contexto, mas isso não�cou tão claro).Provavelmente não houve repetição nesse programa. Meu palpite é queos participantes iniciavam o mês sem pensar muito na perda de peso.Seguiam a dieta à medida que a data da pesagem se aproximava. Podem atéter jejuado no dia anterior à pesagem. A�nal, 100 dólares é muito dinheiro.Ao seguir uma dieta desse tipo, os participantes não estavam repetindonovos hábitos alimentares. Para nossa mente consciente, essa repetiçãoparece supér�ua. Não faz diferença se às vezes passamos fome e ignoramos adieta. O pressuposto é que só precisamos de um dé�cit de calorias. Mas sequisermos estabelecer hábitos, precisamos repetir as ações até que se tornemautomatizadas.A recompensa também não foi otimizada. Era paga no �m do mês e nãoestava intimamente ligada ao desempenho de nenhum comportamentoespecí�co. Talvez os participantes pensassem nisso algumas vezes enquantotentavam seguir a dieta. Contudo, no resto do tempo, a recompensa nãoconseguiu consolidar conexões mentais entre contextos e respostas. Comoresultado, não se formaram novos hábitos e os novos comportamentos nãoforam mantidos.14 Para nossa mente consciente (e para muitos economistas),grandes recompensas deveriam funcionar. Parece altamente motivadorganhar 100 dólares por uma perda de peso mensal ou comprar ingressospara um show por ter cumprido o prazo do trabalho na semana anterior.Mas isso não implica formação de hábito. A recompensa não estáintrinsecamente ligada ao comportamento. Grandes recompensas isoladasnão demonstram a capacidade de criar hábitos.Programas de bem-estar oferecidos aos funcionários por muitasempresas dos Estados Unidos �cam aquém em inúmeros aspectos natentativa de formar novos hábitos, como perder peso ou parar de fumar.15 Asrecompensas incluem redução do prêmio dos seguros, isto é, damensalidade, e às vezes pagamentos em dinheiro a longo prazo. Mas poucosprogramas ensinam as pessoas a repetir ações especí�cas. Portanto, resultamem pouca formação de hábitos.Você pode se perguntar sobre recompensas negativas, ou os chamados“contratos de contingência”. Pode concordar em fazer alguma coisa(emagrecer) para evitar um evento aversivo (ter que pagar uma quantia).Uma variante dessa proposta é o “pote de palavrões”, usado por muitasfamílias. Se alguém disser um palavrão, é punido e precisa depositar,digamos, 1 dólar no pote. Essa multa, juntamente com a inevitável zombariados familiares, deveria ser su�ciente para reduzir a resposta à dopamina doofensor e diminuir os palavrões. Nesse exemplo, o comportamento estáligado a uma consequência imediata (pelo menos quando outras pessoasestão no alcance auditivo).Porém, é mais comum que os contratos de contingência sejamestabelecidos de maneiras não ideais para manter as mudanças ao longo dotempo. Você pode apostar 100 dólares com seu irmão que passará no exameda Ordem dos Advogados de primeira. Se você não passar, a reprovação vaiter um preço. Então você espera que essa ameaça crie um novo hábito deestudo. Ou como acontece no caso de resolver frequentar uma academia. Sevocê não for três vezes por semana este mês, não poderá comprar aquelecasaco que está namorando. Essas coisas podem ser motivações e�cazes nocurto prazo, mas não são o tipo de recompensa que estabelece novos hábitos.Estão muito distantes do comportamento que você está tentando mudar, enão necessariamente vinculadas a nenhuma repetição especí�ca.Dada a maneira como a dopamina funciona para criar associações dehábitos na memória, é fundamental receber recompensas imediatas pelasmuitas repetições.Há mais do que imediatismo na história da dopamina. Como já discutimos,a substância responde à incerteza na forma de erros na previsão darecompensa, o que nos permite aprender com a experiência. Isso signi�caque aprendemos com recompensas incomuns ou inesperadas – maiores oudiferentes das com que estamos acostumados. Essa pode ser a ideia maissurpreendente até agora.Você já gerenciou pessoas? Em caso a�rmativo, conhece a diretriz de queé fundamental explicar detalhadamente suas expectativas em relação aotrabalho delas e quais serão as recompensas? As normas empresariais sãoclaras: as recompensas (ou remuneração) devem ser transparentes, con�áveise estáveis. Não pode haver surpresas. O importante é a previsibilidade. Éassim que você tira o máximo proveito de seus funcionários – e de si mesmo.Provavelmente você sabe quanto vai receber no contracheque no �m do mês.Essas normas empresariais estabelecem con�ança e reduzem a confusão eo estresse. No entanto, não é um caminho e�ciente para criar novos hábitos.Os hábitos dependem de surpresas. Sim, nossos comportamentos maischatos e repetitivos na verdade dependem de sermos perturbados e umpouco desequilibrados. E tudo isso tem a ver com este terceiro e últimoaspecto: as recompensas incertas são as mais importantes.É a incerteza das recompensas que nos atrai para os cassinos.Atualmente, quase 70% dos lucros dos jogos vêm de máquinas caça-níqueis ede videopôquer.16 As máquinas são programadas para resultar mais em“quase acertos” do que no simples acaso, aumentando o sentimento de“Quase ganhei!” dos jogadores . Quase ganhar parece uma espécie de vitória,que pode ativar os caminhos de recompensa da dopamina e reforçar oshábitos que nos mantêm no jogo (vamos falar sobre vício no Capítulo 13).Mas por que isso acontece? Uma explicação evolutiva é que todos osanimais são suscetíveis a recompensasinesperadas porque nossasobrevivência exigia repetidas incursões em busca de alimento, em vista daescassez do ambiente natural. Se quiséssemos encontrar comida, água ouoportunidades de acasalamento, tínhamos que persistir apesar de repetidosfracassos.17 Por isso, a dopamina pode nos motivar a continuar tentando, adespeito da possibilidade de não nos sairmos bem.Somos todos peões condicionados a reforços incertos. Isso �ca mais claroquando pensamos fora do contexto do local de trabalho. Quando foi a últimavez que você consultou seu celular? Os americanos consultam seus celulares8 bilhões de vezes por dia, o que dá uma média de 46 vezes por pessoa.18O uso de smartphones é um hábito arraigado. Um dos gatilhos é a hora.Para muita gente, é a primeira coisa a fazer de manhã, antes mesmo de selevantar: acordar – consultar o telefone. E é a última coisa feita à noite: deitarna cama – veri�car o celular. Durante o dia, é comum as pessoas pegarem ocelular em momentos de tédio: sentir-se entediado – pegar o celular. Arecompensa por toda essa atividade? De vez em quando um e-mail, umamensagem de texto, uma postagem ou um tuíte podem ser interessantes. Amaioria das informações é perda de tempo, irrelevante. As raras informaçõesúteis ou aproveitáveis são as recompensas ocasionais que nos mantêm deolho no celular.Pesquisas com animais demonstram claramente o poder dasrecompensas incertas. Em um estudo, ratos acionavam uma alavanca paraganhar uma porção de alimentos. Essa recompensa era dada em intervalosde tempo aleatórios. Às vezes o acionamento resultava numa porção depoisde nove segundos; às vezes era preciso esperar 30.19 Essa intermitência ésemelhante à de algumas recompensas naturais. Uma abelha coletando pólende uma �or, por exemplo, precisa esperar antes de retornar a ela, até que maispólen seja produzido. Às vezes a espera é longa, às vezes é curta.Quando as recompensas eram dadas em intervalos aleatórios como esses,os ratos acabavam acionando várias vezes a alavanca sem obter comida.Como não sabiam quando funcionaria, eles continuavam tentando. Os ratosformaram um forte hábito de acionar a alavanca, que persistiu mesmoquando as recompensas pararam de vez. No trabalho ou na academia, isso échamado de produtividade.Para nossa mente consciente, recompensas maiores e mais certas – quesabemos que estão por vir – são motivadoras. Mas os hábitos vicejam naincerteza. Imagine que você está participando de um leilão que envolvemoedas de chocolate como recompensa. É possível fazer lances para um lotede cinco moedas ou um lote misterioso de três ou cinco moedas, que só serárevelado quando seu lance for aceito. Logicamente, o lote com cinco moedasvale mais.Mas não é bem assim. Pesquisadores da Universidade de Chicagorealizaram exatamente esse leilão e constataram que o lance médio para oslotes garantidos de cinco moedas foi de 1,25 dólar. A oferta média para o lotemisterioso foi de 1,89.20 Quando questionados, os participantes disseram queo leilão incerto era mais emocionante. Não aumentava o valor real darecompensa, mas tornava o jogo mais divertido. Eles pagaram mais paradisputar e disseram que gostariam de participar do leilão novamente. (Osegredo, no entanto, foi descoberto no processo. Quando planejavam seuslances com antecedência, os participantes preferiam a recompensa certa.)A “gami�cação” baseia-se nessas descobertas sobre as recompensas.Muitos videogames, estruturados com recompensas incertas, estabelecemhábitos fortes. Em 2018, a indústria de videogames valia mais de 130 bilhõesde dólares.21 Os jogos educacionais também se bene�ciam da incerteza.Quando estudantes universitários tentaram aprender conceitos jogandoalgum game, uma resposta correta ganhava uma pontuação de�nida ou umnúmero de pontos que dependia de um lance de dados.22 Quando asrecompensas eram determinadas pelos dados (e, portanto, incertas), osalunos passavam mais tempo respondendo às perguntas e eram maisprecisos. A gami�cação vem sendo usada em todos os tipos de programas detreinamento pro�ssional. Para ensinar pilotos de caça, mecânicos deautomóveis e cirurgiões laparoscópicos, os jogos oferecem vários tipos derecompensas diferentes, incluindo insígnias e pontuações. No entanto,somente alguns jogos educacionais envolvem recompensas incertas, e talvezpor isso os jogos em geral não se mostrem mais e�cazes do que os programasde ensino padrão.23Em resumo, a incerteza estimula os sistemas de recompensa do cérebrode maneiras que podem não parecer racionais, mas que mesmo assim nosmantêm fazendo o que estamos fazendo.Recompensas também são uma ótima forma de mensurar quanto um hábitose tornou forte. No capítulo anterior, vimos como os hábitos podem seinsinuar e se estabelecer sem termos plena consciência deles. Mas isso nãosigni�ca que não possamos medir sua força.Para os cientistas, a insensibilidade à recompensa é o padrão-ouro paraidenti�car um hábito.24 O único modo de saber com certeza se uma ação éexercida pela força do hábito é veri�car o que acontece quando a recompensamuda. Se persistirmos mesmo quando não valorizamos tanto a recompensaou ela não estiver mais disponível, estamos agindo por força do hábito.Como mencionado no Capítulo 3, esse fenômeno foi descoberto empesquisas com ratos de laboratório. Em um dos estudos, por exemplo, ratosforam treinados para acionar uma alavanca 100 ou 500 vezes para receberuma pastilha de comida.25 Após esse aprendizado inicial, os animais foramalimentados com algumas pastilhas e injetados com uma toxina que osdeixava doentes. Os ratos logo desenvolveram aversão às pastilhas. O que erauma recompensa agora tinha se tornado um veneno – a mesma aversão queeu e você desenvolvemos depois de uma intoxicação alimentar.Depois dessa experiência, os ratos treinados para acionar 100 vezes aalavanca �zeram o lógico: pararam de acioná-la, evitando pegar a pastilhaque os deixava doentes. Mas os ratos treinados para acionar a alavanca 500vezes já tinham repetido o comportamento o su�ciente para formar umhábito e continuaram a fazê-lo mesmo depois de associar a comida ao mal-estar. Quando começavam a comer uma pastilha, esses animais cuspiam comnojo. Claramente não era mais uma recompensa.Mas os hábitos não mantiveram esses ratos acionando a alavanca parasempre. Os hábitos foram alterados com a experiência adquirida. Depois dealguns minutos acionando a alavanca sem nenhuma recompensa real, elesperceberam que o mecanismo não fornecia mais o que queriam e desistiram.Esse tipo de estudo revela uma característica muito básica dos hábitos: aação é executada independentemente de ser desejável no momento. É comose os fantasmas das recompensas anteriores continuassem existindo. A açãopraticada (acionar a alavanca) vinha à mente e os ratos a realizavam semdeliberar. Isso mostra como o efeito das recompensas pode persistir e seprojetar no futuro. É por isso que as recompensas são muito e�cientes: elascontinuam a operar em nossos hábitos bem depois da última vez que asrecebemos. Uma recompensa bem escolhida é como um investimento seguroe estável.Meu colega David Neal e eu resolvemos veri�car exatamente esse aspectodas recompensas em um experimento envolvendo a guloseima mais cara doscinemas, a favorita de todos.26 Fomos ao cinema do campus e distribuímospipoca aos espectadores. Pipoca velha é desagradável, mas não deixaninguém doente. Por isso deixamos enormes cubas de pipoca no nossolaboratório por uma semana.O cinema sempre exibe alguns trailers antes do �lme principal. Dissemosaos participantes que o experimento era para avaliar suas preferênciascinematográ�cas. Demos a cada pessoa um saco de pipoca e uma garrafa deágua, como uma espécie de compensação. Metade dos participantes recebeuas pipocas velhas e metade �cou com as recém-feitas. Depois de assistir aostrailers, os participantesentregaram os sacos com o que sobrou de pipoca,para podermos medir quanto haviam comido. Eles também informaram afrequência com que costumavam comer pipoca no cinema – nosso indicadorda força do hábito.Os participantes que não tinham o hábito agiram racionalmente econsumiram muito mais pipoca fresca do que pipoca velha. Eles comeram70% dos sacos de pipoca fresca, em média, e cerca de 40% das pipocas velhas.A�nal, era um campus universitário, e pipoca de graça pode explicar por queaté as pipocas velhas foram consumidas. Em contrapartida, os espectadoresque tinham o hábito de comer pipoca no cinema consumiram a mesmaquantidade, mais de 60% do saco, independentemente de a pipoca ser frescaou velha.Depois, todos disseram que odiaram a pipoca velha. Contudo, isso nãofoi problema para os que tinham o hábito. Como estavam no cinema, elescomeram as pipocas como sempre, totalmente insensíveis ao que poderíamoschamar de um verdadeiro prazer. Esperávamos que eles avaliassem o queestavam consumindo e tomassem uma decisão sobre continuar comendo ounão. Mas as sugestões eram muito fortes: luzes apagadas, trailers na tela,sacos de pipoca na mão. Os participantes �zeram o que estavamacostumados a fazer.Em um segundo estudo, �zemos um pequeno ajuste que criou um atritocom o hábito de comer pipoca no cinema: colocamos alças de papel nossacos. Foi dito à metade dos espectadores que segurassem a alça com a mãodominante (geralmente a direita) e comessem com a outra. Experimentefazer isso qualquer dia – é como usar hashis quando você só sabe comer comgarfo e faca. A outra metade dos participantes foi instruída a fazer ocontrário: segurar o saco com a mão não dominante e usar a dominante paracomer. Esses iriam comer do jeito que sempre comiam.Aqueles que usaram a mão não dominante não conseguiram comer comode costume. Tiveram que pegar as pipocas com cuidado antes de levá-las àboca. Com o acréscimo desse atrito, os participantes que tinham um fortehábito de comer pipoca no cinema consumiram apenas 30% dos sacos depipoca velha e 40% dos das frescas – uma redução signi�cativa em relação aquando comeram da maneira normal. A alteração no jeito como comiam,mesmo que pequena, os fez pensar no que estavam fazendo. De repente,passaram a agir de acordo com a experiência real do momento – comendopipoca velha e murcha –, e não com o hábito de comer pipoca desenvolvidono passado.A imprensa adora divulgar esse tipo de pesquisa, e a nossa teve seus 15minutos de fama. No entanto, os jornalistas interpretaram mal os resultados.Revistas de saúde concluíram que o estudo com os sacos de pipoca com alçamostrava os benefícios de comer com a mão não dominante no controle dopeso. Na opinião deles, essa seria uma maneira de comer menos. Quandoentraram em contato comigo para fazer entrevistas, tentei mostrar como issoseria um tiro pela culatra: comer com a mão não dominante nos faria prestarmais atenção no sabor. Os participantes não gostaram nem da pipoca frescano nosso estudo, e odiaram a pipoca velha. Portanto, faz sentido que tenhamcomido menos quando prestaram atenção no que estavam fazendo, mesmoquando a pipoca estava fresca. Mas e se gostarmos da comida? Ao vivenciar aexperiência no aqui e agora, podemos comer ainda mais. Comer com a mãonão dominante não é uma técnica de dieta. É uma forma de inviabilizar ohábito de comer automaticamente – por estar mais consciente da comida.O efeito da diminuição da recompensa explica por que nossa recém-descoberta parcimônia em relação ao dinheiro persiste depois de termospagado a dívida do cartão de crédito e de o orgulho de economizar tornar-seuma lembrança distante. Nosso comportamento agora é automático. Até osmuito ricos podem �car presos a hábitos frugais como esse. Warren Buffett,presidente e CEO da Berkshire Hathaway e um dos homens mais ricos domundo, mora na mesma casa que comprou por 31.500 dólares em 1958.Charlie Ergen, fundador e presidente da Dish Network, ainda traz o almoçode casa todos os dias, que consiste em um sanduíche e um Gatorade. Constaque Hilary Swank, Lady Gaga e Kristen Bell, todas celebridades muito bempagas, ainda recortam cupons de desconto antes de fazer compras. Noentanto, é preciso dizer que os maus hábitos também persistem. Um hábitoformado ao assistir a temporadas grati�cantes de Game of rones continuamesmo quando as emissoras de TV não conseguem produzir novosprogramas igualmente fascinantes. Nosso hábito não percebe, então nosmantém em frente à telinha todas as noites em vez de buscar algumaalternativa na literatura ou na música.Quando se entende como as recompensas funcionam para criar hábitos, tudo�ca mais fácil. Lavar as mãos com sabonete é uma das ações mais baratas ee�cientes para a saúde em países em desenvolvimento. Como podemostornar isso su�cientemente recompensador para as crianças lavarem as mãoscom frequência?Pesquisadores empreendedores distribuíram pequenas barras desabonete translúcidas para crianças de 4 anos de uma comunidade carenteem Western Cape, África do Sul.27 Para algumas, o sabonete foi grati�cante –colorido e translúcido, com um brinquedo (uma bolinha, um peixe deplástico) visível no centro. Outras pegaram o brinquedo, mas deixaram osabonete de lado. No início do estudo, as crianças raramente lavavam asmãos antes das refeições ou depois de usar o banheiro. Quando começaram aganhar um novo sabonete a cada duas semanas, durante dois meses, ascrianças que usavam o sabonete divertido passaram a lavar as mãos commais frequência do que as que usavam um sabonete comum. Lavar as mãosse tornou grati�cante, pois o brinquedo no interior atraía a atenção dascrianças.Que tal usar recompensas para os adultos lavarem as mãos? A instalaçãoMrembo, projetada para uso na zona rural do Quênia, tem um espelho emcima de uma pequena pia.28 Quando montada do lado de fora de umalatrina, a instalação recompensa os usuários com a visão do próprio rostoenquanto lavam as mãos. O que pode ser mais grati�cante do que ver aprópria imagem?Hábitos são formados no momento, a partir de uma experiência deprazer. A regra para seleção é simples – o que achamos agradável. Emresumo, aprendemos pelo hábito quando a repetição das nossas ações nos dámais prazer do que nossos sistemas neurais esperam.9COERÊNCIA É PARAOS MAIS ÍNTIMOS“Estabilidade não é imobilidade.”– KLEMENS VON METTERNICHSeu eu habitual tem anseios diferentes dos seus. Essa diferença é crucialquando estamos tentando nos orientar no sentido dos nossoscomportamentos preferenciais. Os hábitos, como já vimos, prosperam com aincerteza da recompensa. Além disso, não gostam de variedade. Na verdade,odeiam. A variedade enfraquece os hábitos, atenua seu poder de direcionar ocomportamento. Isso ocorre porque a variedade é inimiga de contextosestáveis, que, como aprendemos no Capítulo 6, são a condição sine qua nondos hábitos. Se você não organizar sua vida de maneira con�ável e contínuapara estimular um novo hábito desejado, este hábito nunca se estabelecerá.Seu hábito só se desenvolverá se você mantiver sua vida o mais coerentepossível. Caso contrário, pode esperar que ele se desenvolva lentamente,como uma planta com pouca luz.Tanto eu quanto você temos uma cozinha, e provavelmente você, assimcomo eu, prepara café logo de manhã. Mas os estímulos habituais nocontexto da sua cozinha são diferentes dos meus. Se você usa uma cafeteiratradicional, os seus são o �ltro, o pó de café, a água, a jarra de vidro e aprópria cafeteira. Minha máquina de café expresso oferece estímulosdiferentes: um recipiente atarraxável com o �ltro, pó para café expresso, aprensagem do pó, água, a máquina e o vaporizador de leite. Talvez vocêtenha um lugar na cozinha onde se senta para esperar o café ser �ltrado –outro estímulo. Eu preciso �car de pé para preparar o café e vaporizar o leite.Tudo isso sãocomponentes recorrentes do contexto que facilitam o preparodo café. Com a repetição, esses estímulos se inserem nos nossos hábitosmatinais.Numa dessas manhãs, seus �lhos podem ter deixado o trenzinho no chãoda cozinha, e você tropeça nele. Ou talvez tenha se esquecido de comprarcoador de papel na última vez que foi ao mercado. Essas mudanças alteramos estímulos. Você é obrigado a pensar no que está fazendo. Vai guardar otrenzinho ou simplesmente contorná-lo? Vai improvisar um �ltro com papel-toalha? Vai tomar uma xícara de café agora ou a caminho do escritório?Se houver uma mudança nos estímulos do contexto, você precisa pensar.Não pode agir por hábito. Ainda tem que decidir quanto quer tomar um café.Se for muito difícil, pode escolher deixar para mais tarde.Mas talvez você saia para dar uma corrida depois do café. Você não correem jejum. Ou, quando corre, costuma usar um aplicativo no celular paramedir o percurso. O aplicativo emite um bipe e você sabe que acabou. Seucelular faz parte do contexto da corrida. O sinal sonoro é uma indicação dequando parar. Quase literalmente. Faz você correr quase automaticamente.Só que durante a noite o celular foi atualizado para um novo sistemaoperacional. Você não recebe mais o sinal sonoro esperado. Sim, é umamudança pequena, mas essas alterações nos estímulos obrigam você a tomardecisões. Vale a pena acessar a internet para descobrir como atualizar oaplicativo? Talvez você apenas faça uma estimativa da distância do percursoessa manhã. A ausência desse estímulo regular criaria um empecilho parasua corrida matinal.Ou talvez o contexto da corrida matinal envolva uma companhia. Vocêvai até o ponto habitual para encontrar a pessoa. Ela é um estímulo humanopara acelerar seu ritmo (mas você não precisa dizer isso a ela). Outro gatilhopara sua corrida é a hora. Se você se demorar no café da manhã, vai sentirfalta do parceiro de corrida e não chegará em casa a tempo de tomar banhoantes de sair para o trabalho. São mais alguns estímulos de apoio a quaisqueroutras ações que esteja realizando: terminando o café, despachando os �lhospara a escola, amarrando os sapatos. Você não sai para correr antes deconcluir essas etapas.Locais, dispositivos eletrônicos, pessoas, tempo e outras ações: tudo sãoestímulos estáveis vinculados ao exercício de criar hábitos matinais. Aalteração de um deles pode desfazer seu hábito e obrigá-lo a pensar, aomenos naquele momento. Se um deles mudar de forma permanente, podeeliminar o hábito por completo.Neste capítulo, vamos aprender como é importante manter o contexto depromoção de hábitos o mais estável possível. Se você con�gurar seu mundopara ser constante, recorrente e inabalável, esses estímulos podem ser ocombustível para que seus novos hábitos decolem com uma velocidadeestupenda. Nossa mente pode começar a desenvolver os atalhos de respostaao contexto, automatizando o cumprimento de nossos objetivos.Para a formação do hábito de frequentar a academia, o horário é um fortecontexto de sugestão.1 Em um estudo de 12 semanas, alguns novos membrosrecém-matriculados numa academia desenvolveram padrões de fazerexercícios em horários regulares do dia. Um deles informou que ia “todos osdias às sete horas”, enquanto outro chegava “todas as noites depois do jantar”.Outros disseram que se exercitavam menos regularmente, quando tinhamtempo. Ao �m de 12 semanas, aqueles que praticavam exercícios no mesmohorário contaram que faziam aquilo sem pensar muito e sem precisar selembrar. Para eles, a atividade se tornou automatizada. Quem se exercitavaem horários irregulares não teve a mesma sorte. Eles continuaramdependentes do modelo antigo do qual tentamos nos livrar: só iam àacademia quando queriam ou quando se obrigavam a ir conscientemente.O horário também é importante quando precisamos tomarmedicamentos regularmente. É particularmente difícil tomar remédiosdiários para controlar a pressão ou anticoncepcionais, pois não há sintomasde alguma doença para lembrá-lo ou algum sinal de dor para formar ohábito. Mas esquecer de tomar as doses diárias pode ser desastroso emambos os casos.Mais uma vez, o horário é fundamental para esses hábitos. Um estudoparticularmente convincente avaliou a vantagem dos estímulos do horáriopara tomar remédios contra a hipertensão. Os pesquisadores substituíram astampas dos frascos dos remédios por rótulos especiais que registravam comque frequência e quando os pacientes tomavam os medicamentos.2 No geral,houve uma boa regularidade, com cerca de 76% tomando os comprimidosno horário prescrito. No entanto, os pacientes que informaram já ter hábitosmais fortes de tomar os remédios em determinado horário mostraram umaregularidade maior. Eles tomavam os comprimidos com mais frequência, emgeral numa janela de duas horas dentro do horário prescrito. Estudosemelhante com contraceptivos orais revelou uma regularidade menor, comcerca de metade das participantes admitindo que pulavam alguns dias todosos meses.3 Também nesse caso o estímulo do horário era importante. Entreas que esqueciam a pílula duas ou mais vezes por mês, só 44% tomavam omedicamento sempre no mesmo horário, enquanto 90% das que nuncadeixavam de tomar usavam o horário como estímulo. A hora em que asmulheres tomavam os comprimidos não fez diferença – de manhã, à tarde ouà noite. O importante era tomar a pílula sempre no mesmo horário.Para nossa mente consciente, estímulos estáveis não são um grandeproblema. Tomar remédios em horários diversos não faz diferença se você sesentir su�cientemente motivado (e o que pode ser mais motivador do que asaúde do seu coração?). De fato, os pesquisadores que rotularam os frascosde comprimidos contra hipertensão esperavam uma maior regularidadeentre os pacientes que acreditavam na e�cácia dos remédios. São pessoas quedeveriam se sentir mais motivadas para tomar os medicamentos. Mas aconvicção dos pacientes não teve impacto na regularidade da medicação,4 esim o estímulo do horário.Esses estudos demonstram bem que “contexto” não signi�ca apenas“ambiente físico”. O local é importante, mas seu contexto também podeconsistir de coisas intangíveis: a hora, por exemplo, ou o estado de espírito.Um dos possíveis contextos mais importantes são as outras pessoas (domesmo modo que você também é uma in�uência para elas).As pessoas com quem você convive podem funcionar como estímulosestáveis, especialmente em relacionamentos íntimos. Você é um estímuloestável que ativa certas respostas do seu parceiro. Em troca, seu parceiro éum estímulo que ativa algumas de suas respostas. Ele ou ela pode enviar umalista de compras para você, fornecendo um estímulo para passar no mercadoe comprar algumas coisas para o jantar. Ou você pode abastecer o carro acaminho de casa e deixar seu parceiro pegar os �lhos na escola, o que é umestímulo para você preparar o jantar. É claro que não vemos nossosrelacionamentos como um mecanismo de estímulos e respostas. Isso seriamuito pouco romântico. Quando começamos um relacionamento, pensamosnos sentimentos e nas expectativas do outro em relação a nós. Nãoesperamos que um parceiro em potencial nos mande uma mensagem detexto com uma lista de compras. E se alguém �zer isso talvez tenhamos quepensar muito sobre o signi�cado dessa atitude e no relacionamento. Mas,quando nos tornamos mais próximos, estabelecemos uma espécie deinterdependência comportamental com nosso parceiro, para que nossas açõesinterajam sem problemas.5 As interações se tornam cada vez mais fortes.Passamos a contar com elas para coisas importantes, e de muitas maneirasdiferentes. Cada um de nós serve como um estímulo estável para a respostado outro, enquanto o outro, por sua vez, se adapta a nós.Com o tempo, essas sequências de interação automatizadas podem serpraticadas e organizadas a ponto de se tornarem relativamente automáticas ese passarem fora da consciência. A maneira automatizada como cadaparceiro sugere ações especí�cas para o outro explica um dos enigmas dosrelacionamentos: como pessoas podem ser muito próximas e manter bonsrelacionamentos tendo pouca noção consciente dessa intimidade eproximidade? Uma resposta é que não precisamos estar conscientes doentrosamento das sequências de interações habituais com nossos parceiros.6Isso acontece automaticamente, com cada um facilitando e reforçando asações do outro. Casais que se dão bem interagem de maneiras relativamenteirracionais, sem pensar muito no que estão fazendo ou por que estãofazendo. Esperamos que nossos parceiros continuem sendo as pessoasmaravilhosas e grati�cantes que passamos a amar. Como resultado, nossareação à dopamina permanece praticamente neutra. Lembre-se de que, pelalógica dos erros de previsão de recompensa, reagimos às recompensasinesperadas, mas não tanto às recompensas esperadas.Isso pode parecer estranho – a ideia de que casais que se dão bem sejamalienados –, mas pense por um momento nos casais intensamente envolvidosque você conhece. Aqueles que estão sempre um do lado do outro, que seolham languidamente o tempo todo, que se surpreendem e se encantam comas atitudes do parceiro. O que isso lembra? Adolescentes. Romeu e Julieta. Oprimeiro amor. Radiante e esperançoso (e, esperamos, não fadado a se tornaruma tragédia).Pois é. Alimentar expectativas em relação aos nossos grati�cantes emaravilhosos parceiros tem uma implicação irônica: os bem casados podemnão sentir muita paixão um pelo outro.7 É como se cada um continuassepresenteando o outro com as mesmas �ores e agrados, mas nenhum deles osnota mais. Nos relacionamentos da vida real, é mais provável que ainterdependência envolva um parceiro pagando as contas enquanto o outrolava a louça. Mas é a mesma questão. Os relacionamentos podem seautomatizar para que as emoções e a intimidade se tornem latentes, nosentido de que os parceiros continuam intimamente ligados, mas sem asensação consciente da paixão.Na verdade, casais que se dão bem podem não desfrutar de umaintimidade maior no cotidiano do que casais em relacionamentos paralelos ouvazios, em que os parceiros compartilham pouco ou têm um impacto menossigni�cativo uns nos outros.8 Para aqueles que se dão bem, estímulos erespostas �uem tão naturalmente que as tomadas de decisão raramentetrazem à mente o relacionamento. Na melhor das hipóteses, esses estímulos erespostas �uentes são a base da segurança e da con�ança em umrelacionamento. Duas desvantagens potenciais, mas não inevitáveis, são otédio e a garantia de ter o parceiro no relacionamento, como discutiremos noCapítulo 11. A variedade pode ser inimiga do seu eu habitual, mas continuasendo o tempero da vida. Lembre-se: você não pode funcionar só com baseno hábito. Como sempre, devemos lembrar que os hábitos servem maiscomo um apoio para libertar nossa atenção e nossos recursos para outrascoisas.Nossa mente é projetada para ver as árvores e ignorar a �oresta. Somosorientados por estímulos e acabamos não enxergando o quadro como umtodo, o mundo em geral. Muito da nossa vida é conduzido numa espécie depaisagem surreal de estímulos imensos que ofuscam as proporções darealidade subjacente.A imaginativa pintura de René Magritte a seguir (Les Valeurs personelles /Valores pessoais, 1952) ilustra bem esse aspecto dos estímulos habituais. Osestímulos que ativam nossos hábitos são in�uenciados pelo exterior. Nossobanheiro de manhã? O pincel de barba, o sabonete, o espelho e o penteganham proeminência. Em contrapartida, a cama perde destaque. Hoje emdia, isso poderia ser representado pelo celular na sua mesa de cabeceira como despertador tocando. Hora de acordar. Sua mente não registra mais nada(ao menos até tomar café).Estamos cientes de algumas coisas que chamam nossa atenção. Quandosentimos fome, olhamos com ansiedade para a barraca de cachorro-quente.Quando estamos com sede, é difícil ignorar alguém tomando uma bebidagelada. Os hábitos também funcionam como estímulo, pois são formados nonosso histórico de recompensas e também atraem a atenção. Como discutidono Capítulo 8, quando recebemos uma recompensa, em especial quando arecompensa é inesperada, nossos sistemas neurais respondem com asinalização da dopamina. Essa substância neuroquímica ajuda a estabelecerconexões mentais entre contextos e respostas, formando hábitos na memória.No entanto, faz muito além disso. A dopamina também direciona nossaatenção. Faz com que respondamos a estímulos que nos proporcionaramrecompensas no passado. Os sistemas neurais ativados por esses estímuloslogo enviam sinais que in�uenciam nossas reações. É por isso quepercebemos os estímulos dos hábitos antes mesmo de tomar decisões sobreem que nos concentrar.9 Os estímulos dos hábitos chamam nossa atençãomais rapidamente do que muitos outros aspectos dos contextos de nossocotidiano.Os efeitos de atração dos estímulos que nos deram recompensas nopassado foram demonstrados num engenhoso teste de laboratório.10 Nessecaso, os estímulos eram círculos na tela de um computador. A tarefa era fácil– localizar um círculo vermelho ou verde, entre muitos outros círculoscoloridos, e apertar uma tecla para indicar se a linha dentro do círculo erahorizontal ou vertical. Para alguns participantes, o círculo verdeproporcionava uma grande recompensa (10 centavos de dólar), enquanto overmelho resultava numa recompensa menor (2 centavos). Para outrosparticipantes, os pagamentos eram invertidos.Estudantes universitários jogaram esse jogo 240 vezes – o su�ciente paracriar o hábito de clicar numa tecla de computador quando viam um círculovermelho ou verde. Nesse processo, ganharam alguns dólares. Oito diasdepois, voltaram ao experimento com uma tarefa diferente. Dessa vez a cordas �guras era irrelevante. A tarefa era localizar na tela uma �gura quediferisse das outras, como um triângulo entre os círculos. Devia ter sido umacoisa simples, mas não foi fácil para todos.Os estudantes que receberam a recompensa maior por localizar oscírculos verdes no estudo inicial se distraíam com os círculos verdes. Quandohavia um círculo verde na tela, eles tinham di�culdade em realizar a tarefa delocalizar a �gura diferente. O círculo verde estava na tela, chamando aatenção, reduzindo o tempo de resposta. Era a primeira coisa que viam, antesda �gura que estavam procurando. A mesma coisa aconteceu quando a cormais bem recompensada na primeira tarefa foi o vermelho e não o verde.Quando havia um círculo vermelho na tela, os estudantes demoravam aidenti�car a �gura diferente. O círculo vermelho chamava a atenção.Pela lógica, isso não devia ter acontecido. Não havia recompensas nosegundo experimento. O primeiro estudo, com as recompensas, tinha sidorealizado oito dias antes. Estímulos são muito resistentes.Isso também acontece fora do laboratório. Se você entrar no escritório evir um cliente especial ou em potencial sentado à sua mesa, sua atenção seráimediatamente direcionada a ele. Você o cumprimenta antes de perceberquem mais pode estar no escritório, pois não está vendo o mundo demaneira objetiva. A possibilidade de haver um problema se sobressai. Bemcomo a possibilidade de novas vantagens promissoras.Existe um termo nas Forças Armadas, especialmente na Força Aérea,para sobreposições geradas por computador no campo de visão, projetadasnum protetor ocular transparente. Trata-se do monitor de alertas (HUD, nasigla em inglês), que mostra os dados mais importantes para o piloto semque ele precise olhar para os instrumentos. Essa tecnologia também estácomeçando a ser aplicada em automóveis. Muitos modelos mais recentesmostram a velocidade do veículo na área do para-brisa, para não havernecessidade de baixar o olhar para o painel.Nossa mente faz isso por nós, mas de forma aindamais invisível. Vocêpode programar o HUD do seu novo carro. Do mesmo modo, ao formarhábitos você pode treinar sua mente para selecionar os estímulos queescolheu no mundo, que sempre serão ressaltados na sua visão.Nossa mente também é sensível a con�gurações mais abrangentes, quesinalizam quais estímulos e respostas especí�cos são recompensados. Emoutro estudo, alguns estudantes ganhavam uma recompensa só quandocírculos verdes apareciam, tendo como fundo a imagem de uma �oresta empreto e branco.11 Quando o fundo era a imagem de uma cidade, eramcírculos vermelhos que resultavam numa recompensa. Quando testados maistarde com instruções de que nem os círculos vermelhos nem os verdesresultariam em recompensa, os círculos verdes só os distraíam quando ofundo era a �oresta. E os círculos vermelhos só os distraíam quando o fundoera a cidade. O estímulo, o vermelho ou o verde, só chamava a atenção nocenário em que foi associado a recompensas no passado. No outro cenário, acor não resultava em recompensas, por isso não chamou a atenção. Ao queparece, a rigidez da resposta habitual é compensada por sua especi�cidade.Ela nos orienta de maneira adaptativa em relação a estímulos especí�cos que,num determinado ambiente, maximizam nossas chances de receber umarecompensa. Assim, se a pintura de Magritte mostrasse o pincel de barba, osabonete, o espelho e o pente na nossa cozinha ou na sala de estar, esses itensnão pareceriam tão grandes. Eles funcionam como recompensa de manhãcedo no quarto. Estímulos e contextos se combinam na nossa mente numaespécie de caricatura inspirada nos hábitos do mundo real.A pesquisa com os círculos envolveu uma tarefa computadorizadaabstrata. Não se compara aos nossos planos diários para economizardinheiro, não assistir aos canais de televendas ou ser mais e�ciente notrabalho, sem protelar ou veri�car o Twitter a cada poucas horas. Mas essa éa beleza das pesquisas controladas em laboratório. Podemos ver os efeitos deum histórico simples de recompensas, separado de outras coisas. Percebemosque nossa atenção é atraída até mesmo por estímulos e contextos abstratos esem sentido, que foram recompensados no passado. Nós os vemos maisrapidamente e respondemos antes de termos tempo para pensar em fazeroutra coisa.Todo um conjunto de estímulos contextuais no nosso ambiente tem omesmo efeito que o de avistar um cliente importante. Quando somosrecompensados repetidas vezes por usar objetos especí�cos em nossoambiente, eles automaticamente captam a nossa atenção. Quando temos ohábito de economizar, nossa atenção é automaticamente atraída pelasprateleiras de ofertas de uma loja de roupas e pelas etiquetas de preços nosupermercado. Não prestamos muita atenção nos anúncios promocionaisque aparecem quando navegamos na internet. Somos atraídos pelosestímulos que geraram orgulho e sentimento de vitória no passado –estímulos que ativaram nossas compras passadas. Ao captar nossa atenção,eles nos mantêm repetindo ações que nos bene�ciaram.É claro que não somos escravos dos estímulos ao nosso redor. Mas seentendermos o poder dos estímulos estáveis, podemos aproveitá-los paraformar hábitos desejáveis com mais facilidade, controlando os contextos danossa vida. Ao que parece, formar hábitos consiste em estabelecer estímulosestáveis que apoiem suas ações desejadas.Os benefícios da coerência e da estabilidade podem ser vistos claramente nasrealizações de artistas excepcionais. Você já se perguntou como os músicosconseguem saber de cor longas peças musicais e executá-las perfeitamentenum concerto? Sem dúvida é uma memorização e�caz, resultado de anos deprática e dedicação. Mas eles fazem mais do que olhar para a partituraquando ensaiam. Músicos talentosos sabem como de�nir estímulos estáveisnas partituras. É semelhante à maneira como desenvolvemos nossos mapasmentais do mundo, prestando atenção nas placas das ruas e em edifíciosespecí�cos quando aprendemos a nos deslocar numa nova cidade.Conversei com a dra. Tania Lisboa, violoncelista pro�ssional epesquisadora da Royal College of Music de Londres, sobre como ela aprendeuma peça musical.12 Ela explicou: “Os estudantes, principalmente os novatos,praticam [uma peça] do começo ao �m, do começo ao �m, do começo ao�m. Bem automaticamente. Quando a execução é interrompida, eles nãoconseguem recomeçar do meio. Não conseguem retomar a sequência deações a partir daquele ponto. Precisam voltar ao início e começar de novo.”Ao que parece, os iniciantes juntam os pedaços da peça musical na cabeça esimplesmente tocam tudo. Os únicos estímulos da música estão no começo eno �m. A experiência é análoga à de quando lhe perguntam qual é o quartonúmero do seu telefone. Você precisa pensar na sequência do número para selembrar.A memória pode falhar; nós, seres humanos, somos muito frágeis e nosdistraímos facilmente (para não mencionar o público de música clássica, queparece tossir demais). No entanto, músicos experientes não param de tocarquando hesitam ou sofrem lapsos de memória. Eles estabelecem estímulosestáveis para si mesmos ao longo da partitura. “Os músicos experientespraticam uma peça do começo ao �m, mas também trabalham em seções”,continuou Tania Lisboa. “Você começa e para em partes da música – noinício de uma frase e vai até o �m dela.” Os estímulos também podem seexpressar em seções mais tristes ou alegres ou talvez em mudanças noandamento, na posição do arco do instrumento ou no dedilhado. “Aopraticar por seções, você estabelece estímulos de desempenho; pontos quevão orientar sua lembrança de uma peça. Você está tocando no modoautomático, mas conta com esses pontos de referência”, a�rmou Tania. “Essespontos trazem você de volta ao desempenho e às ações que precisa executarpara tocar uma peça ou projetar a ideia musical.”Ao que parece, músicos experientes aprendem a agrupar conjuntosmenores de contextos e respostas. O desempenho não se altera se outrosmúsicos cometerem erros ou se a plateia continuar tossindo. Até na músicaos estímulos de contexto são úteis. Eles podem acionar automaticamente aexecução do trecho musical que vem a seguir.Há outra importante técnica de coerência de contexto. Parte da ideia de queas próprias respostas podem se tornar estímulos... de novas respostas. É umpouco parecido com o que os músicos fazem, mas acontece ao nosso redor,quase sem percebermos.Há anos as associações de prevenção de incêndios fazem campanhas paraconvencer as pessoas a trocar as pilhas dos detectores de fumaça quandoalteram os relógios para o horário de verão.13 A ideia é usar umcomportamento existente como estímulo para a prevenção de incêndio.Podemos associar, ou agregar, o comportamento de trocar as pilhas com o deacertar o relógio. O comportamento existente é um contexto estável – épreciso fazer isso duas vezes por ano. Com a prática, tudo se combina:acertar o relógio/trocar as pilhas. Alguns departamentos de combate aincêndios distribuem pilhas de graça nos Estados Unidos nos meses demarço e novembro, para incentivar a agregação das tarefas de prevenção deincêndios com a de acertar o relógio.Quando você repete uma atividade com vários componentes sempre damesma maneira, seu cérebro conecta as ações em uma unidade. A sequênciatoda é tratada como um único item.Como evidência de que a agregação funciona, vamos considerar o uso do�o dental. Todos escovamos os dentes, mas não usamos �o dentalregularmente.14 Para veri�car se a agregação poderia aumentar esse uso,pesquisadores forneceram informações que incentivavam o uso do �o dentala 50 participantes britânicos que só faziam em média 1,5 vez por mês.15Foi recomendado à metade dos participantes que usassem o �o dentalantes da escovação noturna e à outra metade depois da escovação. Observeque apenas metade dos participantes estava fazendo uma agregação – usandouma resposta automática existente(escovar os dentes) como dica para umnovo comportamento (usar �o dental). A outra metade, que devia usar o �odental antes da escovação, precisava lembrar: “Ah, é, eu preciso passar �odental antes de escovar os dentes.” Não havia um estímulo automatizado.Todos os dias, durante quatro semanas, os participantes mandavam umamensagem de texto informando se tinham usado �o dental na noite anterior.No �m do mês dos lembretes, todos tinham usado �o dental 24 dias, emmédia. Porém, o mais interessante é o que estavam fazendo oito mesesdepois. Aqueles que haviam agregado o �o dental depois da escovaçãocontinuavam com a prática cerca de 11 dias por mês. O novocomportamento foi mantido pelo hábito existente. O grupo instruído a usar�o dental antes da escovação só fazia isso uma vez por semana.Como estratégia de negócio, essa agregação às vezes é chamada depiggybacking. Duas empresas diferentes se unem para que o produtooferecido por uma se torne um estímulo para usar uma empresa associada.Essa estratégia explica a rapidez com que o PayPal se tornou popular. Aempresa era integrada ao eBay desde o início. Quando faziam compras noeBay, as pessoas se acostumaram a ver e a usar o PayPal. Com o usofrequente, muitos compradores agregaram o hábito do eBay ao hábito doPayPal – e depois o hábito do PayPal continuou com outras compras que nãoo eBay.Essa estratégia ajuda a explicar o rápido crescimento de muitas redessociais. O Instagram chegou a ser vetado no Facebook, mas as duas empresasacabaram se integrando e o Facebook se tornou um estímulo estável queaciona o uso dos recursos do Instagram. O YouTube se associou ao MySpacee acabou assumindo o papel de principal site de postagem de vídeos.Muitas novas empresas são lançadas usando algum tipo de estratégia depiggybacking. Seu novo empreendimento fará isso se você estiver trabalhandocomo freelancer para uma agência já estabelecida. A ideia é associar osucesso da empresa já consolidada para automatizar parte das muitasatividades exigidas num lançamento. Você pode, por exemplo, tirar proveitodo marketing e do acesso aos clientes enquanto aprimora suas própriashabilidades, aperfeiçoa seu ofício e adquire perspicácia nos negócios. Então,quando estiver pronto para evoluir a partir do modelo de agência freelancer,poderá assumir o próprio negócio (evitando, obviamente, con�itos deinteresse com os clientes).Ligar um novo comportamento a estímulos existentes é um bom truquepara formar um novo hábito. O novo comportamento logo se tornaautomatizado. A�nal, a automatização já está em vigor. Você só precisa dar opróximo passo.A agregação funciona melhor quando o novo comportamento écompatível com um hábito já existente.16 Tomar seus remédios à noite? Éfácil lembrar quando você deixa os frascos na mesa de cabeceira e associa aingestão do remédio com uma olhada no celular antes de se deitar. Se vocêsair do escritório às 10h para tomar um café na Starbucks, reserve um tempopara responder a pelo menos um dos e-mails que está adiando. Os estímulosvão se agregar, e logo o sofrimento de responder a um e-mail complicadoestará associado à recompensa do café – e pronto, você integrou um novohábito.A Procter & Gamble contratou meu laboratório para veri�car como aagregação funciona com novos produtos. A P&G nos forneceu frascos despray de um novo aromatizante de tecidos, que foram usados poruniversitários durante um mês.17 Com um borrifo, eles podiam eliminar osodores de suas roupas. Mas precisavam se lembrar de usar o produto. Parafacilitar, alguns participantes foram instruídos a agregar a aromatização àrotina de ir à lavanderia. Por exemplo, eles podiam programar: “Quando eupegar minha calça jeans do chão, vou aromatizá-la antes de vestir.” Ou: “Emvez de jogar minha camisa no cesto de roupa suja para lavar mais tarde, vouusar o aromatizador e pendurar no cabide.”No �m de cada semana, os estudantes nos informavam quantas vezestinham usado o novo produto. Eles gostaram do aromatizante e o usaramcom bastante frequência. Mas a agregação levou-os a usá-lo mais –principalmente os participantes que tinham muito o costume de lavar roupa,portanto não se lembravam muito do aromatizante. Com a agregação, eles selembraram de usar o produto 13 vezes durante o mês. Sem a agregação, afrequência diminuiu em 15%.18Uma estratégia relacionada à criação de novos comportamentos a partirde estímulos já existentes envolve a troca de um comportamento por outro.Os estímulos habituais que ativam automaticamente uma resposta antigapodem ser cooptados para ativar uma nova resposta semelhante. A trocaexplica a popularidade imediata do leite de soja. Sem pensar muito,consumidores com baixa tolerância à lactose começaram a comprar oproduto como substituto do leite de vaca. O tofu teve um início difícil nomercado dos Estados Unidos. Não era fácil integrá-lo às receitas americanastradicionais, pois não cozinhava como o queijo ou as proteínas animais.Acabou ganhando popularidade como substituto de laticínios.Em um teste direto de troca, Jen Labrecque e eu pedimos aosconsumidores que identi�cassem dois produtos que haviam compradorecentemente: um que tivessem usado e outro que não.19 A questãointeressante era se algum dos produtos tinha substituído algo que eles já�zessem. Por exemplo, um leitor de e-book facilmente assume o lugar doslivros impressos. Um limpador de piso elimina a vassoura ou o esfregão. Emcontrapartida, para alguém que quer começar a praticar exercícios, um novoequipamento de ginástica não substituiu nada do que ele já tinha. Comoesperávamos, os novos produtos foram mais usados quando substituíamtotalmente um já existente. Eles se inseriam com perfeição num hábitoexistente.A troca é um dos motivos pelos quais a redução do consumo derefrigerantes pelos americanos nos últimos anos correspondeu ao aumentodo consumo de água engarrafada.20 A água é vendida em garrafas individuaisem lojas de conveniência e supermercados – ao lado dos refrigerantes –,facilitando a troca de um pelo outro. Os consumidores puderam se tornarmais saudáveis mantendo o hábito de parar numa loja de conveniência ecomprar uma bebida.Houve alguns fracassos na tática de troca ao longo dos anos. Se você nãotem idade para se lembrar da alfarroba, não está perdendo nada. Era parasubstituir o chocolate, mas isso não aconteceu. O fracasso da alfarroba (e ofracasso de algumas equivocadas soluções caseiras para eliminar um hábito,como achar que podemos simplesmente substituir pacotes de salgadinhospor cenouras no almoço dos nossos �lhos sem que eles percebam) é umalição de como todas essas técnicas de formação de hábitos precisam serorganizadas. Quando fazemos uma troca, precisamos lembrar os princípiosda recompensa do Capítulo 8. Se uma nova opção for vista como umrebaixamento notável, os neurônios da dopamina reduzem a atividade,sinalizando para evitar essa ação no futuro. Quando tentamos criar um novoestímulo para uma resposta, precisamos lembrar o contexto mais relevante.Todas essas peças ajudarão a estabelecer a coerência recorrente necessáriacomo base dos estímulos para a formação de hábitos.10CONTROLE TOTAL“Se estivermos olhando nadireção certa, só o que temosa fazer é continuar andando.”– JOSEPH GOLDSTEINMise en place, em francês, signi�ca “pôr no lugar”. Essa ideia permeia ascozinhas pro�ssionais. Os chefs só começam a cozinhar quando tudo estiverliteralmente no lugar: utensílios preparados, ingredientes medidos e picadose itens ordenados conforme serão usados na receita. O mise en place reduz oatrito na cozinha. Elimina as forças restritivas que atrapalham a preparaçãode um prato e con�gura as forças motivadoras para seguir uma receita demodo automático.Trata-se de um conceito enganosamente simples. Só que chefs iniciantesnão entendem o atrito. Em vez disso, os alunos que conheci no CulinaryInstitute of America de Santa Helena, em Napa Valley, queriam partir de umareceita e começar a criar bons pratos. Conversei com Robert Jörin, vice-reitore professor de pani�cação e confeitaria, sobre como os iniciantes trabalham.“Eles estão aprendendo, tudo bem, farinha e açúcar provavelmente serão osprimeiros ingredientes da receita. Então eles pegam o açúcar e a farinha ecomeçam a misturar. Aí percebem: ‘Ah, eu tinha que misturar só metade doaçúcar.’ Então, eles têm que voltar para o início.” Houve um desperdício deingredientes e de tempo. “Eles não olham adiante na receita, portanto não aseguem corretamente.”Como chef pro�ssional, Jörin conta: “Meu primeiro pensamento é o miseen place: ‘Do que eu preciso para fazer isso?’” Ele prepara a cozinha antes decomeçar, para facilitar a conclusão da receita. “Só depois de constatar queestou com todos os ingredientes e todo o equipamento para fazer uma novasobremesa é que vou estabelecer mentalmente em que ordem aquilo deve serfeito. Já organizei tudo da maneira lógica em que vou usar os ingredientes.Quando começo a trabalhar, eu não esqueço nada. Está tudo organizado naminha frente, para eu não precisar pensar a respeito. Aqui está a camadacrocante do fundo. Esse é o recheio e aquele é o glacê da cobertura.” Quandotodos os estímulos estiverem organizados, “você pode se concentrar nosmétodos necessários para preparar a sobremesa, em vez de se preocupar seos ingredientes estão na bandeja certa”.Os estudantes aprendem essa abordagem de redução de atrito noprimeiro dia de aula. Jennifer Purcell, diretora de ensino do CulinaryInstitute, explicou: “Nós fazemos uma repetição mental. Também repetimos�sicamente as etapas. Todos os ingredientes �cam bem ao alcance, muitopróximos. Deve-se evitar movimentos desnecessários. Você quer trabalharcom rapidez, conforto, com o mínimo de esforço. Um chef prefere um �uxode movimentos naturais, confortáveis, sem precisar pensar.”Cozinhas pro�ssionais funcionam com base num modelo deautomaticidade. Repetem os mesmos pratos de qualidade para manter orestaurante cheio de clientes satisfeitos. Para fazer isso, os chefs controlam asforças externas de sua cozinha criando contextos estáveis queautomaticamente sugerem a resposta certa.Mas esse é um princípio que também tem poder do lado de fora.Jörin explicou que usa o mise en place no seu trabalho como professor.“Todos os dias, quando volto para casa, eu organizo minha lista, toda aminha turma do dia seguinte ou da segunda-feira. Todas as coisas de que vouprecisar na segunda de manhã já estão na minha mesa. É assim que passomeu dia. Quero saber o que vou fazer amanhã às 10h. Não quero mandaruma mensagem de texto às 9h dizendo que tal pessoa precisa estar lá. Pararealizar tarefas com e�ciência, é preciso organizar tanto o cronogramaquanto as diferentes tarefas com antecedência.”Jörin a�rma que também foi assim que administrou sua padaria antes decomeçar a dar aulas. “Você não pode administrar um negócio se não estiverpreparado. Não pode esperar até segunda de manhã para começar. Nossopúblico [neste negócio] é mais rotativo e tende a ser transitório. Eu pre�roter tudo organizado para que meu cliente seja bem servido,independentemente de quem estiver aqui na segunda de manhã. Então eu jádeixo tudo pronto. É o que você aprende quando trabalha nesse setor. Sevocê tem 500 pessoas com fome é melhor atendê-las, pois elas não aceitamum ‘não’ como resposta.”O controle do atrito oferece uma nova forma de pensar em mudança decomportamento. A promessa é que, ao alterar os contextos que criam atritosna nossa vida, nós podemos aprender a repetir automaticamente açõesgrati�cantes. Mas primeiro temos que identi�car esses contextos. E nemsempre eles são óbvios.Se isso parece muito trabalhoso para sua mente executiva e consciente,você está certo. A preparação em uma cozinha exige que evoquemos a partede nós que faz projeções, que planeja, que distingue padrões, prevê erros, lidacom as fraquezas e sabe improvisar. O ponto de partida para a formação dealguns de seus hábitos mais e�cientes será altamente racional e exigirá seu euconsciente. A vantagem do eu habitual é se desenvolver a partir desse pontode partida e eliminar a necessidade de uma constante atenção. Um grandeinvestimento inicial resulta em retornos passivos duradouros.Às vezes as informações podem parecer atrito. Mas, como vimos noprograma 5 a Day for Better Health, destinado à inclusão de frutas e legumesna alimentação, não são a mesma coisa. Fazer é diferente de saber.Uma recomendação comum para economizar, por exemplo, é evitar oscartões de crédito. A�nal, o crédito foi projetado para reduzir o atrito degastar dinheiro, assim os consumidores podem continuar comprandomesmo quando não têm fundos. Por isso, aconselha-se pagar em dinheiro aquem quiser poupar.E os cartões de débito? De certa forma, eles são semelhantes ao dinheiro.Ao usar dinheiro ou débito, a quantidade de dinheiro disponível éimediatamente reduzida e você tem menos para gastar no futuro. Portanto,os dois são basicamente equivalentes. Mas diferem na facilidade oudi�culdade de fazer uma compra – no atrito que representam. Em umexperimento, estudantes se mostraram dispostos a pagar cerca de 30% menospor um café e uma cerveja quando usavam dinheiro em vez de cartão dedébito.1 Era como se achassem que valiam menos quando precisavam pagarcom cédulas. Por isso não estavam dispostos a gastar tanto por eles.O que há no dinheiro que causa atrito nas compras? Uma das razões éque �camos visivelmente com menos dinheiro na mão depois de compraralgo. O cartão não tem efeitos tangíveis. A repetição do uso dá a impressãode ser a mesma coisa. Além disso, quando compramos com dinheiro, temosque decidir se usamos cédulas de alto ou baixo valor, e talvez procurar algumtrocado. Tudo isso resulta em atrito. Acontece que mudar a forma depagamento para o dinheiro realmente funciona. Com as notas em mãos, nãonos sentimos dispostos a pagar tanto por um artigo. Andar só com dinheirono bolso se torna uma força motivadora para economizar.Outro conselho que recebemos não é tão e�ciente, pois não alteranecessariamente a maneira como fazemos alguma coisa. Pela lógica, contar onúmero de calorias de um cardápio deveria nos fazer ingerir menos calorias.Nova York fornece uma boa base de avaliação, pois desde 2008 os cardápiosdas cadeias de restaurantes precisam informar a quantidade de calorias dospratos. Uma pesquisa com mais de 7 mil consumidores de fast-food nacidade mostrou que, quando a regulamentação foi implantada, a informaçãoera lida por 51% dos usuários.2 Essa proporção caiu para 37% em 2014.Independentemente do que os clientes leram, a informação não alterou ocomportamento. O consumo foi comparado ao longo de seis anos emrestaurantes com e sem as informações. Os clientes de todos osestabelecimentos na verdade tinham aumentado o consumo de calorias.Contar o número de calorias também não diminuiu a frequência com que aspessoas comem fora de casa semanalmente.É claro que as informações podem nos in�uenciar em grandes comprasocasionais. Sabe o adesivo que informa o consumo de energia de geladeiras ede máquinas de lavar? Ele fornece todas as informações úteis sobre o uso deeletricidade e os custos operacionais. Em grandes compras, nós tomamosdecisões conscientes quanto a um modelo ou outro. Mas, mesmo nesse caso,os efeitos não são tão grandes quanto poderíamos desejar. Os consumidoresprecisam avaliar informações abstratas sobre o uso e a futura economia deenergia de uma geladeira, por exemplo, e compará-las a recursosimediatamente atraentes como o preço, a cor e a utilidade de ter umamáquina de fazer gelo. Ainda assim, etiquetas informando a e�ciênciaenergética e hídrica podem levar consumidores a comprar produtos maise�cientes.3Para além da in�uência sobre os consumidores,os informativos sobrecalorias nos alimentos e consumo de energia dos eletrodomésticos não sãoinúteis para o mercado. Mesmo que os consumidores mostrem poucointeresse por eles, os fabricantes os consideram importantes. Sãoinformações que demonstram uma ação responsável: as informações sobrecalorias mostram uma valorização da saúde. As classi�cações de energia sãouma demonstração de e�ciência. Quando começaram a divulgar o númerode calorias, algumas cadeias de restaurantes alteraram suas porções, e agoravemos doces menores nas prateleiras da Starbucks.4 Com informações sobreo consumo de energia, os produtores de eletrodomésticos começaram afabricar produtos mais e�cientes.5Podemos chamar isso de hábitos em conta-gotas. As empresas mudaramos próprios hábitos e, com isso, invisivelmente mudaram nosso ambiente. Oresultado é que eu e você também mudamos nossos hábitos de consumo.O mise en place funciona para os chefs, mas será que também pode ser usadopara controlar o atrito nos nossos comportamentos? Angela Duckworth ecolegas pesquisadores pediram a um grupo de graduandos da Universidadeda Pensilvânia que �zessem uma lista de seus objetivos acadêmicos, como“estudar francês durante uma hora todas as noites” ou “terminar todos ostrabalhos um dia antes do prazo”.6 Durante uma semana, alguns dessesalunos foram instruídos a modi�car os locais onde estudavam paraminimizar as tentações e alcançar seus objetivos. Esses estudantes mudaramas forças externas em seus contextos, estabelecendo lembretes ou alarmes,instalando aplicativos para bloquear distrações como o Facebook ou às vezesreservando saletas de estudos na biblioteca. Eles estabeleceram forçasmotivacionais ou eliminaram as que os restringiam. Um segundo grupo deestudantes foi instruído a con�ar apenas na força de vontade e na capacidadede resistir às tentações. Essa é a forma como a maioria de nós normalmentetenta cumprir suas tarefas.No �m da semana, os estudantes classi�caram numa escala de 1 (muitoruim) a 5 (muito bom) quanto tinham se saído bem em atingir seus objetivosde estudo naquele período. Em média, todos se saíram razoavelmente bem,mas aqueles que controlaram seus contextos obtiveram cerca de meio pontoa mais na escala do que os que apenas tentaram usar o autocontrole.Esse autocontrole situacional7 parece uma abordagem indireta –modi�car o mundo ao redor em vez do que realmente importa: nossocomportamento. Assim como acontece com os chefs iniciantes (e com minhaprima no Facebook), nossa intuição é se jogar de cabeça e agir de acordocom uma nova resolução. Os participantes do projeto de pesquisamencionado pensavam da mesma maneira.8 Já quando alunos do ensinomédio explicaram como lidaram com um desa�o de autocontrole em suasvidas (principalmente con�itos interpessoais ou problemas escolares), asrespostas mais comuns envolveram mudanças: 38% disseram que tentarammudar a maneira como pensavam, talvez se motivando com os prós e oscontras de fazer a lição de casa. Já 24% confessaram ter tentado mudar suasações, talvez exercendo autocontrole para não retaliar outro aluno que ostivesse incomodado. Apenas 16% relataram que tentaram mudar algo sobre asituação, e só 12% tentaram encontrar uma nova situação.Talvez você queira ter um relacionamento mais feliz com seu cônjuge ouparceiro. Se con�ar na motivação e no controle para conseguir isso, vairestringir seu impulso de fazer um comentário crítico quando ele ou ela �zeralgo irritante ou tentar expressar afeto e reconhecimento pelo outro. Outalvez você esteja querendo deixar de procrastinar no seu trabalho. Aocon�ar nessa mesma abordagem, você reprimiria o impulso de acessar asredes sociais ou de �car muito perto do seu colega que fala demais. Nósestabelecemos objetivos claros, em seguida nos esforçamos para controlarnossas atitudes para realizar esses objetivos.Contudo, uma mudança de comportamento por meio do autocontrole,como conseguiram os alunos da Universidade da Pensilvânia, não é tãoe�caz quanto uma mudança de comportamento a partir de uma alteração docontexto. Mesmo se fosse igualmente e�caz (e não é), controlar nossas açõesnão é divertido. Signi�ca que precisamos lutar continuamente contra nossosdesejos. Signi�ca que temos que estar sempre vigilantes, nos sentindoinfelizes por deixar de fazer o que nos vem à cabeça. Signi�ca que temos quereprimir nossos prazeres.No experimento, os estudantes que mudaram o espaço em queestudavam não entraram nesse infeliz con�ito interno. Depois que ajustaramo ambiente físico e social para eliminar as tentações, como a de jogar em vezde estudar, os participantes disseram que não sentiram muitos desejoscontraditórios. Não se sentiram divididos, por exemplo, entre assistir a um�lme com amigos ou estudar para uma prova. Eles estavam na biblioteca,onde não existia essa possibilidade tentadora. Não precisaram se esforçarconscientemente para fazer a coisa certa. Em vez disso, �zeram o que eramais fácil naquele ambiente – estudar. Não precisaram se controlar e negarseus impulsos. Não precisaram reprimir nada, pois não havia o que reprimir.Durante 12 anos, tive um Honda Civic híbrido, um dos primeirosmodelos desse tipo. Eu adorava aquele carro e relutava em trocá-lo.Finalmente meu marido me convenceu de que eu precisava de um automóvelcom mais recursos de segurança. Meu carro novo emite um alerta sempreque me aproximo demais de um obstáculo. Acontece que há um atrito nessadetecção de colisão.No começo, o sinal era irritante. Eu reclamava muito do carro,principalmente para o meu marido. Mas acabei me acostumando, e agoranem escuto mais. O último automóvel que aluguei não tinha esse sistema dealerta. Não percebi a ausência dele até sair de ré de um estacionamento ebater numa parede. Sem os estímulos de advertência a que tinha meacostumado, acabei sofrendo um impacto considerável no para-choque.Aquele bipe de alerta irritante fornecia um atrito útil, que, quando deixou deestar lá, resultou numa despesa para o conserto do para-choque.Uma vez instaladas, as forças em nosso ambiente continuam nos levandoa atingir nossos objetivos. Podemos ignorá-las ou nem pensar mais arespeito, mas elas continuam automatizando nosso comportamento muitodepois de as esquecermos. No entanto, muitos de nós descartam oimportante papel que essas forças desempenham no comportamento,preferindo continuar nas trincheiras, lutando para manter a motivação eexercer o controle.No Capítulo 5, discutimos sobre pessoas que a�rmam ter um alto nível deautocontrole. São pessoas especiais, que conseguem gozar de boa saúde e serricas e felizes. Suas vidas são marcadas pelo sucesso em muitas frentes.Descobrimos que esses indivíduos não chegaram a esses resultadosadmiráveis da maneira que se poderia esperar – exercendo ativamente suaforça de vontade. O sucesso não é resultado de uma capacidade sobre-humana de resistir a impulsos e inibir ações indesejadas. Como vimos,pessoas com alta pontuação em escalas de autocontrole não usam essecontrole. Trata-se de uma designação incorreta. O que acontece é que elasformam hábitos para automatizar o comportamento. E os hábitos facilitam arealização de seus objetivos.Há uma consequência importante nessa história de as pessoas com muitoautocontrole serem bem-sucedidas. Tem a ver com contextos. Os talentos depessoas com muito autocontrole vão além de saber como formar hábitosbené�cos. Elas também parecem entender como se situar em contextos comas forças certas para alcançar seus objetivos.Em uma pesquisa on-line, indivíduos com alta pontuação numa escala deautocontrole concordaram com a�rmações como “Eu escolho amigos que memantêm no caminho certo para atingir meus objetivos de longo prazo”,“Quando trabalho ou estudo, eu procuro um lugar sem distrações” e “Evitosituações nas quais possa me sentir tentado a agir de forma imoral”.9 Essaspessoasentendiam o poder dos estímulos de contexto em facilitar oudi�cultar certas atitudes. Percebiam que se controlassem o ambiente aoredor, também controlariam suas ações. Quando entendemos isso, �ca maisfácil formar hábitos bené�cos. Estudantes com baixa pontuação emautocontrole não concordavam tanto com essas a�rmações. Não estavamtentando tornar a própria vida mais fácil estabelecendo as forças externasadequadas – as que motivam comportamentos desejáveis e causam atritocom os indesejáveis.Pessoas com muito autocontrole não só dizem a coisa certa, como fazema coisa certa. Em um experimento, estudantes podiam ganhar até 25 dólaresdecifrando rapidamente uma lista de anagramas.10 Todos tiveram a opção decomeçar o trabalho de imediato, num salão barulhento e cheio de alunos depós-graduação, ou esperar cinco minutos até que uma sala silenciosa �cassedisponível. Estudantes com pontuação mais alta na escala de autocontroleescolheram evitar o salão barulhento. Preferiram esperar pelo lugartranquilo, onde poderiam se concentrar, mesmo que demorasse algumtempo. Isso também aconteceu com estudantes que �zeram um teste deinteligência on-line.11 Eles receberam um formulário simples ou umilustrado com arabescos. Mais uma vez, aqueles que tiveram pontuação maisalta em autocontrole foram os mais propensos a escolher o teste de QI maissimples. Com a versão mais chata, eles poderiam se concentrar e dar omelhor de si. Fizeram a escolha inicial correta para obter o melhordesempenho, já que as ilustrações poderiam distraí-los.Ao tentar desenvolver novos hábitos, você logo descobrirá algo queintuitivamente já sabia: a maior fonte de atrito neste mundo são as pessoas.São forças ao mesmo tempo úteis e prejudiciais para o nosso eu desejado.Pessoas com autocontrole não só sabem disso como também agem deacordo. Em outro experimento, universitários tinham que escolher um entredois parceiros para trabalhar numa tarefa (na verdade, eram cúmplices noexperimento).12 Alex era o indeciso em relação aos estudos, passava o tempolivre jogando videogame e indo a festas, dormindo tarde nas férias deinverno. Taylor era o estudante de destaque, com um emprego de meioperíodo, voluntário num abrigo de animais e estudava durante as férias deinverno. Os dois pareciam igualmente simpáticos. Mas os participantes quejá haviam pontuado alto em autocontrole em geral preferiram Taylor comoparceiro, enquanto os que obtiveram notas mais baixas mostraram a mesmapropensão para escolher Alex, o preguiçoso, ou Taylor, o realizador.Nem todo mundo reconhece a maneira como nosso ambiente nosin�uencia. Mas, assim como os estudantes da Universidade de Pensilvânia,todos podemos começar a nos bene�ciar dessa lição e adquirir o olhar argutode alguém que tenha muito autocontrole.Se você fechar este livro com uma palavra ou ideia na cabeça, espero que sejaatrito. É algo simples e intuitivo, que pode ser manipulado para ajudar arealizar coisas incríveis. As forças criadas pelos contextos em que vivemospraticamente ilustram ideias de todos os aspectos da ciência do hábito. Osresultados estão sempre à mostra.Em um estudo sobre clientes de um restaurante chinês com bufê livre,cerca de 42% dos clientes obesos se sentaram em frente à comida, com todasas opções à vista.13 Somente 27% das pessoas que estavam dentro do peso�caram nessa posição. Comparativamente, os clientes mais magros sesentaram de costas ou de lado para o bufê. Estes �zeram outra coisa quedi�cultava a resposta aos estímulos do bufê: 38% ocuparam mesas emreservados. Se quisessem se servir de mais uma porção, seus companheirosprecisariam se levantar. Cerca de metade dos clientes obesos (16%)sentaram-se em reservados. A maioria preferiu mesas com livre circulação,facilitando o acesso à comida. Os mais magros também tendiam a deixar oguardanapo no colo (50%), contra 24% dos obesos. Um guardanapo é umempecilho muito pequeno para se levantar e voltar ao bufê. Mas, comovimos, até mesmo pequenos ajustes no ambiente podem fazer diferença. Amais notável foi que 71% das pessoas dentro do peso rodeavam todo o bufêpara ver os pratos oferecidos antes de se servir. Isso permitia queescolhessem o que queriam, em vez de comer tudo o que encontrassem pelafrente. Só um terço dos obesos �zeram isso. A maioria começou a se servirde imediato, sem ver antes o que havia disponível. Foram menos seletivos.Ao que parece, é possível controlar as forças motivadoras e imporrestrições, mesmo em um bufê onde podemos nos servir à vontade. Emboranão pudessem remover de fato os estímulos, os clientes dentro do pesoconseguiram limitar sua exposição a eles. Ao agir dessa forma, nãoprecisaram tomar decisões e puderam comer como se estivessem numambiente normal.A alternativa, acredito, seria jogar fora toda a ciência e a constituição daformação de hábitos e continuar pensando que nosso destino é governadoapenas pela força de vontade. Você pode ignorar as forças psicológicas doambiente e continuar acreditando que cada um de nós está agindo em umvazio, no vácuo, in�uenciado apenas pela pressão que vem de nossaspróprias decisão e vontade. Assim, quando você tropeça e �ca para trás, podese sentir mal consigo mesmo. E quando obtém sucesso, pode se sentirintrinsecamente superior a outros que enfrentam di�culdades. Isso parecebom? Mais importante: parece familiar?Existe uma maneira muito melhor.Os hábitos levam a uma vida melhor. Não só em termos de produtividade. Écomum ouvir pessoas reclamando que pensam demais. Todos nós fazemosisso às vezes, o que pode causar ansiedade e se tornar um verdadeiroobstáculo. Nos últimos anos, uma maior valorização da atenção plena surgiucomo uma espécie de panaceia para a ameaça de “pensar demais”. A ideia éestar consciente, não se perder na própria cabeça. Estar atento é estar focadono aqui e agora, não pensar nos erros do passado nem em como enfrentar osdesa�os futuros.Os hábitos são talvez a forma mais natural e e�caz de os seres humanosatingirem esse estado mental não julgador. Uma mente habitual é uma mentebene�camente impensada. É uma mente que organiza as tarefas em seusdevidos lugares. Delega. Para num cruzamento e determina os caminhos.Não está obcecada em saber quando exatamente pega no sono, como vocêtalvez tenha tentado fazer quando criança; apenas responde aos estímulos dosono nos devidos contextos e adormece como de costume.Se seu objetivo é parar de brigar com seu cônjuge, você precisa criar ohábito de ouvir em silêncio e com atenção, em vez de contra-atacar. Serámais fácil criar o hábito de escutar se não deliberar sobre cada desacordopara saber quem é o culpado e quem deve se desculpar. Pensar demais tornamais difícil ser positivo. E, principalmente, pode impedir a formação dehábitos.Um estudo envolvendo um jogo para crianças, cujo objetivo é prepararsushi, demonstrou quanto pode ser vantajoso não pensar demais.14 O gametinha 16 etapas: acrescentar água, sal e açúcar, mexer, distribuir o arroz eadicionar o salmão. Enquanto os jogadores praticavam, o avatar no cantosuperior esquerdo informava o que deveriam fazer. Jen Labrecque, KristenLee e eu avisamos a alguns que no �m do estudo eles teriam que preparar umsushi sozinhos. Precisavam elaborar um plano e memorizar as etapas. Outrosnão receberam essa instrução e jogaram alegremente 10 rodadas seguidas.Os participantes instruídos a memorizar as etapas não formaram hábitostão bem quanto os que repetiram o jogo sem pensar muito a respeito.Descobrimos isso a partir de um teste da força das associações cognitivasautomatizadas dos jogadores. O segundo grupo escolhia a etapa seguinte dareceita o mais rápido que podiam depois do passo anterior (vinagre, depoisaçúcar). Aqueles que memorizaram as etapas reagiam mais devagar.Aparentemente, continuaram pensando na receita, mesmo depois de jogar 10vezes. Os que jogaram sem pensarmuito foram nitidamente mais rápidos,indicando que estavam fazendo as escolhas automaticamente. Para eles,acrescentar o salmão já sugeria pegar a faca e cortar.Para aumentar as evidências de que pensar demais impedia a formaçãode hábito, os pesquisadores alteraram a receita e acrescentaram um novoingrediente, um óleo apimentado ou molho de soja. Agora os participantestinham que mudar o comportamento. Nessa parte do jogo, eles deviam agirpor conta própria. O avatar não indicava o que precisavam fazer. Em trêstentativas, os jogadores esqueceram o novo ingrediente em 20% das vezes.Mas nem todos cometeram esse deslize.Os jogadores instruídos a memorizar as etapas se deram melhor quandoa receita foi alterada. Sem associações cognitivas fortes e automatizadas, elesapenas mudaram o comportamento. Ao tentar guardar tudo na cabeça, semusar os estímulos do contexto para acionar o passo seguinte, eles nãoformaram um hábito persistente. Quando tentamos mudar ocomportamento, �camos tentados a agir como esses participantes,elaborando e planejando cada uma de nossas atitudes. É como seestivéssemos tentando aprender tango pensando em cada movimento dadança. Não dá certo.Em contrapartida, os jogadores que só repetiram o game na práticamostraram uma probabilidade maior de esquecer o novo ingrediente. Paraeles, o passo seguinte da receita vinha logo à cabeça (adicione açúcar!), e osparticipantes agiram antes de terem tempo de pensar: “Droga, agora eu tinhaque adicionar o óleo apimentado!” Eles foram conduzidos pelo hábito.Essa pesquisa ainda está em seus primórdios, e a ciência ainda nãomostrou exatamente como pensar demais atrapalha a formação de hábitos.Mas mesmo ratos formam hábitos mais rapidamente quando não precisamprestar atenção em um comportamento para determinar se é a coisa certa afazer para receber uma recompensa.15As implicações para a formação de hábitos são claras: é mais provável queos hábitos se formem quando agimos repetidamente, sem planejar edeliberar.16 Então podemos delegar o controle ao contexto, deixando quenossas ações sejam executadas de modo automático. Depois de estabelecer asforças propulsoras e restritivas certas nos contextos da sua vida, por exemplo,você comerá alimentos saudáveis, cumprirá suas tarefas no prazo edemonstrará afeto à sua família sem pensar a respeito. Pensar demais ébené�co, claro, se você quiser continuar �exível e não formar um hábito.Você pode repetir alguma coisa várias vezes, mas o pensamento o protegeráda formação de hábitos.Lembra-se do objetivo de reunir toda a família para jantar e conversar, trocarideias, se relacionar? Agora essa é a sua realidade habitual. Você estabeleceuos quatro elementos básicos do hábito: (1) criar um contexto estável (umanoite por semana, às 18h30); (2) reduzir o atrito (atuando como a forçamotivadora; eliminando as forças restritivas ao preparar todos os pratos e searrumar); (3) tornar o evento grati�cante (servindo os pratos favoritos detodos nessas noites; deixando os �lhos convidarem amigos, se quiserem); e(4) repetir isso até que se torne algo automatizado (mesmo quando o resto dafamília estava pronto para se revoltar contra sua brilhante ideia).Os mesmos princípios se aplicam para transformar seu objetivo decontrolar as �nanças numa realidade habitual. Para reduzir os gastos, você:(1) criou um contexto estável (encontrou um supermercado mais barato,aumentou as porções do jantar para levar as sobras para o almoço do diaseguinte); (2) aumentou o atrito (andando só com dinheiro na carteira); (3)tornou isso grati�cante (alugando �lmes para assistir à noite com amigos quetambém gostam de produções independentes; sentindo orgulho por quitar ocartão de crédito); (4) repetiu esses comportamentos até tudo se tornarautomatizado. Depois deu um passo adiante. Você se inscreveu no plano deaposentadoria privada da sua empresa, começou a levar sua marca favoritade café para o trabalho – fez várias coisas que exigiram uma decisãoconsciente inicial e depois se automatizaram, poupando seu dinheiro comose estivesse investindo num rentável fundo de ações.PARTE IIICASOS ESPECIAIS,GRANDESOPORTUNIDADESE O MUNDO AONOSSO REDOR11PULANDO PELAS JANELAS“Se você estiver num barco em quenão para de entrar água, provavelmenteserá mais produtivo usar sua energiapara trocar a embarcação doque para tapar os buracos.”– WARREN BUFFETTDurante dois dias, nos últimos momentos do lúgubre inverno da Londres de2014, o sistema de metrô da cidade parou. O sindicato que representava ostrabalhadores entrou em greve, e 171 das 270 estações foram fechadas. Asinterrupções não foram sistemáticas ou previsíveis. Alguns funcionáriosforam trabalhar apesar da greve. Embora não tenha sido total, a paralisaçãocausou muitos transtornos. Em um sistema de trânsito, o fechamento de umasó estação já pode conturbar todos os percursos habituais.Dependendo da sua convicção política, a greve foi um enorme sucesso ouum fracasso total. Para nós, da ciência do hábito, foi um fantásticoexperimento natural de mudança de hábito.1 No mundo todo, usuários detransporte público são sujeitos extremamente valiosos de experimentos davida real, pois seus objetivos são muito uniformes: eles querem um trajetorápido para ir e voltar do trabalho. Querem percorrê-lo no menor tempopossível. Isso se aplica especialmente a passageiros que usam o metrô, quecostuma ser mais barulhento e lotado do que outras formas de locomoção. Ometrô londrino não é exceção. Para piorar as coisas, se você não for umespecialista, o sistema metroviário de Londres não é intuitivo. Os mapas nãosão em escala. Mostram posições relativas, não distâncias absolutas. É difícilestimar o tempo de viagem, pois a velocidade dos trens varia. Londres é umacidade antiga, ocupa uma área imensa e carece da racionalidade da rede detransportes de Nova York.E é muito chuvosa, claro. Choveu no primeiro dia da greve, e muitospassageiros que se preparavam para ir trabalhar de bicicleta tiveram queescolher o subsolo por causa do clima. Eles tiveram que descobrir novoscaminhos para chegar ao emprego, que não passassem pelas estaçõesfechadas. De repente, uma parte altamente rotineira do dia se transformounuma aventura. O que antes era relegado à mente habitual passou aodomínio da mente agenciadora.A maioria dos passageiros usava um cartão recarregável chamado Oyster,com desconto no preço da passagem para usuários frequentes. Usando osdados desse passe, os pesquisadores conseguiram rastrear mais de 18 milpassageiros matinais regulares antes, durante e depois da greve. O caos foimonumental. Nos dias sem o serviço, somente cerca de 60% dessespassageiros conseguiram entrar em suas estações habituais e cerca de 50%saíram como de costume. Os demais passageiros improvisaram.Surpreendentemente, essa improvisação coletiva não aumentou o tempo dedeslocamento. Em média, as pessoas passaram apenas 6% de tempo a maisem trânsito. Algumas, na verdade, demoraram menos para chegar – emparticular quem costumava usar linhas mais lentas ou que transitava emáreas distorcidas do mapa.É claro que os passageiros poderiam ter tentado trajetos alternativosmesmo sem greve. Mas seus hábitos os refreavam nesse sentido. Elesdeixavam de tentar linhas de metrô diferentes ou de entrar e sair de estaçõesdiferentes. Só que, na correria do dia a dia, nem sempre temos tempo paranovas experiências. Preferimos nos ater ao que já funciona adequadamente,por uma questão de facilidade.A paralisação do metrô tornou impossível essa maneira “adequada” defazer as coisas por um breve período. Isso é chamado de descontinuidade dohábito – um termo cunhado pelo pesquisador Bas Verplanken para descrevercomo nossos hábitos são perturbados por mudanças no contexto.2 Quandoos estímulos habituais desaparecem, não podemos mais responder de modoautomático. Temosque tomar decisões conscientes. Ficamos abertos amudanças – às vezes até para adotar comportamentos mais favoráveis.Este capítulo demonstra como essas descontinuidades em nossos hábitospodem, paradoxalmente, ser a melhor coisa para o desenvolvimento denosso eu habitual. Podem romper nossos hábitos de “assim já está bom” e nosfazer buscar uma maneira nova, mais rápida e mais e�caz de fazer as coisas.Não precisamos depender dos caprichos do trabalho organizado paravivenciar descontinuidades e renovações. Eventos marcantes da vida –começar num novo emprego, mudar de casa, casar-se, ter �lhos – muitasvezes têm o mesmo efeito. Eles eliminam nossos estímulos habituais e aprevisibilidade da vida. No Capítulo 10, vimos que, quando você quer tentaralgo novo, a mudança do contexto é um bom ponto de partida. Sem osestímulos familiares para nos guiar, somos forçados a pensar e tomar novasdecisões. Na prática, pode ser difícil remover certos estímulos, razão pelaqual essas descontinuidades são tão valiosas. Elas abalam os alicerces, e porum momento todos os comportamentos – habituais ou não – �cam emsuspenso, esperando que você os direcione.As grandes mudanças da vida são momentos estressantes e cheios deincertezas. Mas também são oportunidades para nos reinventar ereestruturar nossa jornada. Ficamos livres para praticar novoscomportamentos sem a interferência de estímulos estabelecidos e derespostas habituais. A descontinuidade nos obriga a pensar. Ao tomar novasdecisões, agimos de novas maneiras – que podem até funcionar melhor paranós.Nossas vidas já compreendem muitos, muitos hábitos. Alguns nósconhecemos, outros não; alguns já passaram do prazo de validade, mascontinuam funcionando, muitas vezes fora da vista e da mente. Os grandeseventos da nossa vida são uma oportunidade de depurar e libertar nosso euhabitual para que possamos estabelecer conscientemente alguns hábitosnovos e mais produtivos.Talvez você tivesse o hábito de tomar um drinque e jantar toda sexta-feira com colegas do trabalho. No começo era divertido, algo que despertavaexpectativa. Mas você notou que ultimamente a conversa gira em torno dosmesmos poucos assuntos. Você não aguenta mais ouvir as histórias da suaamiga sobre o �lho ou as queixas habituais sobre o gerenciamento doescritório. Você até começou a pedir os mesmos pratos, porque jáexperimentou tudo do cardápio. O que começou como uma noite agradávelpara dar boas-vindas ao �m de semana agora parece um dever.Ou talvez você adore contemplar o pôr do sol no lago perto da sua casa.Você decide que é uma maneira maravilhosa de encerrar seus dias. Entãocria o hábito de ir ao deque todas as tardes para ver o espetáculo. Mas, com opassar do tempo, esse pôr do sol se tornou um pouco menos fascinante. Emalgum momento, o hábito começa a parecer restritivo. Seu parceiro deixou departicipar e você passou a pensar em outras coisas que poderia estar fazendo.Assistir ao pôr do sol se tornou uma obrigação. Até bons hábitos podem setransformar em rotina.Pouco conhecido, o �lósofo francês do século XIX Félix Ravaissonconseguiu de�nir esse conceito em termos concretos. Ele o chamou de duplalei do hábito.3 Basicamente, isso signi�ca o seguinte: a repetição fortalecenossa tendência a agir, mas também enfraquece nossa sensação desse ato. Emoutras palavras, nós nos habituamos. É um processo enganosamentecomplexo, com o poder de drenar a força e o signi�cado de nossas vidas.Tendemos a continuar fazendo as coisas muito tempo depois de elas já teremperdido o sentido. Podemos tirar proveito dessa dinâmica quando formamosnovos hábitos no momento em que os antigos perdem suas arestas com arepetição. Mas é uma faca de dois gumes.O hábito é uma das razões por que perdemos o interesse pelas coisasmateriais que adquirimos (achando que aquilo �nalmente nos faria felizes).Com certeza você gostou de se sentar no seu sofá novo no dia em que ele foientregue. E quando o mostrou aos seus amigos durante uma visita. Mas edepois? Agora é provável que você nem o note mais. Apenas é um de seushábitos noturnos. Literalmente faz parte do mobiliário da sua vida. Você sesenta no sofá para assistir à TV ou navegar na internet.O hábito também acomete os relacionamentos. Você cumprimenta seuscolegas de trabalho todos os dias, pega seus �lhos na escola e pergunta comofoi o dia deles, e talvez até mande uma mensagem de texto a seus parentesem datas especí�cas. Você estabelece interdependências comportamentais nasquais os outros são um estímulo para suas ações, e por sua vez você criaestímulos para as respostas deles. “Como foi seu �m de semana?”, “Ótimo, eo seu?”; ou “Como foi na escola?”, “Tudo bem, mãe”. Com o tempo, vocêcomeça a pensar cada vez menos nessas interações. Você as repete, comosempre.Casamentos de muitos anos são marcados por essas interações estáveis.Como costumam fazer as mesmas coisas um com o outro, os cônjugespensam menos no que estão fazendo. Acordam juntos, comem juntos eexecutam tarefas um para o outro sem pensar muito nelas. Não precisamperguntar o que o outro vai fazer, pois já sabem por experiência. Com otempo, as emoções começam a esmaecer, à medida que se estabelece a duplalei de Ravaisson.4 É provável que o casal perceba que não existe mais a paixãoque marcou o início do relacionamento. À medida que as ações se tornammais automatizadas, os casais têm menos necessidade de pensar, e asemoções diminuem.O que foi lamentável, porém aceitável, no caso do seu sofá novo pode setornar insustentável no seu casamento. Não é bom apenas se acostumar coma presença do parceiro.Nos casamentos felizes, as descontinuidades podem despertar certamagia ao reintroduzir a intimidade romântica ofuscada pelo tempo. Umabreve separação física é uma descontinuidade temporária. Talvez umaviagem a trabalho ou para visitar seus pais. Pequenos con�itos ou discussõestambém podem representar descontinuidades, desde que não sejaminsolúveis.5 Essas mudanças estimulam os parceiros a compartilhar seussentimentos e agir de outra forma. Os cônjuges voltam a pensar em seu entequerido e no relacionamento. Isso, por sua vez, faz com que re�itam sobre amotivação básica da parceria – o que os levou a esse arranjo, em primeirolugar. Para a maioria das pessoas, a causa de tudo é o amor. Acrescentando aessa experiência, os casais geralmente expressam mais carinho um pelo outroquando se reencontram ou fazem as pazes depois de um con�ito – umaafeição vivenciada com mais intensidade por ser atípica. Casais que vivemum relacionamento feliz podem se bene�ciar desse entendimento. Podemoscriar pequenas descontinuidades com novos interesses (aulas de iatismo, umgrupo de bridge ou um clube de leitura?) que nos estimulem a praticar coisasdiferentes na companhia de nosso parceiro, compartilhar sentimentos eintensi�car a experiência de intimidade romântica. Discussões podemdesencadear a mesma dinâmica, mas por que não evitar sentimentos ruins efazer um curso de culinária juntos?Em casamentos infelizes, no entanto, essas descontinuidades não surtemefeitos tão positivos. Casais infelizes costumam se envolver em ciclosdestrutivos que se tornam automatizados e independem da intenção de cadaum. Casais insatisfeitos no relacionamento podem reconhecer os padrõesprejudiciais, mas se sentem impotentes para mudá-los. Essas pessoastambém se acostumam com as emoções desse tipo de casamento e podem�car imunes às a�ições e ao sofrimento das interações tóxicas. Talvez você játenha visto casais que reagem um ao outro com raiva e ressentimento, masque pouco percebem as emoções subjacentes a essas interações. Com opassar do tempo, eles simplesmente se acostumaram. Uma descontinuidadecomo uma separação física, um pequeno con�ito ou um novo interessepodem assumir múltiplos aspectos. Podem levá-los a abordar os padrõesrepetitivos da relação problemáticaou a se separar de vez.A descontinuidade de hábitos nos faz sair da rotina, expondo-nos àrealidade subjacente de por que fazemos o que fazemos e por que vamos paraonde vamos. A vida é uma experiência mais intensa quando não agimos nomodo automático. Mas também é menos previsível. Nosso eu conscienteagora está no comando enquanto pensamos, analisamos as opções edescobrimos a melhor forma de cumprir nossos objetivos vigentes. Adescontinuidade elimina os velhos padrões e, ao nos obrigar a pensar,ressincroniza nossos hábitos com nossos planos e objetivos.Há um conceito bastante difundido na economia chamado destruiçãocriativa. Diz respeito aos inevitáveis momentos de estresse e fratura criadosem uma economia de mercado. São momentos dolorosos, principalmentepara aqueles que são diretamente afetados. Ações perdem valor.Trabalhadores são demitidos. Indústrias inteiras desaparecem. Mas, daperspectiva privilegiada de um observador, essa destruição também contémas sementes de um renascimento. Inovação pode parecer um fracasso –pergunte a qualquer um no Vale do Silício. É o éthos daquele lugar.Seu eu habitual é um resistente receptáculo desse tipo de destruição. Aoentender esse processo, você poderá controlar a taxa de destruição e decriação.Quando você desenvolve o hábito de ir de carro para o trabalho, tudo �cabem automatizado. Você entra no carro e segue o trajeto de costume. Não éexigido mais nenhum esforço. Para pegar um ônibus, por exemplo, vocêprecisa saber os horários, o preço da passagem, se convém ou não comprarum cartão e a que horas terá que acordar de manhã. Você não precisa tomaressas decisões ao seguir os estímulos habituais de quando está dirigindo.Vamos considerar a maior descontinuidade de todas: mudar de casa. Umestudo comparou os hábitos de transporte de 69 funcionários de umapequena universidade inglesa que haviam se mudado no ano anterior com osde 364 residentes estabelecidos.6 Os pesquisadores começaram avaliando aatitude de todos os participantes em relação ao meio ambiente e descobrirammuitas diferenças – alguns eram bastante conscientes do ponto de vistaecológico, outros não se importavam muito. A cidade tinha boas opções detransporte para chegar à universidade, incluindo um bom sistema de ônibus,além de ciclovias e trilhas para caminhadas. Ninguém precisava ir deautomóvel. No entanto, 60% dos residentes mais antigos iam de carro para ocampus, o que incluía tanto os mais conscientes em relação ao meioambiente quanto os que não se importavam.Foi diferente com os moradores mais recentes – no bom sentido. Entre osque se disseram preocupados com o meio ambiente, somente 37% iam para ocampus de carro. Esses recém-chegados eram mais propensos a pegar umônibus, ir de bicicleta ou a pé. Como não tinham um hábito a seguir e foramlevados a tomar novas decisões, seus valores ecológicos venceram. Entre osnovos moradores que disseram não se preocupar com o meio ambiente, 73%iam trabalhar de carro. Na ausência de um hábito, eles também foram �éisaos valores. Não pensaram em tentar outras formas de deslocamento, maissustentáveis.Quando em novos contextos, escolhemos comportamentos que seencaixam em nossos objetivos atuais. Como não é tão fácil repetir o que�zemos no passado, agora precisamos sincronizar mais conscientementenossas ações com nossos princípios. Outro aspecto a ser levado em conta éque a descontinuidade de ter se mudado fez as pessoas se assumirem eagirem de acordo com suas convicções declaradas. As descontinuidadespodem nos transformar em versões mais genuínas e integradas de nósmesmos.Embora possamos nos bene�ciar dessas descontinuidades, a maioria daspessoas não as aceita bem nem sai em busca delas. Na melhor das hipóteses,você se sente ambivalente em relação a essas mudanças na vida. É natural,dada a natureza dupla da descontinuidade. Apesar de nos libertar paraencontrar trajetos mais e�cientes até o trabalho, reavivar o amor pelo nossoparceiro e nos levar a agir de acordo com nossos valores, as mudanças noscontextos cotidianos são perturbadoras. Podem nos deixar imobilizados,confusos e inseguros sobre como agir. Mas é possível tirar proveito dacompreensão desses efeitos – como vendedores e fabricantes de produtos jáperceberam.Para a maioria de nós, ir ao supermercado semanalmente é um estudo dee�ciência. Quando 275 compradores usaram dispositivos eletrônicos pararastrear seu percurso dentro de uma loja, cobriram em média apenas 37% doespaço total do estabelecimento.7 Ou seja, os consumidores se limitam aoscorredores onde estão os produtos que desejam comprar e ignoram o resto.Fazer compras não deixa de ser uma tarefa, e queremos sair do mercado damaneira mais simples e rápida possível.Mas a descontinuidade acontece quando os estabelecimentos trocam alocalização dos produtos. Os pesquisadores avaliaram o que aconteceriaquando trocassem o posicionamento das frutas com o dos legumes, dosassados com o dos cereais, das carnes com o das verduras.8 Agora os clientesprecisavam parar e pensar no que queriam comprar e onde encontrar osprodutos. Com as alterações no layout da loja, os consumidores seriamexpostos a novos produtos, que não costumavam ver nem comprar. Nãopodiam mais seguir seus padrões automatizados. Os pesquisadorescalcularam que os gastos não planejados aumentariam em cerca de 7% porcomprador. Apesar dos layouts já bem ajustados de mercearias e mercados,uma alteração pode aumentar ainda mais as vendas. No entanto, asmudanças no design da loja também podem irritar alguns compradores,principalmente os com mais de 50 anos, que perdem a paciência quando nãoencontram o que procuram.9 É um jogo delicado para varejistas que queremmanter seus clientes.Nossas compras também são in�uenciadas por mudanças no design daembalagem do produto. Uma embalagem radicalmente nova di�culta aidenti�cação de um item que compramos regularmente. Em 2009, porexemplo, a Tropicana mudou a imagem da laranja com um canudinho do seusuco de laranja Pure Premium. A nova embalagem mostrava um copo desuco e um slogan em destaque: “100% laranja, puro e natural”.Surpreendentemente, os consumidores foram enfáticos ao se posicionaremcontrários à mudança. Eles devem ter pensado: “O que signi�ca ‘puro enatural’?”, “Será que isso tem o mesmo sabor do meu antigo suco de laranja?”,“Talvez eu deva experimentar outra marca”. As consequências para aTropicana foram estimadas numa perda de 30 milhões de dólares de receita10– tudo porque a marca resolveu alardear uma característica supostamentepositiva de seu produto.Embora na maioria das vezes as rupturas resultem num desequilíbrio domercado, todos já se sentiram atraídos por um novo dispositivo queprecisava ter. A�nal, vivemos na era do iPhone, e nosso ciclo de novidadesgira regularmente em torno do lançamento de uma inovação tecnológicamuito aguardada. Mas isso não corresponde à norma de como novosprodutos entram na nossa vida. É difícil lançar novos produtos. As �las declientes �éis que a Apple consegue atrair com o lançamento de um novodispositivo são a comprovação de um sucesso estrondoso – algo que vaicontra a maneira usual como recebemos as novidades do mercado.Novos produtos criam rupturas, pois precisamos mudar nossocomportamento para usá-los. Em 2001, o patinete Segway foi realmente umproduto novo, enaltecido por investidores experientes como Jeff Bezos, daAmazon.11 Steve Jobs previu que as cidades do futuro seriam redesenhadaspara possibilitar seu uso generalizado. Em 2004, no entanto, apenas 10 milunidades haviam sido vendidas, e �cou claro que o destino do Segway seriaum pequeno nicho do mercado. Compare isso com a popularidade dospatinetes elétricos, um novo e incrementado produto que adaptou os patinetesinfantis para uma versão adulta com motor. O valor da fábrica de scootersBird saltou de 300 milhões de dólares emmarço de 2018 para 1 bilhão emmaio do mesmo ano, e �nalmente para 2 bilhões até o �m de junho.12 Outrasempresas de transporte, como a Uber e a Ly, introduziram seus própriospatinetes. É claro que essa diferença no sucesso poderia ser apenas umaquestão de sincronia, dado que os patinetes elétricos chegaram 15 anosdepois. Porém, as pesquisas indicam que os consumidores mostram certaresistência a comprar novos produtos, e que mesmo os que dizem que vãocomprá-los nem sempre o fazem.13 Na verdade, não sabemos o que essesnovos produtos vão fazer por nós, e essa incerteza nos faz pensar e repensarsobre as intenções de compra. O resultado é que agimos de maneiraimprevisível.Existe um lado mais sombrio da descontinuidade. Pesquisadores vêmpercebendo que de alguma forma ela pode prejudicar bons hábitos básicosde cidadania. Em Montevidéu, a população paga entre três a seis impostospor ano: relativos à casa onde moram, aos veículos, à rede de esgoto e comopessoa física. As cobranças são pagas pessoalmente nos quiosques derecolhimento de impostos locais. Não é um sistema e�ciente. A média nopagamento dessas contas era de cerca de seis pagamentos atrasados, esomente 70% dos impostos municipais eram pagos em dia.Em 2004, a prefeitura de Montevidéu tentou algo novo para incentivar oscidadãos a pagarem os impostos em dia. Usando a loteria nacional doUruguai, Montevidéu passou a recompensar aqueles que pagaram seusimpostos em dia no ano anterior com o prêmio de não pagar nada no anocorrente. Foi um experimento natural, que permitiu aos pesquisadorescomparar, entre 2004 e 2014, 3.174 contribuintes premiados com a isençãocom 3.189 contribuintes que não gozaram desse benefício.14Ter isenção nos impostos durante um ano deveria ser uma recompensasu�ciente para que todos continuassem pagando pontualmente no futuro,por uma questão de gratidão ou responsabilidade cívica. Mas não foi assimque aconteceu. Na verdade, os que ganharam a isenção se mostraram menospropensos a pagar os impostos nos anos seguintes! Aparentemente, ainterrupção do pagamento fez esses cidadãos pensarem em seus impostos – eem como evitá-los. Eles acharam difícil recomeçar a pagar os impostosdepois de um ano de folga. Precisavam lembrar para onde ir, quanto pagar equando os pagamentos deviam ser feitos. O resultado não foi expressivo: osprêmios resultaram numa redução de 4% nos futuros pagamentos deimpostos. Mas isso afetou os cidadãos que geravam mais receita – oscontribuintes que pagavam em dia. Demonstrando que a ruptura nocomportamento era fundamental, os ganhadores da isenção que mantinhamos pagamentos em débito automático não foram afetados pelas isenções�scais. Como eles já faziam assim antes de terem ganhado a isenção anual, osbancos simplesmente retomaram os pagamentos quando as férias �scaisterminaram. A redução tampouco foi evidente no imposto sobre veículos,pois mesmo os cidadãos agraciados precisavam continuar pagando uma taxamínima.Ao que parece, os cidadãos desenvolvem hábitos de interação com aburocracia governamental que resultam em efeitos importantes. “Para osformuladores de políticas”, alertou um dos pesquisadores, “a falta de atençãoaos hábitos pode levar a consequências perversas.”15Quando �cou sabendo dos resultados do estudo, Montevidéu trocou asférias �scais por um desconto para quem pagasse em dia. Felizmente, osefeitos da descontinuidade dos anos anteriores sobre os ganhadores daisenção se dissiparam com o passar do tempo. Dois anos depois, os bonscidadãos contribuintes voltaram a pagar regularmente.Os desa�os da descontinuidade para a boa cidadania também semanifestam nas eleições norte-americanas, cujo voto não é obrigatório. Omau tempo desencoraja a votação. As pessoas olham pela janela e resolvem�car em casa. Municípios rurais e mais pobres são especialmente afetados.Em áreas não urbanas, os eleitores precisam percorrer trajetos mais longos, eos cidadãos menos ricos nem sempre têm acesso a transporte para não semolhar.Podemos comparar a participação da população durante as eleiçõespresidenciais em municípios onde choveu com municípios mais ensolarados.Segundo análises realizadas entre 1952 e 2012, até mesmo 1 milímetro dechuva reduziu a votação em 0,05%.16 E essa interrupção afetou a votaçãoposterior. Os eleitores que �caram em casa por causa da chuva no dia deeleição tenderam a não votar na eleição seguinte.Essa é a natureza dupla da descontinuidade do hábito. A ruptura dosestímulos do contexto cotidiano pode ser bené�ca, libertando-nos para agirde forma mais autêntica. No entanto, também pode ser prejudicial, causandoestragos em nossos hábitos de cidadania, transformando contribuintes emsonegadores e aumentando o número de abstenções. Há ganhos e perdas aserem obtidos quando os eventos da vida removem os estímulosfundamentais que controlam a automatização do dia a dia. Essa duplicidadede efeitos re�ete um fato básico sobre os hábitos: eles não têm uma naturezaessencialmente boa ou ruim. Assim como nossos hábitos variam de bené�cosa prejudiciais, o mesmo acontece com a ruptura desses hábitos, compolaridades invertidas. A descontinuidade, porém, não se aplica apenas a seueu habitual. Há também o papel desempenhado pelo controle executivo epelo seu eu mais planejador.Grandes mudanças na vida em geral nos pegam de surpresa. Mas nós temoscerto controle, pelo menos em como reagir à mudança. Quando entendemoscomo a descontinuidade funciona, podemos usar essas mesmas dinâmicas deforma seletiva, protegendo nossos valores e hábitos bené�cos e mudandohábitos indesejáveis.A proteção ocorre de múltiplas formas, como sugerido por uma pesquisafeita com estudantes transferidos de outras faculdades para a UniversidadeA&M do Texas.17 Leona Tam, Melissa Witt e eu contatamos os alunostransferidos um mês antes e um mês após a mudança, a �m de avaliar odestino de seus hábitos cotidianos, incluindo praticar exercícios e assistir àTV. Alguns tinham fortes hábitos de fazer essas coisas quando osentrevistamos antes da mudança. Dois meses depois, a maioria relatou que,com a descontinuidade da mudança, deixaram de praticar exercíciosregularmente ou de assistir à TV. Mas nem todos perderam seus hábitos.Para alguns, o contexto especí�co em que faziam exercícios ou assistiam àTV continuou o mesmo nos dois locais. Os habituados à atividade físicapodem ter continuado a se exercitar numa academia ou a correr numa pista.Os habituados à TV podem ter continuado a assistir a seus programas natelevisão do quarto. Quando os estímulos permaneceram estáveis, o mesmoaconteceu com os hábitos. Apesar de não sabermos se os alunosselecionaram intencionalmente novos contextos para serem iguais aosantigos ou se por acaso toparam com circunstâncias semelhantes, o resultadofoi claro: com estímulos estáveis, os hábitos se mantiveram protegidos.Nem todos os hábitos merecem ser preservados. A prática de exercícios éum dos que a maioria de nós deseja manter, mas raramente assistir à TV ébené�co para os estudantes. O resultado foi o mesmo nos dois casos: amudança nos contextos de desempenho prejudicou os hábitos, e aestabilidade os preservou, independentemente de ser um hábito saudável ouuma perda de tempo. Você já deve conhecer essa história: o mecanismo dohábito não discrimina entre ações bené�cas e prejudiciais.Os alunos transferidos revelaram outra maneira de proteger os hábitos –uma forma conhecida pelo controle executivo: mantendo-seconscientemente �el às intenções. Mesmo sem os estímulos familiares daantiga faculdade, os estudantes ainda podiam decidir se exercitar ou assistir àTV. Em novos contextos de desempenho, alguns deles colocaram em práticasuas intenções. Voltaram a levantar pesos, formando potencialmente umnovo hábito na nova casa.Ao entender esses estímulos, podemos manter hábitos valiosos mesmoquando ocorrem grandesperturbações na nossa vida. Mas às vezesdesejamos mudar. Podemos provocar perturbações para nós mesmosalterando os contextos. E nós fazemos isso! Cerca de 11% dos americanos semudam por ano,18 o que signi�ca que a maioria mora em um lugar poraproximadamente 11 anos.19 Mudamos de emprego com ainda maisfrequência, em média a cada quatro anos.20 Qualquer mudança tãoimportante fornece uma janela de oportunidade para desfazer maus hábitos edisponibilizar a luz e o ar necessários àqueles que se tornaram obsoletos.Quando queremos mudar, a descontinuidade é uma aliada. Podemos quererparar de fumar, sair do emprego e começar uma nova carreira ouinterromper relacionamentos abusivos. É aqui que podemos tirar proveito deuma ruptura. Como resultado da nova capacidade de preservar e protegerbons hábitos em tempos difíceis, também podemos usá-los para romper edestruir hábitos antigos e indesejados.Você se lembra de uma época em que foi capaz de mudar sua vida demaneira súbita e radical? Como você conseguiu? Foi a partir de resolução edeterminação ou foi ajudado por uma mudança de contexto?Houve algum momento em que você deixou de fazer uma transformaçãomuito necessária na sua vida? Você perdeu a coragem ou achou muito difícile complicado mudar todas as coisas que precisavam ser mudadas?Foi o que pesquisadores perguntaram a 119 adultos da HarvardExtension School.21 Os participantes descreveram muitas mudançasdiferentes, inclusive em suas carreiras, na formação educacional, nosrelacionamentos e na saúde.Quando as pessoas contaram histórias de mudanças bem-sucedidas navida, mais de um terço mencionou mudanças de contexto: 36% das históriasenvolveram se mudar de casa, mesmo que só por alguns meses. Uma delas,ao explicar o momento em que uma tentativa de parar de fumar foi bem-sucedida, falou: “Achei que seria mais fácil parar de fumar num novoambiente, sem os estímulos e as associações habituais.” Outra pessoaa�rmou: “Eu detestava a faculdade de direito. Fiquei �sicamente doentedurante boa parte do primeiro semestre – tudo, acredito, relacionado aoestresse. Também me senti deprimido. Fiz poucos amigos na faculdade, umambiente competitivo e frio demais para manter uma verdadeira amizade.”Outros 13% relataram ter efetuado outras mudanças nos contextos da vida,como arranjar um novo grupo de amigos ou um novo emprego.As histórias de mudanças malsucedidas eram muito diferentes. Apenas13% se referiram a ter se mudado para outro lugar, e ninguém mencionou teralterado o ambiente imediato. Basicamente, os participantes forneceramrazões pelas quais não conseguiram alterar suas situações. Como disse umdeles: “Sair do meu emprego, com a economia como está, parece muitoarriscado, pois tenho um contrato de aluguel e contas a pagar.” Segundooutro: “Foi mais fácil continuar no emprego antigo do que talvez serrecusado em outros, além da confusão e da di�culdade de decidir sobre umaárea.” Histórias de mudanças fracassadas geralmente envolvem se sentirpreso ao ambiente vigente. Um total de 64% dos que não conseguiram mudarse referiram a circunstâncias externas que tornaram a mudança impossível.Essas narrativas pessoais de mudança e de impossibilidade de mudarfornecem uma percepção impressionante do poder dos contextos. Pessoasbem-sucedidas em mudar de comportamento aproveitavam a oportunidadeda descontinuidade de hábitos. Mudaram de contexto indo embora no verão,saindo do emprego ou se mudando. Ao eliminar os estímulos, elas se derama liberdade de tomar novas decisões.Porém, narrativas pessoais como essas dependem do que as pessoas selembram, e as lembranças estão sujeitas à criação de mitos pessoais. Todostendemos a organizar nossas histórias de vida em narrativas mais inteligíveisdo que realmente foram. Para um pesquisador, dados objetivos são maiscon�áveis. Felizmente, há um domínio em que isso é possível – em queexistem dados concretos sobre os benefícios e os desa�os das mudanças dosestímulos e de contexto.As grandes ligas de beisebol adoram estatísticas. Por esse motivo, oesporte é um laboratório útil para medir os efeitos de uma ruptura de hábitosdevida a uma ocorrência comum – jogadores que mudam de time. Umamudança na equipe rompe toda uma série de estímulos habituais queenvolvem companheiros de time, os campos onde jogam, treinadores,proprietários, fãs e residências.Para veri�car se trocar de time também altera o desempenho dosjogadores, os pesquisadores analisaram os registros de 422 jogadores da ligaprincipal entre 2004 e 2015 que tiveram um mau desempenho em váriastemporadas antes de mudar de time.22 Eram grandes atletas que precisavamde uma mudança.Antes e depois da mudança, os pesquisadores avaliaram a média derebatidas, a capacidade dos jogadores de chegar à base e o poder ofensivogeral em relação a outros jogadores. Aqueles com desempenho em declínioque trocaram de equipe tiveram melhorias signi�cativas nos três indicadores.Por exemplo, as médias de rebatidas aumentaram em dois anos, passando de0,242 para 0,257. (Para citar um exemplo, Mike Trout, um dos jogadores debeisebol mais bem pagos, com um salário de 34 milhões de dólares, rebateem média 0,312.) Por outro lado, um grupo de 922 jogadores com registrossemelhantes de declínio que continuaram em suas equipes mostrou umamelhora bem menor.Para alguns desses jogadores, a mudança ocorreu por decisão própria.Eram donos dos passes e optaram por seguir em frente. Outros foramvendidos. A descontinuidade dos hábitos funcionou independentemente domotivo da mudança. Os novos estímulos foram seguidos por um aumento dodesempenho.Mais uma vez, houve simetria na ruptura, afetando bons e maus hábitos.Em uma segunda parte do estudo, os pesquisadores acompanharam 290jogadores da liga principal com desempenho estável ou aprimorado durantea temporada. Para esses homens, mudar de equipe não ajudou. Aliás, levou auma queda na média de rebatidas e nas outras métricas ofensivas.23 Porexemplo, ao longo de dois anos as médias caíram de 0,276 para 0,263.Comparativamente, essa redução foi muito maior do que a observada em umgrupo de 1.103 jogadores com registros anteriores semelhantes e quecontinuaram em suas equipes. Mais uma vez, não fazia diferença se osjogadores que trocaram de time por decisão própria eram donos de seu passeou foram negociados. O bom desempenho foi interrompido pela mudançade contexto. Os jogadores pioraram. Na verdade, a grama não �cou maisverde para eles. Para jogadores já bem-sucedidos, a mudança de cenário foiprejudicial.A libertação dos limites de contextos improdutivos reverteu falhasbaseadas em hábitos de jogadores pro�ssionais, que são indivíduos altamentetreinados e focados no desempenho. Faz sentido que eles pudessem sebene�ciar de um novo ambiente de equipe. Mas a descontinuidade do hábitotambém pode devastar sucessos baseados no hábito. Até atletas pro�ssionaissão suscetíveis a isso. Atletas com desempenho em alta que ingressaram numnovo time tiveram o rendimento prejudicado.A lição que podemos tirar é que a descontinuidade do hábito é poderosa.Altera o equilíbrio dos hábitos e a tomada de decisão na nossa vida. Aruptura nos faz pensar. Isso pode tornar a vida mais interessante e nospermitir agir de maneiras que re�etem mais nossos valores e interesses.Contudo, também pode colocar em risco hábitos bené�cos. Claro, romperum hábito é apenas o primeiro passo para a mudança. Abre o caminho edeixa velhos hábitos para trás. Quão bem usamos essa oportunidadedepende do que faremos a seguir. Ao entender as descontinuidades, você serácapaz de: (1) proteger seus bons hábitos para que possam mudar ao sabor dovento e (2) usar essas rupturas para atacar seus maus hábitos nos pontos maisvulneráveis.As descontinuidades abordadas neste capítulo não costumam serdesejáveis. Perder o emprego ou se mudar pode ser um enorme desa�o àestabilidade.Ao abordar essas mudanças a partir da perspectiva do hábito,podemos ver também que são excelentes oportunidades para nosreformularmos, para nos tornarmos as pessoas que desejamos ser. Ficamosmais �exíveis e podemos comandar melhor nosso eu habitual. A destruiçãode nosso status quo é muito real – a criação posterior �ca inteiramente porsua conta.Há mais um aspecto em tudo isso, que faz a balança dasdescontinuidades pender para o lado positivo. O sinal da internet na sua casajá caiu por alguns dias ou até algumas horas? Ou você aceitou o convite parair à velha casa de praia do seu amigo e ao chegar lá, percebeu que o roteadorwi-� é de 1997 e tem o alcance de uma torradeira? Evitando os erros óbvios(O wi-� caiu? É melhor preparar outro martíni!), de repente você percebe queesses preciosos momentos de um novo comportamento após uma rupturapodem ser o primeiro passo para um novo caminho. É uma chance deimprovisar soluções que você deseja seguir no futuro.Talvez você pegue aquele antigo exemplar de Moby Dick que alguémdeixou no sofá muitos verões atrás. Começa a ler. Depois de algumaspáginas, seu tédio desaparece. Você percebe, com alguma culpa, que há anosnão lê um clássico. Você está no caminho de iniciar um novo hábito deleitura – o que poderia ter acontecido a qualquer momento, mas precisou deuma ruptura para que se desse conta de quanto gosta de ler um bomromance.12A ESPECIAL RESILIÊNCIADO HÁBITO“A tempestade é uma boaoportunidade para o pinheiro ouo cipreste mostrarem sua força.”– HO CHI MINHA vida é estressante. Parece nunca seguir de acordo com os planos. Não sedesenrola como esperamos. Nossas preferências não se concretizam – a nãoser quando parecem ocorrer aleatoriamente e por coincidências. O passar dotempo e a ordem dos acontecimentos não �uem por um caminho previsível.Agora já temos ferramentas de diagnóstico para quanti�car nossaexperiência, e essas ferramentas sempre nos dizem que, sim, a vida éestressante. Em uma pesquisa recente, cerca de 25% dos americanosdeclararam viver sob um estresse extremo.1 E a maioria de nós diz que sesente mais estressado do que o normal. As causas são previsíveis. Em 2017,mais de 60% dos americanos revelaram estar estressados com o futuro dopaís, problemas �nanceiros e di�culdades no trabalho. O Japão tem até umapalavra, karoshi, para o estresse extremo no local de trabalho que leva àmorte. As pessoas vêm relatando mais sintomas de estresse do que nos anosanteriores, incluindo raiva, ansiedade e fadiga. Esse último aspecto não éapenas um estado de espírito: nosso corpo reage ao estresse com uma sériede hormônios, que incluem adrenalina e cortisol, os quais afetam nossospensamentos, sentimentos e ações. O estresse degrada nosso eu executivo, ouos processos cognitivos superiores envolvidos quando fazemos planos,pensamos no futuro e agimos de maneira �exível para atingir nossosobjetivos.2 Nossa capacidade de tomar decisões é prejudicada.Nos últimos anos, muita gente se conscientizou dos impactos causadospelo estresse na saúde. Os danos foram amplamente reconhecidos, masraramente resolvidos. Claro, podemos frequentar retiros e adotar certasatitudes, mas que só funcionam sob certas condições e para certas pessoas.Muitos de nós não têm recursos para ir a um retiro de meditação em algumfrondoso centro espiritual da Nova Inglaterra.Não seria útil se todos portássemos as ferramentas para construir nossopróprio refúgio antiestresse, protegidos das pedras e �echas do caos docotidiano? Não seria um ótimo lugar para resguardar os comportamentosque você deseja nos bons e nos maus dias – o tipo de comportamento capazde alcançar metas de longo prazo?Na verdade, você já tem isso. Os hábitos são esses portos seguros emtempos estressantes. Não são afetados pelo estresse como nosso eu maisconsciente. Aliás, eles prosperam. Existe até um aumento no desempenho dehábitos quando o resto de nossa mente é fustigado pela vida.3 É umacaracterística especial, que torna os hábitos particularmente adequados paraa pressão diária por agirmos da melhor maneira possível. É fácil imaginarcomo o aumento dos hábitos foi uma adaptação evolutiva nos ancestraishumanos (ver um urso, atirar uma lança).Assim como as descontinuidades rompem os estímulos para odesempenho do hábito (Capítulo 11), o estresse prejudica nosso euconsciente, alterando o equilíbrio entre o hábito e o pensamento consciente.Ao que parece, cada sistema prospera sob condições ligeiramente distintas.Sob estresse, os hábitos permanecem ativos, apesar dos vacilos daconsciência. Para os pesquisadores, esse padrão é um sinal intrigante dadissociação entre hábitos e deliberação. Para todos os outros, esse sistema debackup apresenta claros benefícios práticos. Tendo hábitos você nunca �casem resposta, mesmo quando o estresse, a a�ição ou o cansaço mentalperturbam sua mente consciente.Para estudar a interseção entre estresse e hábito, um grupo depesquisadores pediu a universitários que mergulhassem as mãos até o pulsoem água gelada por três minutos ou pelo tempo que conseguissem aguentar.4Foi �sicamente estressante, como se pode imaginar. Para adicionar umestresse social, os participantes foram �lmados e assistidos por uma pessoadesconhecida em seu estado de desconforto. Para servir de comparação, umgrupo de controle não foi submetido a nenhum desses estresses. Elesmergulharam as mãos em água morna e confortável.Na etapa seguinte do estudo, todos praticaram uma tarefa nocomputador em que selecionavam certas �guras na tela apertando as teclas.Havia uma recompensa: quando escolhia a �gura correta, o estudantetomava um pouco de suco de laranja ou um achocolatado por um canudinhoao alcance da boca. Um pouco incomum, mas exatamente o tipo derecompensa imediata que forma hábitos com facilidade. Quando escolhiamuma �gura incorreta, os estudantes tomavam uma bebida menos agradável,um chá suave de hortelã, ou não recebiam nada. Com essa tarefa simples,todos aprenderam a escolher as �guras que traziam recompensas. O estresseanterior não atrapalhou o aprendizado de hábitos.Depois de 50 escolhas, a tarefa mudou e as recompensas cessaram. Nãoimportava mais a escolha que �zessem. Aqueles que não estavam estressadospegaram o jeito depois de cinco tentativas. Sim, de início eles agiram porhábito, mas, depois de algumas poucas opções sem recompensa, entenderamo que estava acontecendo e alteraram o comportamento. Começaram apensar que talvez as recompensas recomeçariam se escolhessem outra �gura.Então eles �cavam preparados para a próxima etapa. Pararam de responderpor hábito e exploraram, escolhendo �guras diferentes na esperança deencontrar uma nova que resultasse em alguma recompensa. Em resumo, osparticipantes estavam se adaptando às novas condições e descobrindo comovoltar a uma experiência grati�cante. Mas os que se mostraram estressadosapenas persistiram no velho hábito. Suas mentes conscientes continuaramfocadas na experiência dolorosa e na agressão ao metabolismo. Nãoconseguiram ser �exíveis nem considerar alternativas.O estresse do mundo real causa efeitos semelhantes. Em um estudorealizado com executivos do mundo corporativo que envolvia 174 decisõesdifíceis sobre aquisições, importantes lançamentos de produtos oureestruturação, aqueles que se sentiam mais ansiosos e ameaçados (com baseem entrevistas com o cônjuge e relatórios da empresa) se mostraram menospropensos a assumir riscos estratégicos.5 No jargão do mundo dos negócios,os executivos ansiosos continuaram a aproveitar o que já funcionava,evitando explorar novos fatores de inovação e crescimento.6 Esse tipo devisão, de aproveitar em vez de explorar, pode deixar a empresa sem novosprodutos e correndo o risco de ter o mesmo destino de empresas como aBlockbuster, a Polaroid ou a Compaq.O estresse tem esses efeitos porque in�uencia quais partes docérebroestão em atividade. Sob estresse, diminui a ativação neural nas regiõesenvolvidas na tomada de decisão e na busca de objetivos (córtexorbitofrontal, córtex pré-frontal medial, hipocampo).7 Mas a ativaçãoaumenta nos sistemas neurais estriados, envolvidos na resposta ao hábito eem recompensas. Essa combinação nos leva ao modo automático. Nossossistemas de tomada de decisão se restringem ao que funcionava no passado.Diante de um fator estressante, nossa mente lidará com isso se desligando oufugindo do estresse. Ficamos preocupados em nos defender do fatorestressante e prestamos menos atenção no que está acontecendo ao redor.Infelizmente, no mundo moderno esses fatores estressantes costumamser situações que exigem raciocínio rápido e pensamentos complexos. Comum membro da família no hospital, por exemplo, você precisa tomardecisões rapidamente. Ou talvez você tenha sido demitido há pouco tempo eprecise encontrar logo outro emprego para pagar suas contas. Talvez seuestresse venha da infelicidade do parceiro ou de um relacionamento quepossivelmente acabará. Isso exige cada vez mais da sua tomada de decisãoconsciente. A situação ameaçadora chama sua atenção, mantendo vocêfocado em reproduzir ou reprimir a experiência e incapaz de pensar emoutra saída.Como no caso dos alunos do experimento, suas mãos estão na águagelada.8 Você precisa descobrir como lidar com experiências estressantes.Hábitos podem ajudar. Na etapa seguinte, depois de passar pelas 10 escolhassem recompensa, os alunos voltaram a recebê-las ao escolher as �gurascorretas. Os não submetidos ao estresse logo perceberam essa mudança edeixaram de explorar novas �guras, voltando ao hábito que haviamaprendido anteriormente. Sua adaptabilidade os levou à estratégia certa outravez, depois de um período de experimentação. Os estudantes estressados, noentanto, não abandonaram a estratégia vencedora anterior. Continuaram arepetir o hábito, que agora lhes dava uma recompensa.Podemos enaltecer a imaginação e a iniciativa dos estudantes nãoestressados. Todos desejamos ter a presença de espírito para nos adaptarmosao nosso ambiente e buscar novas estratégias. Mas não vivemos uma vidalivre de estresse. Do ponto de vista do hábito, o ensinamento maisimportante vem do outro grupo de estudantes. Apesar das várias rupturas,do estresse, das recompensas e das não recompensas, os hábitospreestabelecidos perseveraram. Não hesitaram quando a mente estavaocupada com o desconforto e o constrangimento. O hábito resistiu a todos osdesa�os.Agora imagine uma situação análoga à da água gelada: as preocupaçõescom sua saúde, os entraves no emprego, seus problemas conjugais. Em vez deescolher as �guras certas em algum laboratório, imagine que vocêestabeleceu exatamente o tipo de hábito saudável que mantém ofuncionamento necessário para continuar tocando a vida enquanto lida coma complexidade de sua fonte de estresse. É o tipo de função difícil que seusegundo eu pode realizar em silêncio. Como vimos neste capítulo, essafunção pode ser exercida mesmo quando os domínios mais conscientes desua mente estão sob estresse. Isso é uma ótima notícia. Deve deixar vocêotimista em relação à próxima vez que passar por um período desa�ador.Você saberá que seus hábitos e o que estabeleceu na direção de seus objetivosde longo prazo continuarão. Seus hábitos bené�cos vão seguir em frente,ignorando o drama do cenário atual. O hábito se torna então mais do que oforte recurso que nos permite continuar atuando a despeito dos desa�os quea vida nos apresenta. É a escolha desejável tanto para o eu habitual quantopara o eu consciente.Alguns anos atrás, tive uma vizinha que era ciclista pro�ssional. Ela eramuito veloz. Costumávamos sair juntas de bicicleta em seus dias de descanso,quando ela mantinha o batimento cardíaco baixo. Comigo ela saía com suabicicleta de passeio, não com as que usava para treinar.No início do passeio, mantínhamos um ritmo tranquilo, e era divertido.Contávamos histórias sobre nossas famílias. Isso durava mais ou menos umahora. Quando começávamos a voltar para casa, ela sempre acelerava. Logoestava bem à minha frente e não conseguíamos mais conversar. Ela tinhavoltado à sua velocidade de corrida. Quando perguntei por quê, minhavizinha explicou que na primeira parte do passeio ela tentavaconscientemente andar mais devagar. A�nal, o dia de descanso era parteimportante de seu treinamento. Mas à medida que o tempo passava, oesforço consciente de seguir meu ritmo se tornava excessivo. As pernas delaaceleravam automaticamente. Ela se sentia mentalmente cansada paraacompanhar a minha velocidade. A ironia é que ela passava a se esforçarmais �sicamente, mas, por uma questão de hábito, parecia fácil para ela.Quando estamos cansados e estressados, costumamos recair nos maushábitos. Todos tivemos a experiência de agir dessa maneira. Se estamosatrasados para um compromisso, apertamos várias vezes o botão do elevador,como se isso nos ajudasse a chegar mais cedo. Se estamos andando depressapara ir a algum lugar, apertamos repetidamente o botão de pedestres dosemáforo para atravessar a rua. Frustrados num engarrafamento, começamosa buzinar, apesar de sabermos que todos estão igualmente parados. Sobalguma ameaça, agimos por hábito, não importa se o comportamento nosbene�cia, nos prejudica ou não surte efeito nenhum. O mecanismo do hábitonão discrimina entre as respostas que podem ser bené�cas na situaçãovigente e as que não são.Em um teste de como o estresse e o cansaço exploram os bons e os maushábitos, estudantes da faculdade de administração de empresas da UCLArelataram suas rotinas matinais.9 Durante sete semanas, os alunosinformaram o que comiam no café da manhã e quais seções do jornal liamantes de ir para a aula. Duas dessas semanas foram especialmentedesgastantes, pois os alunos estavam em período de provas.As semanas das provas aumentaram a �delidade aos hábitos. Estudantescom fortes hábitos de comer determinados alimentos saudáveis no café damanhã, como cereais quentes ou frios e barras de cereais, se mostraram maispropensos a seguir seus hábitos durante os exames. Aqueles com hábitos decomer alimentos não saudáveis, como doces, panquecas ou torradas, e detomar café com açúcar �zeram o mesmo. Os hábitos de leitura de jornaltambém foram explorados. Os estudantes com o hábito de ler o noticiário dojornal, como os acontecimentos no mundo, continuaram em geral lendo suasseções habituais durante as semanas de provas, assim como aqueles com ohábito de ler seções mais leves e menos noticiosas, como colunas deaconselhamento. Alunos sem fortes hábitos no café da manhã e na leitura dojornal não mostraram um aumento de suas tendências durante o período.O aumento das leituras é surpreendente. Durante as semanas de provas,seria normal que os alunos estudassem mais e tivessem menos tempo paraler o jornal. No entanto, eles tendiam a ler mais do que o habitual. Isso fazsentido se você pensar sobre como o estresse afeta o hábito. Os estudantesforam menos capazes de tomar decisões conscientes sobre o que ler. Alunosque costumavam ler notícias sobre economia, por exemplo, eram menospropensos a se lembrar de ler reportagens especí�cas de interesse local.Como resultado, eles se desviavam com menos frequência de seus temas deleitura preferidos. Acordavam e liam a seção de economia, como sempre,provavelmente enquanto pensavam em estudar para as provas iminentes.Evidências mais diretas do aumento do hábito vêm de um estudo em queos estudantes da Universidade Duke identi�caram quatro comportamentosdesejados que tentavam adotar para atingir uma meta importante e quatrocomportamentos indesejados que tentavam evitar.10 Por exemplo, começar afazer os trabalhos logo após o jantar era um comportamento desejado paratirar boas notas, enquanto jogar videogame era indesejável.Os alunostambém avaliaram a força do hábito de cada comportamento, observandocom que frequência os haviam praticado no passado no mesmo lugar. Oestudo durou quatro dias. No �m de cada dia, os alunos informavam(sim/não) se haviam adotado cada um dos comportamentos citados.Em dois dos dias do estudo, os recursos cognitivos dos alunos foramexauridos. Eles foram instruídos a usar a mão não dominante paradesempenhar ações simples, como fazer ligações no celular, mover o mouse eabrir portas. Isso era mentalmente cansativo, pois tinham que inibir oimpulso de usar a mão dominante e se lembrar de usar a outra. Para garantirque seguissem as instruções, os participantes assinaram um contrato ecriaram lembretes para si mesmos.Nos dois dias em que usaram a mão não dominante, elesdesempenharam comportamentos mais habituais – tanto os desejados paraatingir uma meta quanto os indesejados que interferiram – do que nosoutros dois dias do experimento. Os estudantes cansados dos esforçoscontínuos para usar a mão não dominante foram atormentados por maushábitos, mas também se bene�ciaram dos bons. O cansaço mental, da mesmaforma que o estresse, aumentou a força do hábito, re�etindo a capacidadelimitada do pensamento consciente e a resistência da automatização.A resiliência do hábito parece algo muito bom, mas de certa forma é maisum impulso numa tendência antiga e infeliz, exacerbada pela proliferação dedistrações dos tempos atuais. Basta um breve som do seu celular e você jáestá abrindo a mensagem para uma nova interação social.Em termos de hábito, a distração traz à tona o eu habitual nos momentosem que faríamos isso se estivéssemos no comando de nós mesmos, em vez depermanecer em segundo plano. Ninguém está a salvo disso (porque quaseninguém é tão forte a ponto de dominar totalmente seus hábitos). Para amaioria das pessoas, a distração é um incômodo que nos pega por baixo. Noentanto, algumas vivem a vida numa espécie de estado de desatenção, comsuas decisões quase sempre prejudicadas pela distração. Existe até uma escalapara medir essa tendência.11 Você pode veri�car sua pontuação em falta deatenção no site a seguir, em inglês:www.ocf.berkeley.edu/~jihlstrom/ConsciousnessWeb/Meditation/CFQ.htm. Se você responder “com muita frequência” a muitos dos itens, talvez seja otipo de pessoa que está quase sempre pensando em algo diferente do que estáfazendo.Na nossa vida cotidiana, as distrações são apenas inconvenientes.Entramos no carro com a intenção de ir a uma loja, quando uma noti�caçãodo celular desvia nossa atenção, e de repente estamos dirigindoautomaticamente em direção ao trabalho. Ou entramos numa sala para pegaralguma coisa, ouvimos no rádio uma música que adoramos e sem pensarpegamos outra coisa. Quando as pessoas mantêm registros desse tipo deequívoco, eles ocorrem cerca de uma vez por dia.12 Mas pessoas com altapontuação em distração cometem muitos desses equívocos.Hoje em dia, em algumas situações a distração pode se tornar algo maishttp://www.ocf.berkeley.edu/~jfkihlstrom/ConsciousnessWeb/Meditation/CFQ.htmgrave. Durante uma consulta numa clínica ou hospital, é provável que seumédico esteja com um olho em você e outro no computador. A maioria dasclínicas atualmente exige prontuários eletrônicos. Isso é bom, pois registraum histórico contínuo de cuidados com a saúde. Mas o preenchimento dosformulários chama a atenção do seu médico nos momentos em que vocêmais precisa dele.A distração médica vai além de registros clínicos. Professores e estagiáriosde um prestigiado hospital-escola falaram sobre o uso do celular durante asrondas médicas.13 Dezenove por cento dos residentes e 12% dos membros daequipe de atendimento clínico admitiram ter perdido informaçõesimportantes sobre os pacientes por causa da distração dos smartphones.Sob essas condições, uma cirurgia pode representar um risco real. Emuma pesquisa com médicos da equipe técnica de apoio, cerca de metadeadmitiu ter falado ao celular durante uma cirurgia cardíaca, quando deveriaestar atenta às máquinas de monitoramento.14 Um número semelhanteadmitiu ter enviado mensagens de texto, apesar de 78% reconhecerem operigo de usar o celular nessas situações.Como se não bastasse, muita gente acaba sendo hospitalizada por contadas próprias distrações. As internações hospitalares de pedestres por lesõesrelacionadas a celulares triplicaram entre 2004 e 2010.15 Os registros deadmissão contam histórias tristes: “Homem de 28 anos bateu em postefalando ao telefone e lacerou a sobrancelha”; “Jovem de 14 anos andando pelarua enquanto falava ao celular caiu de uma ponte a 1,8 a 2,5 metros de altura,atingindo uma vala com pedras e água, bateu de peito/ombro, contusão naparede torácica”; “Homem de 23 anos andando no meio da rua falando aocelular foi atropelado por um carro, contusão no quadril”.A consciência distraída pela tecnologia nos deixa agindo por hábito.Muitas vezes esse hábito é tão simples e mecânico quanto andar. Issofunciona bem quando o caminho é plano e sem obstáculos. Mas, quando oterreno muda e é necessária uma decisão consciente, existe o risco de umacidente grave ou de, no mínimo, passar vergonha.Um estudo de 1984 analisou cartas de 67 pessoas alegando que haviamsido injustamente acusadas de furtos em lojas.16 Muitas argumentaram quepuseram os artigos no bolso ou na bolsa inadvertidamente, sem intenção deroubar. Mais da metade atribuiu o incidente a distrações. É claro que nãohavia smartphones na época, mas várias disseram que tinham acabado deperder o �lho na loja. Uma delas derrubou um display. Outra contou tervisto o ex-marido na loja com outra mulher. Tais eventos podem ter feito aspessoas responderem aos estímulos habituais sem pensar, saindo da loja semlevar o que compraram ou o troco; saindo de casa sem dinheiro ou cartão decrédito; pegando o carrinho de compras de outra pessoa; pegando um itemque não era o desejado da prateleira; e talvez até fazer compras sem pagar. Adistração está no cerne de tudo isso, e a resiliência do hábito está no cernedos efeitos da distração.17Na maioria dos casos, distração combinada com hábitos fortes funcionabem. A�nal, o normal é chegarmos em casa com nossas compras e bolsosintactos. Mas o hábito pode fazer apenas o que fez antes. Novas embalagensparecidas com as de outro produto podem motivar nossa compra, por issoacabamos voltando para casa com algo diferente do que queríamos. Ouperdemos oportunidades ao pegar automaticamente nossos itenscostumeiros sem perceber que talvez outros produtos que preferimos estão àvenda essa semana.A distração on-line pode ser ainda mais problemática. Todos nósrecebemos e-mails de phishing, por exemplo. Eles parecem legítimos, massolicitam informações con�denciais ou inserem malware em nosso sistemaquando clicamos num hiperlink aparentemente inofensivo.Assunto: Por favor verificar sua contaPrezado aluno,Há uma questão técnica em relação à sua conta de e-mail da universidade que exige sua atenção. Porfavor acesse o link abaixo para reconfigurar sua conta e resolver o problema nos próximos dois dias.http://mxni.nm/90SJjkhttp://mxni.nm/90SJjkjObrigado.Em um estudo, alunos da Universidade de Buffalo receberam mensagensde phishing pessoais semelhantes a essa.18 Um total de 83% dos estudantesclicaram no link. Aqueles com hábitos mais fortes no uso de e-mail, quea�rmaram usá-lo com frequência e de forma automática, tenderam a clicarmais no link. Alunos que reconheceram prestar pouca atenção nos e-mails eresponder sem pensar muito se mostraram ainda mais suscetíveis. Quandonossa tomada de decisão está distraída, nossos hábitos de e-mail podem serexplorados por outros.Os hábitos nas redes sociais também nos tornam vulneráveis. Uma turmade universitários recebeu mensagens de phishing em suas contas doFacebook.19 Primeiro, cada um recebeu um convite de “amizade”.
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